Do Controle da Constitucionalidade no Brasil

AutorAri Ferreira de Queiroz
Ocupação do AutorDoutor em Direito Constitucional
Páginas257-314

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1 Peculiaridades do sistema brasileiro

Antes de avançar ao mérito do problema, algumas questões se apresentam e devem ser esclarecidas, porquanto o sistema federativo brasileiro reconhece a figura do município como unidade autônoma, instituindo um federalismo trialista, em lugar do tradicional dualismo, com três níveis de governos – federal, estadual e municipal –, o que importa dizer que temos leis federais, estaduais e municipais.

Agravando o problema, os Estados regem-se por suas próprias constituições, e os municípios, por leis orgânicas, e ainda há o Distrito Federal como o tertium genus, cuja natureza é híbrida, compreendendo atribuições de Estado e de município. Observando certa hierarquia entre essas entidades que compõem a federação, tem-se então, no plano constitucional, a Constituição Federal como lei maior, seguida da Constituição Estadual e, por último, da Lei Orgânica Municipal ou do Distrito Federal. Na mesma ordem estão as leis comuns.

Estas e outras questões serão analisadas a seguir, caracterizando verdadeiro sistema brasileiro de controle da constitucionalidade, quando serão resolvidos os seguintes problemas sob o prisma das inconstitucionalidades: a) lei federal versus constituição federal; b) lei estadual versus constituição federal; c) lei estadual versus constituições estadual e federal;
d) lei municipal versus constituição federal; e) lei municipal versus Constituição Estadual; f) lei municipal versus constituições estadual e federal; g) lei federal versus Constituição Estadual;
h) lei municipal versus lei orgânica municipal; i) lei distrital versus lei orgânica distrital.

Em face da existência de dois planos de Constituição – federal e estadual –, o estudo do controle da constitucionalidade no Brasil deve tomar ambas como paradigmas, confrontando a primeira com leis dos três níveis de governos, e a segunda, com as leis estaduais e municipais. Por sua vez, eventual choque entre as leis municipais e a lei orgânica dos municípios é tema que não reside na seara do controle da constitucionalidade, merecendo pouco destaque, exceto no Distrito Federal, onde a Lei Orgânica cumpre papel semelhante ao das constituições estaduais.

O plano de estudos neste capítulo será dividido em dois temas principais: a) o controle difuso mediante ações, como o mandado de segurança e a ação civil pública, ou defesas oferecidas em processos em curso, como contestações, embargos ou objeções, ou, ainda, como meros incidentes processuais; b) o controle concentrado por meio de ações próprias – ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

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2 Defesa incidental da Constituição Federal de 1988 (controle difuso)
2. 1 Noções

Independente do controle principal da constitucionalidade por meio de ação direta perante o Supremo Tribunal Federal, tendo como paradigma a Constituição Federal, ou o Tribunal de Justiça, quanto à Constituição Estadual, admite-se o que se convencionou chamar de controle difuso. Enquanto o controle por meio de ação direta depende de expressa previsão na Constituição, o difuso autoriza todos os juízes e tribunais a fiscalizarem a constitucionalidade das leis e outros atos, nos processos que lhe forem submetidos em razão de competência originária ou recursal, como simples incidente em relação à causa principal a decidir, sem necessidade de previsão no texto constitucional.

Denomina-se controle difuso por não restringir a competência a apenas um órgão; ao contrário, investe todos os órgãos judiciais de competência para decidir a causa fazendo prevalecer a constituição, declarando, para isso, a inconstitucionalidade se entender caracterizada. Da declaração de inconstitucionalidade assim suscitada – ou reconhecida de ofício – depende, no todo ou em parte, o direito do postulante. A inconstitucionalidade será, então, mera questão prejudicial em relação à questão principal, ou, por outros termos, será simplesmente a causa de pedir ou os fundamentos da decisão, mas não o pedido em si mesmo.

Quem entende ser indevido certo tributo por inconstitucionalidade da lei que o instituiu pode, por exemplo, antecipar-se a eventual cobrança ou outras medidas que poderão ser tomadas pelo ente arrecadador, impetrando mandado de segurança com pedido de que o juiz declare o vício e determine a abstenção da prática de qualquer ato que possa sujeitar ao pagamento. Neste exemplo, a questão principal é o não pagamento do tributo, a qual constitui a razão de ser do mandado de segurança; a arguição de inconstitucionalidade é o argumento para tentar ficar livre da obrigação – é a causa de pedir, a qual, sendo acolhida, desobrigará o contribuinte do ônus de ter que pagar; rejeitada, a obrigação remanescerá por inteiro.

2. 2 Objeto

Pode ser objeto de arguição de inconstitucionalidade ou de ou conhecimento de ofício no controle difuso qualquer lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, desde que seja contemporâneo à constituição. Os atos anteriores se resolvem no plano do direito intertemporal, considerando-se revogados ou recepcionados conforme sejam compatíveis ou incompatíveis quanto ao seu conteúdo. Aliás, tendo como paradigma a Constituição Federal, a lei ou ato municipal só pode ser objeto de controle difuso, nunca de ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, porquanto no Brasil essa modalidade depende de...

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