Do cumprimento da sentença

AutorCalil Simão
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (PT). Mestre em Direito
Páginas837-854

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84 Considerações gerais

A forma do cumprimento da sentença nas ações de improbidade administrativa encontra-se regulada pelos arts. 18 e 20 da Lei nº 8.429/92:

Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.

Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Julgada procedente a ação, algumas sanções poderão ser exigidas desde logo e outras necessitarão, para produzir os seus efeitos, da autoridade da coisa julgada.

As exequentes ab initio, segundo a LIA, desde que o recurso não mantenha a sua ineficácia executiva, são1396: 1) ressarcimento integral do dano; 2) perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; 3) multa civil; e 4) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios, ou incentivos fiscais ou creditícios.

Mesmo que não prevista pela legislação processual ao recurso, o efeito denominado suspensivo, a eficácia executiva de algumas sanções fica dependendo da presença da autoridade da coisa julgada (LIA, art. 20). Vimos que, embora a LIA condicione apenas a eficácia executiva da decisão de suspensão dos direitos políticos e perda da função pública, em razão do princípio constitucional da presunção de inocência, devemos estender essa ineficácia a todas as sanções punitivas (supra, nº 58).

Dispositivos como o art. 20 da LIA e arts. 41, § 1º; 95, I; e 128, I, “a”, da CF, não atribuem efeito suspensivo ao recurso. Eles, na verdade, impedem o início da eficácia executiva da decisão enquanto ausente a autoriadade da coisa julgada.

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Assim sendo, mesmo os atos não considerados recursos propriamente ditos, como embargos de declaração e agravo regimental ou interno13971398, pelo simples fato de evitarem a presença da coisa julgada, impedem a execução provisória do decisório.

As atividades satisfativas ocorrem no mesmo processo e não em processo autônomo. Para o cumprimento da decisão, o juiz poderá valer-se de técnicas coercitivas (astreinte) ou sub-rogatórias (busca e apreensão, p. ex.).

O juízo competente é aquele que processou a causa no primeiro grau de jurisdição (CPC, art. 516, II)1399. Dependendo da natureza da obrigação reconhecida o magistrado determinará o pagamento ou a reversão dos bens em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito (LIA, art. 18).

As obrigações reconhecidas como decorrentes de condutas ímprobas serão satisfeitas mediante as regras previstas pelo Código de Processo Civil, sendo inaplicável a Lei de Execução Fiscal. Isso porque os privilégios da Lei nº 6.830/80 só se aplicam às dívidas ativas não tributárias previstas em lei, contrato ou regulamento1400; consequentemente, somos levados a entender que o crédito da Fazenda Pública decorrente de ato de improbidade administrativa não possui privilégio especial. Não se aplica o § 4º do art. 4º da Lei nº 6.830/80 – que prescreve a incidência do disposto nos arts. 186 e 188 a 192 do CTN – à dívida ativa da Fazenda Pública de natureza não tributária.

Essa conclusão decorre da interpretação dos §§ 2º e 5º do art. 2º da LEF. Desse modo, a dívida ativa da Fazenda Pública de natureza não tributária que possui privilégio legal e legitima a Execução Fiscal são aquelas previstas em lei ou em contrato típico (supra, nº 78.6): “Afora os créditos tributários, somente aqueles de origem não-tributária previstos em lei, contrato ou regulamento podem ser, diretamente, inscritos em Dívida Ativa”1401.

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Nessa linha de entendimento, o crédito fazendário definido como não tributário para fins de Execução Fiscal, e que possui privilégio legal, é aquele inscrito “no setor administrativo competente, após apuração na forma prevista na legislação de regência; decorre do exercício do poder de império, exercido na modalidade do poder de polícia, e da atividade legalmente conferida à autoridade de Direito Público”1402.

Após esses esclarecimentos necessários, passaremos à análise de cada situação.

85 Do cumprimento da sanção de perda de bens ou valores

Tratando-se de sanção de perda de bens ou valores, a demanda busca tutela específica: entrega de coisa determinada. Nesse caso o juiz fixará o prazo para o cumprimento da obrigação (CPC, art. 498) e, caso entenda prudente, pode impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor (CPC, arts. 500). Poderá até mesmo determinar, se necessário, requisição de força policial ou remoção de pessoas (CPC, 536, § 1º c/c art. 538, § 3º).

