Do pagamento com sub-rogação

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas242-257

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18. 1 Considerações introdutórias

A fiança é um contrato por via do qual uma pessoa se compromete para com o credor de outra pessoa, a satisfazer uma obrigação, caso o seu devedor não a cumpra. Esta definição está no Código Civil, art. 818 in verbis: "Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra". É contrato de

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natureza unilateral e gratuito que se desenrola, portanto, entre o fiador e o credor do afiançado. É unilateral porque gera obrigação somente para o fiador e vantagem para o credor; gratuito porque o fiador não aufere nenhum benefício. É serviço de amigo, ato desinteressado.

Imaginemos um fiador pagar a dívida de seu afiançado. Para evitar um enriquecimento sem causa do afiançado, a lei, compulsoriamente (CC, art. 831), fornece ao fiador o direito de ficar no lugar do credor para receber o que desembolsou, surgindo, assim, a sub-rogação, ou seja, a dívida continua a subsistir em relação ao devedor, que passa a ter por credor o próprio fiador. Por oportuno, merece transcrição o teor do art. 80 do CPC, in verbis: "A sentença, que julgar procedente a ação, condenando os devedores, valerá como título executivo, em favor do que satisfizer a dívida, para exigi-la, por inteiro, do devedor principal, ou de cada um dos co-devedores a sua quota, na proporção que lhes tocar". Houve, portanto, uma troca de credores, ou a colocação de uma pessoa em lugar de outra.

A palavra sub-rogação vem do latim sub-rogatio, de sub-rogare e significa "substituir", "passar para outrem". Quando o promitente-comprador de imóvel cede seus direitos a terceiro, opera-se a sub-rogação em favor deste, que passa a substituí-lo na relação jurídica existente. É o mesmo fenômeno que ocorre quando uma pessoa casada aluga um prédio para a moradia da família; havendo a separação judicial ocorre a sub-rogação pessoal, deixando um dos cônjuges de ocupar sua posição na relação jurídica e a locação prosseguirá, automaticamente com o cônjuge que permanece no imóvel (art. 12179da Lei nº 8.245/91 - Lei do Inquilinato). Do mesmo modo, vendido o imóvel alugado no curso do contrato, o adquirente se sub-roga nos direitos e obrigações do locador (in RT 708/135).

O nosso Código Civil trata da sub-rogação pessoal180, mas o faz apenas como modalidade de pagamento, ou seja, a sub-rogação que provém do pagamento. A cessão de crédito que já foi vista, também é uma modalidade de sub-rogação de pessoa, mas não provém de pagamento.

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Como modalidade de pagamento, a sub-rogação visa tutelar terceiro que venha a solver dívida alheia, como acontece, por exemplo, quando um segurador paga indenização ao segurado que não agiu com culpa em um abalroamento de veículos. Como em tais situações responde sempre o culpado, e o segurador tem obrigação de indenizar o seu segurado por força do contrato de seguro, opera-se também a sub-rogação; o segurador passa a ocupar o lugar do segurado, tendo ação regressiva contra o indigitado causador do dano (Súmula nº 188 do STF). A propósito, o TJSP já decidiu que a "seguradora que pagou indenização ao segurado tem ação regressiva contra o causador do dano, devendo, porém, provar a culpa deste" (in RT 466/99). Analise a seguinte ementa de certo acórdão: "Se a seguradora pagou à segurada os prejuízos ocorridos, em razão de perda total da mercadoria transportada, por força de contrato de seguro, cabe-lhe, como sub-rogada, reaver o valor despendido do transportador, porquanto este responde pelas mercadorias que lhe são entregues, desde o recebimento até a entrega em seu destino" (in RT 685/153).

18. 2 Definição de sub-rogação que provém do pagamento

No pagamento realizado por terceiro, por exemplo, onde um fiador efetua o pagamento por não ter o afiançado cumprido com sua obrigação, opera-se a sub-rogação pessoal, continuando a subsistir a dívida para o devedor, pois o objetivo do instituto é o de tutelar aquele que solveu a dívida alheia. Haverá, pois, a substituição do credor, pela pessoa que pagou em lugar do devedor, continuando a obrigação a subsistir para o devedor. Se o avalista, por exemplo, pagar títulos em operação de alienação fiduciária, por força de lei ele se sub-roga em todos os direitos, ações, privilégios e garantias, em relação à dívida, contra o devedor principal.

