Do Brasil para Moçambique: transferência e implementação do programa mais alimentos

AutorLetícia Cunha de Andrade Oliveira, Adriana Schor
CargoDoutora em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. Professora e coordenadora do Curso de Relações Internacionais da UNIP de São José dos Campos e professora dos cursos de Relações Internacionais, Logística e Administração do Instituto Nacional de Pós-Graduação (INPG). E-mail: leleca36@hotmail.com - Economista. Doutora em ...
Páginas782-801
DO BRASIL PARA MOÇAMBIQUE: transferência e implementação do Programa Mais Alimentos
Letícia Cunha de Andrade Oliveira1
Adriana Schor 2
Resumo
O Programa Mais Alimentos Internacional combina a convencional cooperação técnica em agricultura com uma linha de
crédito direcionada a pequenos agricultores moçambicanos para aquisição de maquinário brasileiro para o mercado
agrícola. O objetivo deste artigo é analisar o processo de implementação do PMAI em Moçambique. Para tanto, realiza
cerca de quarenta entrevistas no Brasil e em Moçambique, uma pesquisa de campo de quinze dias em onze municípios de
Moçambique, inclusive na zona rural, e análise de comunicação telegráfica entre os governos brasileiro e moçambicano. A
combinação dessas técnicas permitiu concluir que a) o PMAI em Moçambique não impactou significativamente nenhum dos
lados envolvidos na cooperação, b) o Brasil pode superar o discurso tradicional da diplomacia e se beneficiar da
cooperação sul-sul através de ganhos comerciais e c) o PMAI, embora tenha proporcionado aumento da produtividade dos
agricultores moçambicanos de forma geral, esbarrou no problema do acesso ao mercado.
Palavras-Chave: Programa Mais Alimentos Internacional. Brasil. Moçambique. Transferência. Implementação.
FROM BRAZIL TO MOZAMBIQUE: transference and implementation of More Food Program
Abstract
More Food Program combines the conventional technical cooperation in agriculture with a credit line directed to Mozambican
small farmers for acquiring Brazilian agricultural machinery. This article aims at analyzing MFP’s implementation in
Mozambique, goal that was fulfilled through the following techniques - almost forty interviews in Brazil and Mozambique, a
field research in eleven Mozambican municipalities, including the rural zone, and analysis of telegraphic communication
between Brazilian and Mozambican governments. The combination of these techniques showed that a) MFP did not
materially impact any of the sides involved in this cooperation, b) Brazil can overcome traditional dipl omatic discourse and
benefit from south-south cooperation t hrough commercial gains and c) MFP enables Mozambican farmers to increase their
productivity but comes into conflict with market access issues.
Keywords: More Food International Program. Brazil. Mozambique. Transference. Implementation.
Artigo recebido em: 28/01/2020 Aprovado em: 28/10/2020
DOI: http://dx.doi.org/10.18764/2178-2865.v24n2p782-801.
1 Doutora em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. Professora e coordenadora do Curso de Relações
Internacionais da UNIP de São José dos Campos e professora dos cursos de Relações Internacionais, Logística e
Administração do Instituto Nacional de Pós-Graduação (INPG). E-mail: leleca36@hotmail.com
2 Economista. Doutora em Economia pela Universidade de São Paulo. Professora Associada do Instituto de Relações
Internacionais da USP e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais.
E-mail: aschor@usp.br.
Letícia Cunha de Andrade Oliveira e Adriana Schor
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1 INTRODUÇÃO
Em 2010, durante o Diálogo Brasil-África em Segurança Alimentar, Combate à Fome
Desenvolvimento Rural, realizado em Brasília, o ex-presidente Lula propôs a criação de uma linha de
crédito para o financiamento de exportação de maquinário agrícola brasileiro para agricultores
familiares africanos. O objetivo era ampliar a produção de alimentos na África com base no modelo
brasileiro de desenvolvimento rural e de produção da agricultura familiar com vistas a reforçar a
segurança alimentar naquele continente.
Essa proposta acontece em um contexto onde a política externa brasileira claramente
reforça a centralidade da Cooperação Sul-Sul na agenda governamental (VIGEVANI & CEPALUNI,
2007). A ideia de que os países do Sul dividem uma identidade comum e que dela faz parte a busca
por um desenvolvimento mais humano, mais justo e menos desigual é um dos pilares da chamada
“diplomacia solidária” e da cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional. A cooperação
brasileira é autoproclamada como uma cooperação horizontal onde não há condicio nalidades, não visa
benefício imediato, político ou comercial, e é derivada de demanda dos países parceiros (IPEA, 2010).
Assim, o Brasil se coloca como um parceiro na cooperação muito diferente dos países do Norte,
buscando promover, de forma solidária e desinteressada, o desenvolvimento global.
Na direção oposta, entretanto, alguns autores (LUMUMBA-KASONGO, 2011; BOND;
GARCIA, 2015) apontam ser a cooperação brasileira na África uma nova roupagem para uma velha
relação assimétrica de poder, que alguns chamam de neoimperialismo. O discurso solidário abre
espaço para projetos que, além de reforçarem a estrutura capitalista mundial de exploração do trabalho
pelo capital, visam promover o capital nacional do país doador e perpetuar a posição dependente da
África no sistema internacional.
Argumenta-se aqui que reduzir a relação entre Brasil e Moçambique a ações de pura
solidariedade ou a um simples projeto neoimperialista brasileiro não parece descrever de forma
adequada a realidade das relações entre os dois países ou mesmo da cooperação brasileira. Scoones
et al (2016) afirmam, nesta mesma direção, que é preciso superar as narrativas simplistas de
cooperação sul-sul e de expansão neoimperialista para enxergar um novo paradigma de
relacionamento entre o Brasil e a África, que vai além da ajuda externa e onde o desenvolvimento
acontece através dos investimentos privados, com um papel menos acentuado das agências
convencionais de ajuda externa e um espaço maior para a agência dos governos africanos.
O Programa Mais Alimentos Internacional (PMAI) se adéqua bem a esse raciocínio, pois
pode ser caracterizado como um projeto de cooperação no qual os interesses do agronegócio,
tradicionalmente voltados para a América Latina (MILHORANCE, 2017), moveram o engajamento

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