O art. 18 da LIA também reforça o limite da atividade jurisdicional no sentido de que a sanção de perda de bens só poderá ser decretada sobre o acréscimo patrimonial ilícito. Daí a necessidade de a decisão individualizar qual foi o acréscimo, porque os bens que foram legalmente adquiridos encontram-se imunes a ela.

Do art. 538 do CPC também se depreende que o decreto de reversão é expedido independentemente de requerimento (ex officio). Na hipótese de obstrução da materialização da decisão, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.

A Lei de Improbidade Administrativa emprega a palavra reversão (LIA, art. 18). A expressão vem do latim reversio, que significa volta, regresso ou retorno ao antigo dono. Consoante vimos, o objeto da perda de bens nunca foi de propriedade do ente público ou da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito, razão pela qual melhor falar em transferência.

Estamos diante de uma técnica de cumprimento de sentença, ou, como alguns preferem, de um instrumento de efetividade. Em regra, na reversão, os bens retornam livres e isentos de encargos ou ônus. Não é o que ocorre em tela.

O magistrado expedirá mandado judicial contendo: a) qualificação do titular da propriedade ou domínio; b) descrição do bem e número da matrícula; c) ordem de transferência para a pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito (infra, nº 88).

Tratando-se de bem móvel registrado (p. ex.: carro ou moto), será expedido mandado judicial ao órgão de registro com informações identificadoras do bem e ordem de transferência de domínio (CTB, art. 120)1403.

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Para os demais bens móveis não registráveis, não sendo eles depositados em juízo, será, apenas, expedido mandado de busca e apreensão, servindo a sentença como título de domínio.

A execução da pena, em face dos sucessores, é condicionada à prévia condenação do agente infrator. A sua morte há de ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Isso porque é impossível impor sanção punitiva aos sucessores. A regra da transmissibilidade deve ser interpretada conjuntamente com o princípio da culpabilidade. Somente é possível a extensão de uma decisão de perdimento de bens (busca dos bens ilícitos), se proferida em desfavor do próprio agente ímprobo (supra, nº 54).

86 Do cumprimento da sanção de ressarcimento do dano

- Ressarcimento pelo equivalente monetário ou por quantia1404O cumprimento da decisão dependerá do fato de a sentença trazer uma obrigação líquida ou ilíquida1405. Se ilíquida, não estamos diante de uma sentença completa, pois lhe falta eficácia executiva. Existe um título que legitima o procedimento de liquidação (CPC, art. 509 e ss.), mas não legitima as atividades satisfativas por não trazer o quantum debeatur. O cumprimento definitivo ou provisório se processará de igual forma, observadas, neste último caso, algumas peculiaridades próprias dessa situação14061407.

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Se a liquidação esclarecer o quanto devido, ou se a própria sentença o fizer, deverá o magistrado determinar, a requerimento do interessado, no prazo de 15 (quinze) dias, que o condenado deposite o valor em juízo (CPC, art. 523), sob pena de ser acrescida multa no percentual de 10% (dez por cento) e, ainda, não sendo efetuado tempestivamente o pagamento voluntário expedir-se-á, independente de novo requerimento, mandado de penhora e avaliação (CPC, art. 523, § 3º). Esse prazo somente começa a fluir quando a obrigação fixada for líquida (ou após liquidação), bem como não recair condição suspensiva sobre a decisão.

Ao contrário do regime anterior, o atual prevê que o cumprimento de sentença depende de expressa requisição do interessado, o exequente, e ainda, a legislação lhe impõe o preenchimento de requisitos formais para esse pedido. O requerimento deverá ser instruído com demonstrativo discriminado e atualizado do crédito, devendo a petição conter (CPC, art. 534): I – identificação do exequente e do executado (qualificação completa com CPF); II - o índice de correção monetária adotado; III - os juros aplicados e as respectivas taxas; IV - o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados; V - a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso; VI - especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados; VII - indicação dos bens passíveis de penhora, sempre que possível.

Não sendo cumprida a decisão voluntariamente, conforme registrado, além do acréscimo de multa e honorários advocatícios (CPC, art. 523, § 1º)1408, será expedido, desde logo, mandado de penhora e avaliação, seguindo-se os atos de expropriação (CPC, art. 523, § 3º). Não há oitiva do executado sobre os bens a serem penhorados, apenas dispondo de impugnação para...

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