Do acesso ao poder judiciário

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CAPÍTULO II

DO ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO

2.1 O que é Justiça?

``Não cometereis injustiça no julgamento. Não farás acepção de pessoas com relação ao pobre, nem te deixarás levar pela preferência ao grande: segundo a justiça julgarás ao teu compatriota, não serás um divulgador de maledicências a respeito dos teus e não sujeitarás a julgamento o sangue de teu próximo. Eu sou IAHWEH57´´.

Para se analisar o tema principal se faz necessário uma pequena explanação do verdadeiro sentido do que vem a ser justiça, ou, ao menos, evidenciar alguns pensamentos e conceitos.

Do latim justitia, em especial, a justiça que mais interessa é aquela dada pelo juiz, exigindo passividade entre o dono e a separação, o crime e a pena a este conunado.

Desde Platão e Aristóteles a ideia de justiça já se confundia com a ideia ligada ao fator amplamente social. Aristóteles define; “Justiça é a virtude que nos leva a agir corretamente dar ao outro exatamente o que se recebeu”58.

Nas palavras de Santo Agostinho, “justitia porro e a virtus est fuae sua cuifue distribuit: fuae agitur justitia est hominis, fuae ipsun deo vero tollit” (justiça é, pois, a virtude que distribui a cada um o seu, como amo do sumo bem, ou de Deus)59.

57Revista Levítico. A bíblia de Jerusalém. Nova edição. capt. 19: versículos 15 e
16. Trad. do texto em língua portuguesa diretamente dos originais. Paulus: Imprimatur, 1980, p. 196.

58ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco (Ética a Nicômaco, LV.V., Cap. V).

59Santo Agostinho De Civit Dei, XIX, 21.

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Merece atenção o conceito do magnífico filósofo e pensador cristão, São Tomas de Aquino, que assim se expressou sobre justiça: Justicia perpetua et constants valuntas est, jus suum unicuifue tribueno, vel, est habitus, secundum fuem alifuis operativas secundum electionem justi. Proprius actus justitia nihil aliud est fuareddere unifuifue fuod suum est. (Justiça é a vontade constante e perpetua de dar a cada um o seu: ou o habito segundo o qual alguém age, pela opção do justo. Próprio da justiça não é outra coisa senão dar a cada um o que é seu)60

No dizer de Cícero: justitia est constans et perpetua voluntas suum cuique tribuendi (justiça é a virtude de dar a cada um aquilo que merece, respeitada a utilidade comum)61.

Não resta dúvida que ela está embasada na imparcialidade e deve ser interpretada conforme o direito e a razão, a fim de alcançar sempre a melhor consciência.

Seguindo a ideia de que o conceito de justiça era um princípio terno, também Platão teorizou seu pensamento do que vem a ser justiça. “Justiça é a virtude que contém cada um nos limites de seu dever”62.

Hans Kelsen, em sua valiosa obra “O que é justiça?”, sabiamente nega o caráter de universabilidade do conceito permanente de justiça:

Nenhuma outra questão foi tão passionalmente discutida; por nenhuma outra foram derramadas tantas lágrimas amargas, tanto sangue precioso; sobre nenhuma outra, ainda, as mentes mais ilustres – de Platão a Kant – meditaram tão profundamente. E, no entanto, ela continua até hoje sem resposta. Talvez por se tratar de

60São Tomas de Aquino – De justitia, II, q. 61, a ad.2.

61Cícero De Invest. Resth. 1.2, C. 53.

62Platão – República IV.

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uma dessas questões para as quais vale a resignado saber de que o homem nunca encontrará uma resposta definitiva; devera apenas tentar perguntar melhor63.

Dentro desse contexto vislumbrou-se a justiça como lema primordial. Eis, portanto, no seu pensar que:

A justiça é, antes de tudo, uma característica possível, porém não necessária, de uma ordem social. Como virtude do homem, encontra-se em segundo plano, pois um homem é justo quando seu comportamento. Corresponde a uma ordem dada como justa. Mas o que significa uma ordem ser justa64.

Socorrendo-se do dizer de Steffan zweig, escritor austríaco contemporâneo Prêmio Nobel de Literatura (1915), que utiliza a complexidade do contexto social, manifestou-se de forma literária e objetiva ao afirmar: “Quando a ordem é injusta, a desordem é já um principio de justiça”.

José Roberto Goldim indica ser a justiça um principio moral, enquanto o direito a realiza no convívio social. Portanto, a justiça jurídica e social é mais ampla que o direito.

Rui Barbosa de Oliveira, patrono dos advogados brasileiros assim se expressou: “A justiça, cega para um dos dois lados, já não é justiça, cumpre que enxergue por igual a direita e a esquerda”.

Alertava Justiniano, Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere, suum cuique tribuere (Os preceitos do Direito são estes: viver honestamente, não prejudicar a ninguém, dar a cada um o que é seu)65.

