Do contrato individual de trabalho até a dispensa do empregado

AutorEnoque Ribeiro dos Santos
Ocupação do AutorLivre-Docente em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP. Doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP
Páginas53-72

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1. O contrato individual do trabalho

No início da Revolução Industrial, a imposição de condições de trabalho pelo empregador, a exigência de excessivas jornadas de trabalho, a exploração das mulheres e menores, que constituíam mão de obra mais barata, os acidentes ocorridos com os trabalhadores no desempenho das suas atividades e a insegurança quanto ao futuro e aos momentos nos quais fisicamente não tivessem condições de trabalhar foram as constantes da nova era no meio proletário, às quais podem-se acres-centar também os baixos salários59.

Se o patrão estabelecia as condições de trabalho a serem cumpridas pelos empregados, é porque, principalmente, não havia um direito regulamentando o problema. Amauri Mascaro Nascimento, citando Mário de La Cueva, observa que “o contrato de trabalho podia resultar do livre acordo das partes, mas, na realidade, era o patrão quem fixava as normas; e, como jamais existiu contrato escrito, o empregador podia dar por terminada a relação de emprego à sua vontade ou modificá-la ao seu arbítrio. (...) Às vezes eram impostos contratos verbais a longo prazo, até mesmo vitalícios; portanto, uma servidão velada, praticada especialmente nas minas nas quais temia-se pela falta da mão de obra”60.

O contrato de trabalho surgiu com o Liberalismo, na França, como meio para criar, resolver e modificar as relações entre os indivíduos e o Estado. O contrato era o signo da liberdade. Acreditava-se que o equilíbrio nas relações econômicas e trabalhistas pudesse ser atingido diretamente pelos interessados segundo o princípio da autonomia da vontade, sem uma maior preocupação com o problema social61.

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A primeira forma jurídica de relação trabalhista foi a locação de serviços. Consistia no respeito total à liberdade volitiva do trabalhador e do empregador que se obrigavam, um a prestar serviços e o outro a pagar salários, porém sem outras implicações maiores quanto às circunstâncias em que isso se dava. O Estado não interferia. Havia, portanto, plena autonomia da locação de serviços na ordem econômica, jurídica e social, como um corpo solto no espaço, sujeito as suas próprias determinações. Como o absolutismo das corporações de ofício foi substituído pelo arbítrio patronal, surgiu o proletariado e a questão social. Aos poucos cresceu no pensamento dos homens a convicção da necessidade de uma interferência do Estado para garantir condições mínimas em prol dos trabalhadores62.

Evaristo de Moraes Filho nos ensina que “O Contrato Individual do Trabalho constitui o verdadeiro núcleo central do Direito do Trabalho, pois é por meio dele que se realizam todas ou quase todas as disposições tutelares desse ramo do Direito’’63.

No Brasil, a primeira lei a tratar especificamente do contrato de trabalho foi a de setembro de 1830, com os seguintes dizeres: “Regula o contrato por escrito sobre prestação de serviços feitos por brasileiro ou estrangeiro dentro ou fora do Império.’’64

Nesse aspecto, Magano assevera que “conquanto a abolição definitiva do tráfico de escravos só viesse a ocorrer com a promulgação da Lei Eusébio de Queirós Matoso, de 4 de setembro de 1850, desde 1830 ganhava terreno no Império a ideia de mão de obra branca para substituir os cativos”. Isso explica o advento da Lei
n. 108, de 11 de outubro de 1837, cujo art. 1º possui o seguinte teor: “Art. 1º – O contrato de locação de serviços, celebrado no Império, ou fora, para se verificar dentro dele, pelo qual algum estrangeiro se obrigar como locador, só pode provar-se por escrito. Se o ajuste for tratado com interferência de alguma Sociedade de Colonização reconhecida pelo Governo no Município da Corte, e pelos Presidentes das Províncias, os títulos por elas passados e as certidões extraídas dos seus livros terão fé pública para prova do contrato’’65.

Magano continua afirmando que “o alargamento das fronteiras do contrato de locação de serviços não encontrou séria oposição até o primeiro lustro da vigência do Código Civil. Todavia, com o aparecimento da CLT, em 1943, a sua área de atuação tornou-se disputada em virtude da crescente importância atribuída ao contrato de trabalho. A força avassaladora deste último mostrou-se tão grande que Cotrim Neto, pouco tempo depois de editada a CLT, já falava em “imperialismo” do contrato de trabalho, vaticinando que o Direito Civil viesse a perder para ele o contrato de locação de serviços, além de certas subespécies dos contratos de

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mandato, dos contratos de parceria agrícola ou pecuária, dos contratos de gestão de negócios e que o Direito Comercial, de sua parte, ficasse desfalcado do contrato de preposição mercantil, do contrato de gerência, do contrato de trabalho marítimo ou de engajamento, do contrato de mandato mercantil, assim como de certas subespécies dos contratos de comissão mercantil e dos contratos de sociedade.66

