Do juiz e dos auxiliares da justiça

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas167-213
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TÍTULO IV
DO JUIZ E DOS AUXILIARES DA JUSTIÇA
CAPÍTULO I
DOS PODERES, DOS DEVERES E DA RESPONSABILIDADE DO JUIZ
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
I — assegurar às partes igualdade de tratamento;
II — velar pela duração razoável do processo;
III — prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da justiça e indeferir
postulações meramente protelatórias;
IV — determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias
necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que
tenham por objeto prestação pecuniária;
V — promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de
conciliadores e mediadores judiciais;
VI — dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova,
adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela
do direito;
VII — exercer o poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial, além da
segurança interna dos fóruns e tribunais;
VIII — determinar, a qualquer tempo, o comparecimento pessoal das partes, para inquiri-
las sobre os fatos da causa, hipótese em que não incidirá a pena de confesso;
IX — determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros
vícios processuais;
X — quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério
Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se
11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva
respectiva.
Parágrafo único. A dilação de prazos prevista no inciso VI somente pode ser determinada
antes de encerrado o prazo regular.
curiae, em decorrência de não ter sido fundamenta-
da (CLT, art. 893, § 1º). A arguição de nulidade, aliás,
deverá abranger todos os atos processuais posterio-
res à sobredita decisão.
Devemos esclarecer que essas nossas considera-
ções são de caráter geral, pois a adequada solução
ao problema que apresentamos dependerá, essen-
cialmente, de quem tenha requerido a intervenção
do amicus curiae e de quem tenha cado vencido no
julgamento da causa, vale dizer, no mérito.
Embora admitamos a compatibilidade do art. 138
do CPC com o processo do trabalho, devemos pon-
derar que a presença do amicus curiae neste processo
não deverá ser amplamente admitida, pois — quei-
ramos, ou não — essa presença pode acarretar um
indesejável golpe na celeridade da prestação juris-
dicional, bastando argumentar, por exemplo, com
a legitimidade que a lei atribui ao amicus para ofe-
recer embargos de declaração e para recorrer da
decisão referente ao incidente de resolução de de-
mandas repetitivas. Por esse motivo, bem fariam os
magistrados do trabalho — designadamente, os de
primeiro grau de jurisdição — se abrissem mão da
regra do § 2º do art. 138, por forma a não conceder
ao amicus outros ”poderes”, além dos mencionados.
Comentário
Caput. A norma deixa claro que o juiz não poderá
dirigir o processo segundo a sua vontade, e sim, com
observância das disposições legais do CPC. Esse é
um imperativo do Estado Democrático de Direito ou
do Estado Constitucional. O magistrado é, por assim
dizer, o reitor soberano do processo. É evidente que
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as “disposições deste Código” não podem estar em
antagonismo com a Constituição da República.
O art. 139 do Código enumera, nos incisos que
serão a seguir examinados, os poderes e os deveres
do magistrado na condução do processo.
Inciso I. A determinação na norma processu-
al para que o juiz ministre às partes igualdade de
tratamento constitui emanação do princípio consti-
tucional de que todos são iguais perante a lei (CF,
art. 5º, caput). Muitos órgãos jurisdicionais italianos
costumam estampar em suas paredes ou pórticos
a inscrição: La legge è uguale per tui. Eventual tra-
tamento anti-igualitário, pelo magistrado, poderá
conduzir à nulidade do processo, com inevitável
desperdício de atividade jurisdicional e privada, e
desprestígio do Poder Judiciário.
A partir do momento — de extraordinária im-
portância histórica — em que o Estado proibiu os
indivíduos de realizar justiça por mãos próprias
(autotutela), não só assumiu o compromisso ético e
político de efetuar, de maneira rápida e satisfatória, a
entrega da prestação jurisdicional, como de ministrar
um tratamento rigorosamente igualitário às partes.
Em termos objetivos, estamos a dizer que um dos
deveres do magistrado consiste em tratar igualmen-
te os litigantes. Esse dever decorre da regra geral
inscrita no art. 5º, caput, da Constituição, segundo
a qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza. Essa regra de isonomia deve ser
acatada, portanto, não apenas pelo legislador, mas
pelo próprio magistrado.
A expressão: juiz imparcial soa a pleonasmo vicio-
so, pois não pode haver, institucionalmente, juízes
parciais.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem,
aprovada em Resolução da III Sessão Ordinária da
Assembleia Geral da ONU, em Paris, 1948, estabele-
ce, no art. 10, verbis:
Todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma
justa e pública audiência por parte de um tribunal in-
dependente e imparcial, para decidir os seus direitos
e deveres ou do fundamento de qualquer acusação cri-
minal contra ele.
