Do Direito Partidário

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas493-519

Page 493

1 Noções

Atribuí a este tema o nome de “Direito Partidário”, o que pode chocar os mais formalistas, por estar sendo criado mais um ramo do direito. Assim faço porque, como se tem visto, a questão partidária se tornou complexa, no Brasil, com uma variedade exagerada de partidos políticos, alguns realmente defendendo ideologia, outros servindo apenas como pretexto para a fama na televisão ou para servir de plataforma eleitoral, por não se admitirem candidaturas avulsas.

Quem pretende disputar eleição e lhe falta espaço dentro do partido ao qual pertence, por ter, por exemplo, preferido outro candidato, pode “criar” o seu próprio partido, dadas as facilidades previstas em lei. Exemplo claro de partido criado apenas para abrigar um interessado em disputar eleição, que não encontrou espaço dentro de sua legenda, ou de outra, foi o do ex-presidente Fernando Collor de Mello, que fundou o Partido da Reconstrução Nacional (PRN) e por ele se elegeu presidente da República em 1989. Pela mesma sorte que teve o ex-presidente, o partido caminhou para a inatividade.

Há também os casos de políticos fortes e experientes que, olhando para o seu próprio futuro, mudam de legenda sob o argumento de que o novo partido segue ideologia igual à sua, quando na verdade passou a maior parte da vida defendendo ideia justamente contrária. Foi o caso do senador José Sarney, então presidente do extinto Partido da Social Democracia (PDS), que se mudou para o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), adversário direto, pelo qual acabou se elegendo presidente da República.

Este capítulo pretende cuidar das principais regras acerca dos partidos políticos previstas na atualizada Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que revogou a antiga Lei Orgânica nº 5.682, de 21 de julho de 1971. A lei atual será denominada, neste livro, de Lei dos Partidos Políticos ou Lei Partidária, para se evitar a repetição de seu número.

2 Partido político
2. 1 Noções

Partido político é, na lição de Georges Burdeau, qualquer agrupamento de indivíduos que, professando as mesmas ideias políticas, esforçam-se para fazê-las prevalecer a um tempo, a ele reunindo o maior número possível de pessoas e buscando conquistar o poder, ou, pelo menos, influenciar suas decisões. “Partido político é o vocábulo indicado para designar a organização que tem por finalidade agregar ou arregimentar elementos para a

Page 494

defesa de programas e princípios políticos, notadamente para sufragar os nomes de seus membros aos cargos eletivos569. Partido político é a organização de parte do povo segundo os mesmos ideais e objetivos no interesse e para assegurar o regime democrático.

2. 2 Natureza jurídica

Constava do art. 2º da antiga lei orgânica dos partidos políticos570serem pessoas jurídicas de direito público. A pessoa jurídica pode ser de direito público ou privado. Se pública, adquire personalidade com a simples entrada em vigor da lei de criação, pois é regra que só pode ser criada por lei, como é o caso de autarquia571; se privada, adquire personalidade com o registro no órgão competente572. Partido político não é criado por lei, por ser mero agrupamento de pessoas privadas com ideias em comum. Constitui-se por estatuto registrado segundo a lei civil no cartório de registro das pessoas jurídicas, para só então adquirir existência legal. A par disso, o art. 17, § 2º, da Constituição Federal, dispõe: “Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior eleitoral”. De igual teor é o art. 7º da Lei dos Partidos Políticos, e mais claro ainda o art. 1º da mesma lei:

Art. 7º O partido político, após adquirir personalidade jurídica na forma da lei civil, registra seu estatuto no Tribunal Superior Eleitoral.
----Art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.

Trata-se de regra de meridiana clareza que exige duplicidade de registros do partido:
a) um para a existência legal, junto ao cartório de registro das pessoas jurídicas; b) outro, depois, para fins políticos, junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Obviamente, esse último, para fins políticos, é absolutamente dispensável do ponto de vista civil, só necessária para a regularidade eleitoral. Por tudo, conclui-se ser o partido político pessoa jurídica de direito privado inclusive por não defender interesse público, nem prestar serviço de natureza pública, embora agasalhe sob seus estatutos grande número de pessoas.

3 Criação e extinção de partidos
3. 1 Noções

É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, desde que se resguardem a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. Ademais, o partido deve ter caráter nacional e não pode

Page 495

receber recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros e nem se subordinar a eles, além se ser obrigado a prestar contas à Justiça Eleitoral e ter o funcionamento parlamentar pautado de acordo com a lei. Cuidam-se, portanto, de formas de criação e extinção de partidos. A criação pode ser originária ou derivada, e desta decorrer automaticamente a extinção.

3. 2 Criação originária

Diz-se criação originária quando o partido nasce de posições ideológicas de um grupo de pessoas sem ter como pano de fundo outro partido. Por outras palavras, o novo partido não deriva de fusão nem de incorporação de outros partidos.

3. 3 Criação derivada
3.3. 1 Noções

Diz-se criação de modo derivado quando o partido nasce a partir de outro, podendo conservar o nome do antecessor ou adotar nova denominação. As hipóteses de criação derivada são a fusão e a incorporação. Em qualquer caso só ficará um partido. Seja de modo originário ou derivado, é livre a criação do partido político, devendo registrar o estatuto no Tribunal Superior Eleitoral depois de adquirir personalidade jurídica.

3.3. 2 Fusão

Ocorre fusão quando um partido se une a outro, formando um só corpo. Com a fusão os dois ou mais partidos fundidos se extinguem e formam um terceiro. A fusão deve ser autorizada pelos órgãos nacionais dos partidos envolvidos, e é necessário observar as seguintes regras: a) cabe aos órgãos de direção de ambos os partidos elaborar projetos comuns de estatuto e programa (art. 29, § 1º, I); b) os projetos serão votados pelos órgãos nacionais de deliberação de ambos os partidos, em reunião conjunta, por maioria absoluta (art. 29, § 1º, II); c) os mesmos órgãos nacionais, pelo mesmo quorum, devem eleger o órgão de direção nacional do novo partido, ao qual compete promover o registro do estatuto e do programa no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas da Capital Federal, fazendo acompanhar o requerimento das atas das decisões (art. 29, § 1º, II e § 4º).

Por órgão de direção do partido se deve entender a Convenção Nacional, considerado em todos os estatutos como órgão supremo do partido. Por exemplo, segundo o Estatuto do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), compete à Convenção Nacional decidir sobre a dissolução ou extinção do partido, sua fusão ou incorporação, e, nesse caso, sobre o destino do patrimônio: “Art. 58 A Convenção Nacional, órgão supremo do Partido, tem, entre outras conferidas por este Estatuto ou em lei, as seguintes atribuições: (...). IX - decidir sobre a dissolução ou extinção do Partido, sua fusão ou incorporação, e neste caso, sobre o destino do patrimônio;”. No mesmo sentido dispõe Estatuto do Partido do Movimento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT