Transição do brasil império à república velha

AutorMarcelo Figueiredo
CargoProfessor da PUC/SP. Presidente da ABCD
Páginas32-50

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1. Introdução

Nosso objetivo com o presente trabalho será iluminar como os principais fatos históricos ocorreram nesse período, do Brasil Império à República Velha, interpretando-os. Evidentemente que com esse exercício não temos qualquer pretensão de sermos inovadores. A história é a senhora absoluta dos fatos (e da razão) e, sendo assim, o máximo que podemos almejar será realizar uma sorte de trabalho comparativo valendo-nos dos grandes historiadores e cientistas políticos que já se dedicaram - e muito bem - diga-se de passagem, a analisar essa quadra histórica. Assim, desde logo advertimos: esse não é um ensaio de cunho jurídico, mas será mais uma resenha de natureza histórico-política do que qualquer outra coisa.

Não há como conhecer e apreender a realidade do Brasil Império sem conhecer seu antecedente: o Brasil Colónia. Do mesmo modo, não há como compreender a República sem o seu antecedente que foi o Império. Sendo assim, nosso trabalho será o de reconstruir a história brasileira até chegar ao período que se pretende analisar, mas considerando o fato que todos os períodos históricos são fundamentais e importantes. São como elos de uma longa e sucessiva cadeia ou de uma longa corrente, unidos por circunstâncias da vida. Cada um deles nos releva um elemento importante e não há como conhecer um sem o outro, em um verdadeiro continuum histórico, mas evidenciando a transformação social ao longo do tempo.

Seja como for, os historiadores fixam o período imperial brasileiro de 1822 a 1889. Já a Primeira República de 1889 a 1930. Antes de chegar ao império parece interessante uma breve visita ao período colonial brasileiro. Da mesma forma que a natureza não dá saltos também nós para compreendermos o período final do império ao início da república necessitamos conhecer o suficiente a história do Brasil antecedente.

Assim, vamos a ela, no essencial.

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2. A Colônia - O caráter geral da colonização brasileira

A história da colonização brasileira deu-se a partir de uma conquista comercial. No princípio, entretanto, o Brasil ficou praticamente abandonado. Afora as concessões para exploração do pau-brasil, única riqueza aproveitável e visível àquela ocasião, nada mais fez a Coroa portuguesa em relação à nova descoberta do Brasil.

Assim, o período de 1500 a 1530 foi marcado pelo abandono o que levou franceses e outros povos a também retirar madeira das costas brasileiras em profusão naquele período. Preocupados com o abandono os portugueses finalmente se convenceram de colonizar o Brasil a partir de seu extenso litoral. Implantaram-se assim as chamadas capitanias hereditárias, repetindo a fórmula adotada nos Açores e na Madeira.

Não vamos entrar em pormenores das dificuldades do período. Basta assinalar, contudo, que o território brasileiro, vastíssimo, constituía um grande desafio a ser vencido e povoado, sobretudo para um país de pequenas dimensões económicas como Portugal, mesmo àquela época.

O sistema das capitanias hereditárias de origem e "natureza feudal" não funcionou a contento devido à necessidade de intenso capital e das ingentes dificuldades de desbravar, conhecer e dominar o imenso território brasileiro.

Em 1549, Portugal decide instituir um governo geral no Brasil, resgatando as capitanias doadas e implantando um sistema de sesmarias distribuindo as terras às pessoas mais abastadas que podiam melhor explorá--las também em benefício da Coroa.

A economia agrária no Brasil colonial foi de intensa exploração rural. A colonização foi um empreendimento do governo colonial aliado a particulares. A produção da cana-de--açúcar muito procurada na Europa e depois o tabaco marcaram durante séculos a economia e a sociedade brasileiras. Lavouras de cana, engenhos de açúcar e extensos latifúndios dedicados a pecuária marcavam o período.

O latifúndio monocultor e exportador de forte base escravagista1 caracterizou o Brasil colónia. A grande atividade de fato se dava no meio rural. Como bem anota Caio Prado Júnior, não havia quase atividade urbana naquela época. Nem a indústria, nem o comércio, estes elementos constitutivos da economia urbana, tinham então importância suficiente para se caracterizar como categorias distintas da exploração primária do solo. O comércio estava limitado aos pequenos mercadores ambulantes que percorriam o interior à cata de fregueses. O seu desenvolvimento data realmente de meados do século XVII. Quanto à indústria, ela se concentra nos próprios domínios rurais. Estes não recebiam de fora senão o que importavam da metrópole e isto mesmo em reduzida escala.

