Do depósito

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23. 1 Considerações introdutórias

O TJSP decidiu certa vez que "o contrato de custódia de ações ou valores mobiliários, inclui-se entre os de depósito regular" (in RT 481/80). Realmente, quando uma pessoa encarrega, por escrito, uma outra, de guardar uma coisa móvel corpórea, com segurança, faz surgir o contrato de depósito. O fim precípuo do depósito é a guarda da coisa móvel corpórea; não a transferência da propriedade nem o uso da coisa.

O nosso Código Civil define o depósito no seu art. 627 da seguinte maneira, in verbis: "Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame". Portanto, a guarda é feita até o momento em que o depositante reclame o objeto depositado e, por isso, é um contrato temporário, por ser da sua essência a obrigação de restituir a coisa depositada.

Aquele que entrega a coisa chama-se depositante e o que a recebe, depositário.

O Código Civil regula o depósito nos arts. 627 a 652. Veremos mais adiante que existem duas espécies de depósito: o voluntário e o necessário, que serão estudados separadamente, porque só o depósito voluntário é contrato. Por isso, o Código

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Civil aborda o depósito voluntário nos arts. 627 a 646 e, nos arts. 647 a 652, o depósito necessário. Há, ainda, o depósito judicial que é assunto do Direito Processual Civil.

23. 2 Traços característicos do contrato de depósito

Por vontade das partes, o depositário recebe a coisa móvel para guardar, ficando, porém, com a obrigação de a restituir quando o depositante lhe pedir. Portanto, o objeto do contrato de depósito só pode consistir em coisas móveis, corpóreas, enfim, um bem suscetível de ser guardado e de ser restituído. Por exemplo, os títulos de crédito ou as ações pertencentes a um acionista estão na categoria das coisas corpóreas que podem ser objeto de contrato de depósito, o que não acontece com as coisas incorpóreas229, já que não têm consistência e não podem ser manipuladas.

Por outro lado, a finalidade específica do depósito não é a trans-ferência da propriedade nem o uso da coisa, mas sim a sua guarda. Eis aí a principal característica do contrato de depósito: uma pessoa recebe o bem, com o fim precípuo de guardá-lo, e o faz em nome do depositante.

Outra característica do contrato de depósito é a devolução da coisa quando reclamada. Se o depositário se negar a devolver a coisa em depósito, será compelido a fazê-lo mediante prisão, não excedente de um ano, sujeitando-se, ainda, a ressarcir os prejuízos que, por acaso, venha a sofrer o depositante. É o que se extrai da dicção textual do art. 652 do CC, in verbis:

"Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos".

À guisa de exemplo, colhe-se a seguinte decisão: "A equiparação do devedor fiduciário ao depositário infiel não afronta a Carta Constitucional, assim sendo, é legítima a prisão civil do devedor fiduciante que descumpre, sem justificação, ordem judicial para entregar a coisa ou o seu equivalente em dinheiro" (in RT 733/254).

De outra feita, o depositário poderá ter motivos legais para não entregar o objeto em depósito. Para tanto, utilizemos de uma decisão esclarecedora: "Na alienação fiduciária é admitida a prisão civil do devedor que se negar a restituir o bem objeto

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do contrato; porém, a comprovação de que o veículo alienado fiduciariamente foi furtado afasta a responsabilidade do alienante como depositário infiel, não haven-do como subsistir contra ele ameaça de segregação, podendo, porém, o credor demandar o pagamento que lhe é devido pelas vias adequadas" (in RT 756/151).

23. 3 Classificação

O depósito é um contrato real, unilateral e gratuito.

  1. Contrato real - só se aperfeiçoa com a entrega da coisa, isto é, exige-se para a sua realização, que seja entregue a coisa, objeto do contrato. Assim, o depósito só se torna contrato perfeito e acabado, com a entrega da coisa;

b) Contrato unilateral - gera obrigações somente para o depositário, sendo que a principal é a guarda e conservação do bem com todo o cuidado e diligência;

c) Contrato gratuito - é gratuito por excelência, mas nada impede que seja oneroso quando as partes estipularem que o depositário seja gratificado. Analise o conteúdo do art. 628 do CC: "O contrato de depósito é gratuito, exceto se houver convenção em contrário, se resultante de atividade negocial ou se o depositário o praticar por profissão". Quando isto acontece, ele passa a ser bilateral, gerando obrigações também para o depositante.

23. 4 Espécies de depósito

O depósito pode ocorrer por vontade das partes e aí estamos diante do contrato de depósito ou depósito voluntário. Pode ocorrer por força de lei, (por exemplo, o art. 649 do CC prevê a situação do depósito de bagagem, na relação entre hóspede e hoteleiro); por força de situação fática ou depósito necessário (por exemplo, situação de depósito surgida por ocasião de alguma calamidade como incêndio, inundação, naufrágio ou saque).

Além dessas espécies, há ainda o depósito judicial, realizado por decisão do juiz, como acontece, por exemplo, na penhora, em que é exigido o depósito de um bem, em face da execução contra devedor solvente. Nessas condições, o juiz autoriza a penhora sobre os bens do devedor, e o oficial de justiça apenas lavra o auto de penhora e de depósito com a nomeação do depositário (CPC, art. 664). Com essa lavratura, transferem-se a guarda e a conservação das coisas sob penhora ao depositário. De qualquer maneira, nem o judicial, nem o necessário são contratos.

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O depósito judicial, por pertencer à esfera do direito processual civil, não será objeto de estudo neste capítulo. Analisaremos aqui, separadamente, apenas o depósito voluntário e o depósito necessário.

23. 5 Depósito voluntário ou convencional

"O contrato de depósito voluntário, por disposição da lei material, terá forma escrita (art. 646 do CC), podendo revestir a forma particular, independentemente do valor ou da natureza da coisa, não podendo a prova do contrato, por isso mesmo, ser exclusivamente testemunhal, sob invocação do art. 401 do CPC. A busca e apreensão aparelhada em contrato de depósito voluntário é imprescindível à prova escrita do contrato, sob pena de impossibilidade jurídica do pedido" (in RT 798/396).

A lei prevê forma especial para o surgimento do depósito voluntário. É o artigo 646 do CC que assim dispõe, verbis: "O depósito voluntário provar-se-á por escrito". Portanto, o depósito convencional ou voluntário não possui forma livre, mas pode ser feito tanto por instrumento particular como público, não importando o valor ou a natureza da coisa, objeto do depósito.

O que é importante anotar é que o depósito voluntário é um contrato pelo qual uma pessoa (depositante), confia a outra (depositário) a guarda do objeto móvel corpóreo, obrigando-se este a restituí-lo, quando reclamado.

O depósito voluntário, por sua vez, pode ser regular ou irregular. Regular é o depósito em que o depositário assume a obrigação de restituir a mesma coisa que lhe foi entregue; irregular é o depósito de coisas fungíveis, obrigando-se o depositário a devolver coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Por conseguinte, as coisas fungíveis podem ser objeto do depósito. A propósito, registre-se a seguinte decisão: "Os bens fungíveis dados em garantia de penhor mercantil podem ser restituídos através da ação de depósito se caracterizada a infidelidade do depositário, aplicando-se, supletivamente, os princípios do contrato de mútuo, sem prejuízos das peculiaridades e obrigações do contrato de depósito, nos termos do art. 1.280 (novo, art. 645) do CC" (in RT 757/295).

Vejamos esses dois tipos separadamente.

23. 6 Depósito regular

O que caracteriza o depósito regular é a obrigação contratual assumida pelo depositário em devolver, por ocasião do vencimento do prazo, ou quando o depositante

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reclamar, a própria coisa...

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