Clóvis Beviláqua define a sub-rogação como "a transferência dos direitos do credor para aquele que solveu a obrigação, ou empres-tou o necessário para solvê-la".181Por essa definição, tem-se que, os direitos que tinha o credor passam para aquele que, em lugar do devedor, efetuou o pagamento, continuando o vínculo obrigacional entre devedor e aquele que substituiu o credor.

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18. 3 Natureza jurídica

Os doutrinadores divergem no que concerne à natureza jurídica da sub-rogação, entendendo uns tratar-se de uma cessão de crédito; outros, de um instituto autônomo.

Na cessão de crédito, embora haja verdadeira substituição de pessoas, como acontece na sub-rogação, a transferência se dá antes da liquidação da dívida, ocasião em que o cessionário182passa a ser o sucessor, por ato entre vivos, do cedente. Na sub-rogação a substituição de pessoa se dá depois de efetuado o pagamento da obrigação, quando um terceiro paga a dívida vencida no lugar do devedor, ficando, por isso, com os direitos do credor, a quem pagou. Confira-se pelo aresto seguinte: "Não pode o fiador cobrar do afiançado dívida de que é co-responsável, mas ainda não pagou. A subrogação opera-se só após o pagamento" (in RT 553/183).

Existem, ainda, outras características distintivas entre esses dois institutos que fazem com que um não se confunda com o outro; basta, para isso comparar a sub-rogação com a cessão de crédito, analisadas no capítulo 11.

O entendimento de ser um ato misto (um pouco de pagamento e um pouco de cessão de crédito), também não tem razão de ser, visto que no pagamento há a extinção da dívida, o que não ocorre na sub-rogação.

A corrente aceita pela maioria, tende a considerar a sub-rogação como uma verdadeira ficção jurídica, um instituto autônomo através do qual o crédito, com o pagamento, extingue-se em face do credor satisfeito, não do devedor, havendo apenas uma mudança subjetiva do sujeito ativo na relação obrigacional.

18. 4 Espécies de sub-rogação

Uma decisão: "Execução contra avalista. Pagamento total da dívida, custas processuais e honorários advocatícios. Possibilidade de cobrar do emitente, ante a sub-rogação legal, o montante desembolsado" (in RT 642/197).

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Portanto, tendo o avalista pago o débito, objeto de execução, sub-rogase no direito de cobrar do emitente da nota promissória, isto por força do art. 32 da Lei Uniforme de Genebra, que estabelece: "Se o dador de aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra a pessoa a favor de quem foi dado e contra os obrigados para com esta, em virtude da letra". Trata-se, pois, da sub-rogação legal, aquela que se opera por força de lei, independente do consentimento do devedor e da declaração expressa do credor. Quando a sub-rogação provém de uma convenção, de um acordo firmado pelo devedor e um terceiro, ela não é legal, mas sim convencional.

Há duas espécies de sub-rogação: 1) a que resulta da lei, operando de pleno direito, automaticamente; 2) a que resulta da vontade das partes, tendo como fonte, o contrato entre o terceiro e o credor ou entre o terceiro e o devedor. A primeira é conhecida como sub-rogação legal e a segunda, como sub-rogação convencional. "É legal e não convencional a sub-rogação da seguradora nos direitos e ações de seu segurado uma vez que aquela efetue o pagamento da dívida pela qual era ou podia ser obrigada, no todo ou em parte (art. 985, III, novo, art. 346) do CC)" - (in RT 541/260).

Clóvis Beviláqua, focalizando essas duas espécies, comenta: a legal, é a que a lei "estabelece, mas permite que a vontade das partes a dispense; e a convencional, que as partes concordam em criar".183

18. 5 Sub-rogação legal

Três são os casos de sub-rogação legal previstos pelo Código Civil segundo a dicção textual do seu artigo 346:

"A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor:

I - do credor que paga a dívida do devedor;

II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel;

III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte".

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18.5. 1 Do credor que paga a dívida do devedor comum

Este é o caso do devedor que possui mais de um credor, um deles com direito de receber antes do outro. Assim, suponhamos "A" e "B", credores de "C", sendo "A" portador de crédito preferencial. "B" é, portanto, credor quirografário184, ou seja, "B" receberá depois de "A", se sobrar crédito. Para que "B" não fique prejudicado, caso "A" pretenda cobrar, a lei permite que "B" pague ao credor preferente "A", sub-rogando-se em seus direitos e passando a ser credor preferencial.

18.5. 2 Do adquirente do imóvel hipotecado, que paga ao credor hipotecário185, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado do direito sobre o imóvel

"A" adquire um imóvel sobre o qual pesa mais de uma hipo-teca. Um dos credores hipotecários, em seguida, procura executar a...

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