Deparamos nos domínios com olarias, ferrarias, carpintarias, sapatarias, serrarias. Não é de estranhar, portanto, que em São Paulo,2 viviam, em 1622, apenas treze oficiais artífices: cinco alfaiates, três sapateiros, três ourives, um serralheiro e um barbeiro.3

3. A Corte no Brasil - D João VI (1808), a Revolução do Porto e a Independência

Paradoxalmente os Estados Unidos da América não eram no século XVII um país muito diferente do Brasil. Sua população contava em torno de 4 (quatro) milhões de pessoas e ocupava uma pequena faixa litorânea. Como no Brasil, algumas atividades económicas dependiam dos escravos e também parcelas significativas dos indígenas não se deixavam aculturar.

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A ex-colônia beneficiava-se do fato de que o governo representativo houvera sido consolidado na Inglaterra ao longo do século XVIII e já nascia dispondo de Parlamento, fixadas as regras de funcionamento de regime constitucional.

Tudo isso, segundo António Paim,4 não podia deixar de produzir um grande impacto em toda a América. Acresce o fato de que a Revolução Francesa, iniciada em 1789, trouxe uma grande popularidade para a ideia da Constituição, embora não tivesse conseguido estabelecê-la e consolidá-la, a exemplo da Revolução América. Ainda assim, era chegado o tempo de colocar as novas bases às relações entre as metrópoles e suas colónias americanas.

António Paim afirma que no Brasil o quadro se desenvolve aproximadamente nos seguintes marcos:

1) Sucessivos movimentos conspi-ratórios são abortados. A feroz repressão desencadeada contra a Inconfidência Mineira (1789) - quando os líderes são degolados e esquartejados, exibidas as partes mutiladas de seus corpos em vários locais, como que para fazer renascer o terror dos "autos de fé" - longe de arrefecer a ideia de Independência talvez até a tenha sedimentado para sempre. Movimentos assemelhados, ainda que sem a mesma amplitude, ocorreram no Rio de Janeiro, na Bahia e em Pernambuco, ao longo da década de noventa.

2) A mudança da Corte para o Rio de Janeiro, em 1808,5 criou uma situação favorável a um novo arranjo político nas relações com a Metrópole. O Brasil foi elevado à condição de Reino (1815), dispondo aqui das instituições que lhe asseguravam plena autonomia, sem depender de Lisboa, ainda que nos marcos do absolutismo. Portugal passava a denominar--se Reino Unido, podendo provavelmente evoluir para uma espécie de confederação de países autónomos. Na transição para o governo representativo, que começa com a Revolução do Porto (1820), tentou-se impor ao Brasil a reintrodução do quadro institucional anterior, virtualmente empurrando-nos para a Independência, afinal proclamada em 7 de setembro de 1822.

3) O processo da Independência é sobrecarregado de diversas questões, as mais importantes das quais consistem na reestru-turação das instituições para permitir o funcionamento de governo representativo, que pusesse termo ao absolutismo, e na relação entre as províncias, de modo que tivessem autonomia nas questões que lhes dissessem respeito diretamente. Os Estados Unidos conseguiam estabelecer um arranjo federativo. Mas a América espanhola não logrou manter-se unida, surgindo, na prolongada luta pela Independência, que durou aproximadamente de 1810 a 1824, diversas nações, notadamente Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela e México. Este último modelo instigou o espírito separatista no Brasil, de que se considera tenha sido uma primeira manifestação a revolta pernambucana de 1817. Em consequência, a guerra civil alastrou-se pelo país ao longo dos dois decénios subsequentes à Independência, vencendo por fim a ideia da unidade nacional.

O ano de 1820 trouxe grandes mudanças no panorama político português que afetaria também a realidade brasileira. Em janeiro, eclodia na Espanha a Revolução Liberal. Alertado por seus conselheiros, D. João VI apressou-se em decretar várias medidas procurando beneficiar o comércio português, na tentativa de evitar que a revolução se propagasse em Portugal.

As medidas não foram suficientes para deter o processo revolucionário. Em 24 de agosto de 1820, a cidade do Porto se subleva-

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va. Constituíram-se as Cortes, exigindo a promulgação de uma Constituição nos moldes da Constituição Espanhola. Reclamava-se, ainda a volta de D. João VI a Portugal.

Emília Viotti da Costa6 relata que tais acontecimentos repercutiram no Brasil, onde as adesões à revolução constitucionalista do Porto se multiplicaram. Portugueses e brasileiros, comerciantes e fazendeiros, funcionários da Coroa e militares aderiram à revolução pelos mais diversos e contraditórios motivos. Inicialmente, no entanto, as contradições não eram aparentes.

Comerciantes e militares portugueses identificados com os interesses metropolitanos apoiavam a revolução na esperança de restabelecer o Pacto Colonial. Fazendeiros, comerciantes nacionais e estrangeiros, funcionários da Coroa radicados no Brasil, cujos interesses os levavam a se identificar com a causa do Brasil, viam na revolução uma conquista liberal que poria por terra o absolutismo, os monopólios e os...

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