A Convenção Americana sobre Direitos Huma-
nos (Pacto de São José da Costa Rica), integrante do
ordenamento jurídico brasileiro, em virtude do De-
creto n. 678, de 6-11-92, por seu turno, dispõe, no
art. 8.1:
Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas
garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz
ou tribunal competente, independente e imparcial, es-
tabelecido anteriormente por lei, na apuração formal de
qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para
que se determinem seus direitos ou obrigações de nature-
za civil, trabalhista, scal ou de qualquer outra natureza.
Seria, em verdade, intolerável a existência de
juízes parciais, iníquos, tendenciosos, pois isso co-
locaria sob grave risco não só a respeitabilidade dos
pronunciamentos jurisdicionais, mas a própria razão
de ser do Poder Judiciário. Sob esse ângulo, chega a
encerrar um certo vício pleonástico a expressão juiz
imparcial, como se pudessem existir, institucional-
mente, juízes parciais.
Quando se fala em imparcialidade judicial não se
está unicamente a asseverar que o juiz deve propi-
ciar iguais oportunidades às partes, e sim que, de
modo mais amplo, a ele incumbe subministrar um
tratamento isonômico aos litigantes em todas as fa-
ses do procedimento. A quebra, pelo magistrado, de
seu ontológico e indeclinável dever de neutralidade,
por traduzir uma forma de discriminação, poderá
ensejar a nulidade do processo.
Caberia indagar, a esta altura de nossa exposição,
se a prerrogativa que o Decreto-Lei n. 779/69 atri-
bui à União, ao Estado-membro, ao Distrito Federal,
ao Município e autarquias ou fundações de direito
público consistente no prazo em quádruplo para
contestar e em dobro para recorrer (art. 1º, incisos
II e III), além do reexame necessário das decisões que
lhe forem desfavoráveis (ibidem, V), não acarreta
transgressão da norma constitucional que diz da
igualdade de todos perante a lei. Certamente que
não. O que o art. 5º, caput, da Constituição proíbe é a
distinção lesiva entre iguais, e não entre pessoas que
se encontram vinculadas a situações ou a estados
naturalmente distintos. Sob este aspecto, compreen-
de-se que a nalidade do Decreto-Lei n. 779/69 não
foi estabelecer uma odiosa discriminação entre pes-
soas ou realizar um aviltamento da dignidade dos
particulares em geral, senão que dar preeminência
ao interesse público. Note-se que a própria Constitui-
ção, em diversos momentos, atribui supremacia ao
interesse público, em cotejo com o particular, como
quando, por exemplo, determina que a execução
por quantia certa contra a Fazenda Pública se realiza
mediante precatório (art. 100, caput), exceto no caso
de “pagamento de obrigações denidas em lei como
de pequeno valor” (ibidem, § 3º).
Por outras palavras: a igualdade não deve ser
estabelecida, de maneira exclusiva, sob o ponto de
vista formal, de tal modo que não se possa minis-
trar nenhum tratamento diferenciado às pessoas
em geral; essa igualdade deve ser determinada,
isto sim, segundo o aspecto real, vale dizer, só se
deve tratar com isonomia as pessoas substancial-
mente iguais.
Como ponderaram Cintra, Grinover e Dinamarco
na vigência do CPC de 1973: “Fazenda e Ministério
Público gozam da dilação de prazos prevista no
art. 188 do Código de Processo Civil: as partes não
litigam em igualdade de condições e o benefício de
prazo se justica, na medida necessária ao estabe-
lecimento da verdadeira isonomia. A Fazenda, em
virtude da complexidade dos serviços estatais e da
necessidade de formalidades burocráticas; o Mi-
nistério Público, por causa do desaparelhamento e
distância das fontes de informação e de provas. Ou-
tras prerrogativas, que se justicam pela idoneidade
nanceira e pelo interesse público, são a procras-
tinação do pagamento das despesas processuais
(dispensa de preparo) e a concessão da medida cau-
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telar independentemente de justicação prévia e de
caução (CPC, arts. 27, 511 e 816, inc. I)” (Teoria geral
do processo. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 56).
Conquanto essa opinião dos ilustres juristas tenha
sido manifestada na vigência do CPC revogado, a
sua atualidade é inegável.
Também não são transgressoras do art. 5º, caput,
da Constituição, as normas infraconstitucionais que
atribuem a uma das partes superioridade jurídica
para compensar a sua inferioridade econômica, a
sua hipossuciência. Essa é uma das características
do processo do trabalho, no qual é visível o seu sen-
tido protetivo do trabalhador. O art. 4º, inciso I, do
11.9.90), por sua vez, efetua verdadeira e notável de-
claração de princípio, ao reconhecer, expressamente, a
vulnerabilidade do consumidor no mercado de con-
sumo”, permitindo, em razão disso, dentre outras
coisas, que o juiz inverta o ônus da prova em benefí-
cio do consumidor, quando este for hipossuciente
(art. 6º, VIII). Destacamos.
