Do direito à vida: da concepção à constituição

AutorAndré L. Costa-Corrêa
Páginas267-305
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DO DIREITO À VIDA: DA CONCEPÇÃO À
CONSTITUIÇÃO
André L. Costa-Corrêa1
Sumário: Introdução – 2. Questões preliminares sobre o aborto – 3. O direito à
1. Introdução
A União dos Juristas Católicos de São Paulo promove
mais uma obra de fundamental importância para a discussão
de questões primordiais para a comunidade católica, para a so-
ciedade e para o sistema jurídico nacional; uma vez que o pre-
sente estudo visa a abordar múltiplas questões relacionadas
1. Professor, conferencista e consultor em direito público. Coordenador e professor
do Núcleo de Direito Tributário da Escola de Direito do Instituto Internacional de
Ciências Sociais (IICS). Professor e Pró-Reitor de graduação do UNICIESA (AM).
Diretor e Professor da Faculdade da Amazônia Ocidental (FAAO). Professor e pes-
quisador visitante na Brooklyn Law School e do Centro Didático Euroamericano
sulle Politiche Constituzionali (CEDEUAM) da Università del Salento. Mestre e
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP e pelo CEU. Membro da Academia
Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) – cadeira 26. Membro da União dos Juristas
Católicos de São Paulo e da International Fiscal Association e da Associação Brasi-
leira de Direito Financeiro. Membro do Conselho Superior de Direito da FECO-
MERCIO. Membro do Núcleo de Estudos Estratégicos em Tributação (NEET).
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UJUCASP
com a família no sistema constitucional brasileiro. Para tanto,
a comissão organizadora desta obra propôs os seguintes ques-
tionamentos aos autores convidados:
(a) A monogamia continua sendo princípio estruturante da enti-
dade familiar formada pelo casamento e pela união estável, ou a
poligamia, chamada de “poliamor”, estaria abrigada pelo princí-
pio constitucional da proteção à dignidade da pessoa humana?
(b) O princípio da afetividade tem apoio constitucional? O afeto
é sentimento ou valor jurídico?
(c) Com o devido respeito aos homossexuais, e aos ínclitos Minis-
tros da Suprema Corte, os constituintes no art. 226 cuidaram do
casamento entre pares do mesmo sexo ou apenas entre homem
e mulher? Poderiam os guardiões da Constituição transforma-
rem-se em Constituintes derivados? Como o Conselho Constitu-
cional da França enfrentou o mesmo problema, ao negar-se em
tornar legislador no lugar da Assembleia Nacional?
(d) A inviolabilidade do direito à vida (art. 5º da CF) é compatí-
vel com o direito de transformar-se a vida humana embrionária
em lixo hospitalar pelo aborto? Como compatibilizar o art. 2º do
Código Civil que assegura os direitos do nascituro desde a con-
cepção com o homicídio uterino?
(e) Como interpretar o caput do art. 226 que declara ser a família
a base da sociedade e o Estado tudo fará para protegê-la?
(f) A multiparentalidade (dois pais, duas mães, oito avós) viola
o princípio constitucional do melhor interesse das crianças e
adolescentes? O procedimento administrativo de registro civil
da multiparentalidade, regulado pelo CNJ, é inconstitucional? A
procriação assistida pode ser regulada exclusivamente por nor-
mas de deontologia (CFM) e por órgão de controle e fiscalização
das atividades cartorárias (CNJ)?
Devido à extensão dos temas propostos e ao prazo des-
tinado aos autores para responder às questões propostas
pela Comissão organizadora do estudo, a presente reflexão
abordará apenas e tão somente a questão da alínea “d” su-
pra. Os demais questionamentos deverão ser tratados por
outros autores desta obra. Tal escolha por parte deste autor
evidencia apenas a própria incapacidade em responder de
forma objetiva ou célere as questões propostas pela Comissão
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UJUCASP
Organizadora, bem como uma escolha pessoal sobre tema tão
importante.
A vida e o aborto podem ser analisados sob múltiplas vi-
sões. Podendo, assim, serem estudados sob uma ótica médica,
social, filosófica, religiosa, ética, moral e, dentre outras, jurí-
dica. Por vezes, a definição e os marcos temporais do que seja
vida podem ser comuns em mais de um campo de observação,
bem como podem ser comuns em subcampos dessas. Em ou-
tras vezes, distintos e até mesmo contraditórios. Ambos são,
portanto, conceitos complexos.
Em face dessa compreensão, o presente estudo analisa-
rá o aborto apenas sob o ângulo jurídico – em especial, como
nosso sistema jurídico regula a questão. Não se discutirá, por-
tanto, qual o marco possível da formação da vida2-3 e qual o
impacto dessa questão para a fixação de um marco legal de
proteção do embrião (feto), porque se adotará como pressu-
posto que a partir da efetiva fecundação do óvulo já há um
2. Em especial, não há como identificar apenas e tão somente um marco temporal
para o início da vida porque o avanço da ciência médica ou a compreensão religiosa
possibilitam identificar múltiplos marcos possíveis. Por vezes, o avanço das técni-
cas e exames médico-biológicos possibilita a identificação de condições biológicas
que anteriormente não eram compreendidas como identificadoras da vida, bem
como possibilitam rever certezas relativas de quando não há vida. Além disso, no-
vas compreensões teológicas sob conceitos ou dogmas religiosos possibilita a muta-
ção da compreensão da vida.
Assim, pode-se afirmar que o início da vida se dá na fecundação do óvulo pelo es-
permatozoide, na ligação do feto à parede do útero (nidação), na formação de carac-
terísticas individuais do feto, da formação do tubo neural, no momento da percep-
ção pela mãe dos movimentos do feto, na viabilidade em termos de persistência da
gravidez e, dentre outros possíveis, no nascimento. Quaisquer dessas possibilida-
des é viável para seus adeptos como marco para início da vida e inviável para se
determinar o início da vida para todos os demais.
Porém, é possível se afirmar que biologicamente se conceitua como vida a existên-
cia de um organismo com metabolismo próprio.
3. Se a inexistência de atividade cerebral indica a existência de morte, pode-se afir-
mar que, no caso do ser humano, a formação do tubo neural é o indicativo de ativi-
dade cerebral porque aquele é o início do processo de formação do cérebro. E, por-
tanto, marco biológico para a identificação jurídica do que seja vida. Ressalte-se
que o surgimento do tronco neural se dá a partir do 21º dia da concepção – poden-
do-se mencionar que na etapa anterior desse marco temporal se verifica apenas a
existência de um “pré-embrião”.

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