O vaticínio de Cotrim Neto parece haver se confirmado, reconhecendo a doutrina moderna uma grande retração dos demais contratos de atividade, em benefício do contrato de trabalho. O campo da locação de serviços ficou, em consequência, restringido. “Somente onde ainda não penetrou a concepção própria do Direito do Trabalho [escreve Caio Mário da Silva Pereira] é que perdura o contrato civil de prestação de serviços.”67

Magano, concluindo sua exposição sobre o tema, afirma que “considerados os antecedentes do contrato de trabalho e o seu crescente expansionismo, conclui-se ser sua vocação disciplinar, com exclusividade, o trabalho subordinado. Parece-nos, por outro lado, que a parte remanescente da locação de serviços, relativa ao trabalho autônomo, deva ser regulada por uma única figura contratual, referente ao trabalho autônomo, mas compreendendo tanto a prestação de serviços como a realização de obras’’68.

Amauri Mascaro Nascimento cita Mário de La Cueva, que define o contrato de trabalho como o “acordo de vontades e a relação de emprego como o conjunto de direitos e obrigações que se desenvolvem na dinâmica do vínculo, daí usar a expressão contrato-realidade. Nesse caso, o contrato é a fonte da qual a relação de emprego é o efeito que se consubstancia com a prestação material dos serviços no complexo de direitos e deveres dele emergente”69.

Russomano define o contrato de trabalho como “ato jurídico criador da relação de emprego”. E quanto à relação de emprego, “é o vínculo obrigacional que une, reciprocamente, o trabalhador e o empresário, subordinando o primeiro às ordens legítimas do segundo’’70.

Continua afirmando que “a relação de trabalho é o gênero, do qual a relação de emprego é a espécie. Por outras palavras: a relação de emprego, sempre, é relação de trabalho; mas nem toda relação de trabalho é relação de emprego, como ocorre, v. g., com os trabalhadores autônomos (profissionais liberais, empreitadas, locações de serviços etc.). A característica essencial está em que o

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trabalhador presta serviços, por força da relação de emprego, subordinando-se às ordens legítimas do empregador. Essa subordinação não tem aquele caráter aviltante do trabalho escravo ou da servidão, ou, mesmo dos regimes medievais posteriores. Trata-se, apenas, de subordinação decorrente da natureza ou da organização interna da empresa ocidental. Esta é constituída em planos diversos de hierarquia, que se justapõem e que são acionados pelo empresário dentro de um critério necessariamente harmonioso, no qual o comando pertence ao empregador, segundo o regime capitalista”.

Para Magano, o “Contrato de Trabalho é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física se obriga, mediante remuneração, a prestar serviços, não eventuais, à outra pessoa ou entidade, sob a direção de qualquer das últimas. A análise da definição deixará transparecer que os seus elementos constitutivos são os seguintes:
1) o contrato de trabalho insere-se na área da autonomia privada; 2) pertence à categoria dos contratos de atividade; 3) supõe continuidade; 4) implica subordinação; 5) designa atividade por conta alheia; 6) requer retribuição. Autonomia, facienda necessitas, continuidade, subordinação, alteridade e onerosidade são, pois, os elementos componentes da estrutura do contrato’’.

Portanto, o contrato de trabalho caracteriza-se como bilateral ou sinalagmático, pois implica prestações e obrigações recíprocas, i. e., a obrigação do trabalhador de prestar serviços tem por razão de ser e nexo lógico a do empregador de lhe pagar remuneração.

Caracteriza-se como oneroso, porque impõe ônus a ambas as partes; comutativo, porque a estimativa da prestação a ser recebida por qualquer das partes pode ser efetuada no ato mesmo em que o contrato se aperfeiçoa, consensual e não real, porque se aperfeiçoa com a mera manifestação da vontade das partes, não dependendo da entrega de nenhuma coisa; consensual e não solene, porque não depende da observância de forma especial; e como de execução continuada e não como contrato instantâneo, porque não se exaure com o cumprimento de uma única prestação71.

Como partes do contrato individual de trabalho, temos a figura: 1) do empregador, que pode ser pessoa jurídica, pessoa física e até mesmo empresas de serviço temporário, que contratam mão de obra a ser colocada à disposição de outras empresas, e 2) do empregado, que deve ser pessoa física, exercer atividade para outrem, no caso o empregador, submeter-se ao poder diretivo deste; fazê-lo de modo contínuo e dele receber remuneração previamente acordada.

No que pertine aos deveres e obrigações do empregado e do empregador, além daqueles explicitados no contrato de trabalho, existem os acessórios ou derivados, tais como as figuras de fidelidade; lealdade...

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