A possibilidade, prevista no art. 113, § 1º, do
CPC, de o juiz, no litisconsórcio facultativo, reduzir
o número de litisconsortes, quando o número des-
tes, por ser elevado, puder dicultar a defesa (ou
comprometer a rápida solução do litígio), também
pode ser referida como uma providência legal des-
tinada a preservar a regra de igualdade, contida no
art. 5º, caput, da Constituição. É que esse número ex-
pressivo de pessoas situadas num dos polos (ativo)
da relação processual pode acarretar um desequilíbrio
técnico no processo, em prejuízo do réu. É bem ver-
dade que essa limitação subjetiva de litisconsortes
só pode ser efetuada nos regimes do tipo facultativo,
como deixa claro o próprio texto legal mencionado.
Pondo de lado essas situações extraordinárias,
devemos dizer que mesmo no processo de execu-
ção, onde o credor tem preeminência jurídica, e o
devedor, estado de sujeição, o juiz deve dispensar
um tratamento igualitário às partes. Por outro modo
de expressão: embora a execução se processe no in-
teresse do exequente (art. 797), essa particularidade
não autoriza o juiz a fazer tábua rasa do art. 5º, caput,
da Constituição Federal. A superioridade axiológica
(e ideológica) que o credor ostenta em face do deve-
dor é relevante, apenas, para revelar a nalidade do
processo de execução, e não para justicar um trata-
mento discriminatório do devedor, no que respeita
à prática de atos processuais destinados à promoção
da defesa dos seus legítimos interesses.
Inciso II. O inciso II do art. 125 do CPC revoga-
do aludia ao dever de “velar pela rápida solução do
litígio”. Essa expressão era menos ampla do que a
atual: “velar pela duração razoável do processo”.
Embora aquela demonstrasse, de maneira mais ní-
tida, o escopo da celeridade preconizada as suas
disposições estavam circunscritas à solução do litígio,
fato que se dá com a sentença de mérito; a segun-
da tem sentido mais amplo, porque determina a
duração razoável do processo, aqui compreendida,
por certo, a fase de cumprimento da sentença ou de
execução e a integral satisfação dos direitos reconhe-
cidos ao autor/credor. O art. 5º, inciso LXXVIII, da
Constituição Federal alude à “razoável duração do
processo”, com os meios “que garantam a celerida-
de de sua tramitação”, abarcando, assim, ambas as
expressões estampadas nas normas infraconstitucio-
nais referidas.
Promover a razoável duração do processo, com a
nalidade de assegurar a celeridade de sua tramitação
gura, portanto, um dos deveres constitucionais dos
magistrados.
Inciso III. Em menor extensão, a regra estava no
inciso II do art. 125 do CPC revogado.
O texto em exame expressa dois deveres do
magistrado: a) prevenir ou reprimir qualquer ato
contrário à dignidade do Poder Judiciário; b) indefe-
rir postulações meramente protelatórias. Em ambos
os casos há, por parte do litigante ou de terceiro,
transgressão ao conteúdo ético do processo, motivo
por que cumprirá ao juiz aplicar, ex ocio, as me-
didas e as sanções legalmente previstas, inclusive,
as pertinentes à litigância de má-fé (art. 80). O pa-
rágrafo único do art. 370 do CPC reitera o dever do
juiz no tocante ao indeferimento, mediante decisão
fundamentada, de diligências inúteis ou puramente
procrastinatórias.
Na hipótese de requerimentos “meramente prote-
latórios” o juiz deverá munir-se da cautela de vericar
se há, efetivamente, o objetivo de retardar o curso do
processo, sob pena de o indeferimento da postulação
da parte congurar violação à garantia constitucional
da ampla defesa e do devido processo legal.
Inciso IV. As ordens judicias devem ser cumpri-
das. Com vistas a isso, o legislador dotou o magistrado
de poderes para impor todas as medidas necessárias
— indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-roga-
tórias — ao cumprimento da ordem por este emitida,
inclusive nas ações cujo objeto seja uma prestação em
dinheiro (obrigação de pagar quantia certa).
Inciso V. Preceito dessa natureza estava no inciso
IV do art. 125 do CPC revogado, que aludia ao dever
do magistrado de “tentar, a qualquer tempo, conci-
liar as partes”.
Uma das características históricas do processo do
trabalho é a conciliação. Esta não deriva da vontade
do magistrado, mas da imposição da Lei (CLT,
art. 794), devendo ser proposta, quando menos, em
dois momentos processuais: após a abertura da au-
diência (CLT, art. 86, caput) e após as razões nais
(CLT, art. 850, caput, in ne), devendo ser tentada,
inclusive, na execução.
Em rigor, os vocábulos conciliação e transação
possuem signicados distintos na terminologia
processual. A conciliação signica a pacicação, a
harmonização dos espíritos, a concórdia; a transação
tem um sentido mais pragmático, traduzindo um

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