Do neoliberalismo progressista a Trump - e além

AutorNancy Fraser
CargoProfessora Henry and Louise A. Loeb de Filosofia e de Política na New School for Social Research
Páginas43-64
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n40p43/
4343 – 64
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Do neoliberalismo
progressista a Trump – e além1
Nancy Fraser2
Resumo
Neste artigo, Nancy Fraser passa em revista a falência do modelo politicamente hegemônico de
uma aliança entre uma versão progressiva das políticas de reconhecimento e uma versão regres-
siva da política econômica, chamada por ela de neoliberalismo progressista. Frente à emergência
de uma versão hiperreacionária do neoliberalismo, simbolizada por Donald Trump, a autora
defende a ideia de uma versão progressista do populismo como ator contra-hegemônico no
atual contexto social.
Palavras-chave: Neoliberalismo; reconhecimento; hegemonia; populismo.
Introdução
Qualquer um que fale em “crise” hoje em dia corre o risco de ser re-
jeitado, tido como um falastrão, devido à banalização do termo, por meio
de discursos desarticulados e inndáveis. Mas há um sentido preciso em
que enfrentamos uma crise hoje. Se a caracterizarmos com precisão e iden-
ticarmos suas dinâmicas características, poderemos determinar melhor
o que é necessário para resolvê-la. Com base nisso, poderemos também
vislumbrar um caminho que leve para além do atual impasse – com o rea-
linhamento político para a transformação social.
À primeira vista, a crise atual parece ser política. Sua expressão mais es-
petacular está bem aqui, nos Estados Unidos: Donald Trump – sua eleição,
1 Texto originalmente publicado na American Affairs, v. 1, n. 4, p. 46-64, inverno de 2017. Tradução de Paulo S.
C. Neves.
2 Nancy Fraser é a Professora Henry and Louise A. Loeb de Filosofia e de Política na New School for Social
Research; recebeu o prêmio Alfred Schutz da American Philosophical Association e é doutora honoris causa
pela Universidad Nacional de Córdoba (Argentina).
Do neoliberalismo progressista a Trump – e além | Nancy Fraser
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sua presidência e a discórdia em torno dele. Mas não há escassez de casos
análogos alhures: o desastre do Brexit no Reino Unido; a declinante legiti-
midade da União Europeia e a desintegração dos partidos socialdemocra-
tas e de centro-direita que a promoveram; o sucesso crescente de partidos
racistas e anti-imigrantes em todo o norte e centro-leste da Europa; e o
aumento de forças autoritárias, algumas se classicando como protofacista,
na América Latina, Ásia e Pacíco. Nossa crise política, se é isso o que é,
não é apenas americana, mas global.
O que torna essa armação plausível é que, apesar de suas diferenças,
todos esses fenômenos compartilham uma característica comum. Todos
envolvem um enfraquecimento dramático, se não um evidente colapso
da autoridade das classes políticas estabelecidas e dos partidos políticos.
É como se massas de pessoas em todo o mundo pararam de acreditar no
reinante senso comum que sustentou a dominação política nas últimas
décadas. É como se tivessem perdido a conança na boa fé das elites e bus-
cavam novas ideologias, organizações, e liderança. Dada a escala da falha,
é improvável que isso seja uma coincidência. Vamos supor, portanto, que
enfrentamos uma crise política global.
Tão importante quanto possa parecer, isso é somente parte da história.
Os fenômenos apenas evocados aqui constituem a vertente especicamente
política de uma crise vasta e multifacetada, que também tem outras vertentes
– econômica, ecológica, e social – as quais, tomadas em conjunto, resultam
em uma crise geral. Longe de ser meramente setorial, a crise política não
pode ser entendida independente dos obstáculos aos quais ela está reagindo
em outras instituições ostensivamente não políticas. Nos Estados Unidos,
esses obstáculos incluem a metaestatização das nanças; a proliferação de
empregos precários no setor de serviços, como aqueles no McDonald’s; o
inchamento da dívida dos consumidores para permitir: a compra de pro-
dutos baratos produzidas alhures; o crescimento simultâneo das emissões
de carbono, de condições climáticas extremas e do negacionismo climático;
o encarceramento racializado em massa e a violência policial sistêmica; e o
crescimento do estresse na vida familiar e comunitária, graças, em parte, ao
prolongamento das horas de trabalho e à diminuição dos auxílios sociais.
Juntas, essas forças vinham esmagando nossa ordem social há algum tempo
sem produzir um terremoto político. Agora, no entanto, todas as apostas

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