Vê-se que o vocábulo “justiça” que se sabe abstrato, é conceito que orienta a natureza humana e a convivência social.

63KELSEN, Hans. O que é justiça: a justiça, o direito e a política no espelho da ciência. Trad. de Luis Carlos Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 1.

64Ibidem, p. 2.

65JUSTINIANO – Institutas, I, I, 3.

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Contudo, a “justiça é o que há de mais primitivo na alma humana, de mais fundamental na sociedade, de mais sagrado entre as noções e o que as massas reclamam hoje com mais ardor”66.

Justiça é o mais universal dos conceitos. Na filosofia do direito natural, conforme ensina Alf Ross67, a justiça é “o princípio mais elevado do direito, a ideia específica do direito que está refletida em maior ou menor grau de clareza ou distorção em todas as leis positivas e é a medida de sua correção”. Paralelamente a essa ideia, continua o referido autor, Justiça significa a virtude suprema, que tudo abrange, sem distinção entre o direito e a moral. A justiça, segundo esse modo de ver, é simplesmente a expressão do amor ao bem e a Deus.

O grande problema da compreensão do termo é que a doutrina não dispõe de significados unívocos, pois cada qual confia numa concepção da justiça na qual crê e defende. Assim, por exemplo, o senso comum, geralmente, vincula a concepção de “justiça social” ao ideal de “igualdade”. Contudo, os construtos68

“justiça” e “igualdade” social costumam ser situados no mesmo plano nos vários discursos políticos-jurídicos. Contudo, a noção de justiça parece sugerir a todos, inevitavelmente, a ideia de certa igualdade. Desde Platão e Aristóteles, passando por Santo Tomás, até os juristas, moralistas e filósofos contemporâneos, todos estão de acordo sobre este ponto. A ideia de justiça consiste numa certa aplicação da ideia de igualdade. O essencial é definir essa aplicação de tal forma que, mesmo constituindo o elemento comum das diversas concepções de justiça, ela possibilite as suas divergências. Isto só é possível se a definição da noção de justiça contém um

66PERELMAN, Chaïm, Ética e direito. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 6.

67ROSS, Alf. Direito e Justiça. Trad. Edson Bini. Revisão técnica Alysson Leandro Mascaro. Bauru, São Paulo: EDIPRO, 2000, p. 313.

68Construtos= Ver página 5

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elemento indeterminado, uma variável, cujas diversas determinações ensejarão as mais opostas fórmulas de justiça69.

Mas, os conceitos em análise não são necessariamente idênticos. Eis que todo ideal de justiça parece estar mais estritamente ligado a um dado tratamento proporcional do ser humano. Já quando se fala de justiça social deixa-se de lado o ideal de igualdade, para ser privilegiada a necessidade de serem criadas as condições apropriadas a fim de possibilitar a convivência social.

Como princípio jurídico, a justiça delimita e harmoniza os desejos, pretensões e interesses conflitantes na vida social da comunidade. Uma vez adotada a ideia de que todos os problemas jurídicos são problemas de distribuição, o postulado de justiça equivale a uma exigência de igualdade na distribuição ou partilha de vantagens ou cargas. A justiça implica igualdade. Este pensamento foi formulado no século IV a.C. pelos pitagóricos, que simbolizaram a justiça como o número quadrado, no qual o igual está unido ao igual. A ideia de justiça como igualdade, desde então, tem se apresentado sob inumeráveis variantes.

Ora, a exigência de igualdade deve ser compreendida, portanto, num sentido relativo, isto é, como uma exigência de que os iguais sejam tratados da mesma maneira. Isto significa que, como um pré-requisito para a aplicação de norma de igualdade e com independência dela, é preciso que haja algum critério para determinar o que será considerado igual. Em outras palavras, a exigência de igualdade, contida na ideia de justiça, não é dirigida de forma absoluta a todos e a cada um, mas a todos os membros de uma classe determinada por certos critérios relevantes. Em conformidade com isso, as diversas formulações de justiça para grupos ou contextos diversos incluem, além da ideia de igualdade, um padrão de avaliação, que deve ser aplicado como um pré

69PERELMAN, Chaïm, Ética e direito. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 8 - 14.

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requisito à definição70. Percebe-se, no entanto, que a justiça representa um valor ideal da realidade e que sem ela não se pode definir o direito.

Qualquer análise conceitual nos leva ao seguinte entendimento: no plano de estudo que estamos desenvolvendo a respeito da justiça, além de ser uma permanente e constante busca do direito, é também uma necessidade do ser humano. Porém, a justiça parece não ser uma disposição de vontade.

Logo, não se pode aceitar a longínqua definição romana de justiça, quando esta faz alusão ser a justiça “dar a cada um aquilo que é seu”. Na visão do autor deste trabalho esta conceituação está despida de formalidade, logo informulada. Esta prática não tem o condão de revelar a concretude de funções sociais da justiça no mundo das relações sociais.

Portanto, quando encontrar o homem dentro de seu estado racional, à relação natural...

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