Do dolo

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas342-351

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23. 1 Conceito

Para perfeito entendimento do conceito de dolo, vejamos uma ilustração publicada pela Revista dos Tribunais, volume 394, página 150: Vendedor e comprador, mediante instrumento particular, avençaram a venda e compra de um imóvel. Por ocasião da lavratura da escritura definitiva, o comprador, com a participação de um delegado, amigo, convenceram o vendedor de que deveria receber o preço em jóias; particularmente, o delegado insistia nas vantagens do pagamento em forma de jóias, dizendo que estas valiam mais do que o dólar americano e que se tratava de um emprego de capital mais seguro.

Verificou-se, posteriormente, que as jóias valiam somente 1/3 do valor do preço pactuado em dinheiro. O vendedor era pessoa simples, residente em um sítio, e o comprador lhe havia sido apresentado pelo delegado.

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Pelo exposto, tiramos a seguinte conclusão:

  1. Houve um erro por parte do vendedor, pois se o sitiante soubesse da verdade, jamais teria aceito o pagamento pela forma de jóias;

  2. Esse erro foi provocado por intermédio de um processo imoral, posto em prática pela outra parte e um terceiro. Houve o emprego de artifício malicioso e premeditado, de modo a enganar o vendedor e persuadi-lo a efetuar o negócio;

  3. Do erro resultou benefício ao comprador.

Esses elementos juntos servem para fornecer o conceito de dolo civil, que é o emprego de um artifício ou ardil malicioso, destinado a induzir alguém à prática de um erro que o prejudique, em benefício do autor do dolo ou de terceiro. Confira-se pela lição de Clóvis Beviláqua: "Dolo é o artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à pratica de um ato jurídico, que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro"252.

Simplificando, podemos concluir que o dolo civil nada mais é do que um erro provocado por intermédio de malícia ou ardil, visando ao benefício de alguém. Esse alguém ou é o autor do dolo ou terceiro. "Não integra a noção de dolo - observa Sílvio Venosa - o prejuízo que possa ter o declarante, porém, geralmente, ele existe, daí por que a ação de anulação do ato jurídico, via de regra, é acompanhada do pedido de indenização de perdas e danos".253E continua: "A prática do dolo é um ato ilícito, nos termos do art. 186 (antigo art. 159) do Código Civil".254

O dolo civil afeta a validade dos atos entre vivos, já que se caracteriza pelo emprego de artifícios ou artimanhas que incidem sobre a vontade de alguém, para a obtenção da realização de um negócio jurídico.

Assim aconteceu no fato acima narrado. O recebimento do preço em jóias foi resultante do erro criado no espírito do sitiante, pessoa simples e que confiou na palavra de um delegado. Ludibriado, teve um procedimento diverso daquele que realmente teria se conhecesse a realidade da situação.

O nosso Código Civil, considerando os aspectos variados e imprevisíveis da malícia humana, não definiu o dolo civil, deixando à doutrina a missão de conceituá-lo.

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De fato, o emprego de artifício malicioso, de modo a enganar alguém ou manter esse alguém em engano para prejudicá-lo, dando proveito ao enganador, pode assumir as mais variadas formas. Medite no caso de contrato de seguro de vida, onde o proponente omite a existência de um tumor maligno e pouco meses após vem a falecer. Trata-se de emprego premeditado de artifício malicioso por omissão em que houve a intenção de prejudicar a seguradora e de beneficiar os sucessores. Omitiu a informação a fim de incutir à outra parte uma falsa idéia.

Portanto, o emprego de artifício malicioso pode ser por meio de ação ou omissão. A doutrina chega a enfatizar que a noção de dolo é imprecisa e elástica.

23. 2 Distinção entre dolo e erro

O reconhecimento do dolo exige uma série de condições, como o uso de artifícios graves, induzentes à contratação com a vítima, enganada ou mantida em erro, o que não acontece em relação ao erro. Neste não há o induzimento, a vítima se engana sozinha quanto à natureza do ato, ou quanto às qualidades essenciais do objeto (CC, art. 139).

Concluindo, tem-se que o que marca o erro é ser ele espontâneo, ou seja, o autor da declaração a emitiu baseado em um engano da realidade, pois se fosse do seu conhecimento, não teria manifestado da maneira como o fez. Já o dolo é marcado pelo induzimento, pelo emprego de manobras artificiosas, levando a vítima ao engano provocado pelo comportamento malicioso (por ação ou omissão) do outro contratante, ou de terceiro. Em outras palavras, no dolo o agente é enganado, já no erro o agente engana-se sozinho.

Vale, a respeito, ter presente as palavras de José Abreu Filho, sobre a distinção: "O erro, como registramos, é espontâneo, provém de quem o comete, é fruto de uma visão deturpada, brota e se consuma por meio de seu autor, que tem uma idéia divorciada da realidade, sendo certo que, se não fosse a visão enganosa da pessoa ou do objeto, não consumaria o ato ou o negócio; o dolo, ao contrário, se origina de influências exteriores, deliberadamente produzidas por outrem, com o propósito de enganar determinada pessoa, utilizando-se seu autor de manobras, artifícios, maquinações e ardis, capazes de levar a vítima à prática de um erro, que é intencionalmente provocado, com o propósito de prejudicá-la, sendo também evidente que o negócio não se

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consumaria se não fosse o animus decipiendi.255 O dolo, para que propicie a anulação do negócio, há que ser praticado por uma das partes com a intenção de lesar a outra".256

A propósito, digna de menção é a observação do Prof. Sílvio Venosa, que assim se manifestou: "Na prática, verificamos que a mera alegação de erro é suficiente para anular o negócio. Sucede, no entanto, que a prova do erro é custosa, por ter de adentrar-se no espírito do declarante. Daí por que preferem as partes alegar o dolo e demonstrar o artifício ardiloso da outra parte, menos difícil de se evidenciar".257

23. 3 Dolo...

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