A distribuição do acesso à justiça

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CAPÍTULO IV

A DISTRIBUIÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA

No presente capítulo, será discutido o caráter relevante do Acesso à Justiça, ora considerado um direito fundamental e imprescindível para a vida do cidadão. Fala-se, assim, da realização da “cidadania” pelo Acesso à Justiça, como uma das principais preocupações constatadas nas doutrinas jurídicas contemporâneas. É, como se sabe um dos fundamentos do Estado democrático de direito, assim reconhecido no artigo 1º da Constituição Federal, junto a outros princípios tais como dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa e o pluralismo político.

A Constituição é, de fato, o instrumento com base no qual se discutem diversos assuntos que se dizem vinculados ao reconhecimento formal (não real) dos direitos dos cidadãos180, para

a realização, a aplicabilidade e a eficácia social de determinados princípios constitucionais, a saber: isonomia, erradicação da pobreza, da marginalização e da desigualdade social e demais princípios e direitos fundamentais.

Conforme ensina Sarlet181,

“Tais direitos fundamentais constituem construção definitivamente integrada ao patrimônio da humanidade; mas segue particularmente

180Veja-se Preâmbulo da Constituição Federal: “Nos, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.

181SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. ver. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 23 - 25, 80 - 81.

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agudo o perene problema da eficácia jurídica (como precondição da própria efetividade ou eficácia social) e efetivação desses direitos, de modo especial, em face do ainda não superado fosso entre ricos e pobres.”

De acordo com esse autor, a tese de que, a base dos direitos fundamentais da Constituição de 1988 radica sempre o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, justifica a coerência interna do sistema dos direitos fundamentais que encontra justificativa – para além de sua vinculação com um ou mais valores (princípios) fundamentais. Neste sentido, assume papel relevante a norma contida no art. 5º, §1º da CF de 1988, de acordo com a qual todos os direitos e garantias fundamentais foram elevados à condição de normas jurídicas, diretamente aplicáveis e, portanto, capazes de gerar efeitos jurídicos.

A Constituição é, de acordo com Manzini-Covre182,

(...) um importante instrumento na mão de todos os cidadãos, que devem saber usá-la para encaminhar e conquistar propostas mais igualitárias. Mas, só existe cidadania se houver a prática da reivindicação, da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão. Neste sentido, a prática da cidadania pode ser a estratégia melhor”. Mas, o primeiro pressuposto dessa prática é que esteja assegurado o direito de reivindicar os direitos, e que o conhecimento destes se estenda cada vez mais a toda a população. Eis que as pessoas tendem a pensar a cidadania apenas em termos dos direitos a receber, negligenciando o fato de que elas próprias podem ser os agentes da existência desses direitos. Desse modo, penso que a cidadania é o próprio direito à vida no sentido pleno. Trata-se de um direito que precisa ser constituído coletivamente, não só em termos do atendimento às necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de existência, incluindo o mais abrangente, o papel do(s) homem(s) no Universo.

182MANZINI-COVRE, Maria de Lourdes. O que é cidadania. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 10-11.

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Contudo, no artigo 1º, inciso II e III da Constituição Federal se reafirmam os conceitos considerados cerne da presente pesquisa, a saber, cidadania e dignidade da pessoa humana, base ou fundamentos do Estado Democrático de Direito . Todavia, a sistemática da lei cuida, igualmente, da igualdade e do direito ao acesso ao Poder Judiciário, direitos prescrição no artigo 5º, XXXV da própria Constituição Federal de 1988.183

Assim, vê-se tal direito como um direito humano fundamental, não como um mero acesso ao judiciário, mas como um direito a uma decisão adequada dentro do conceito de justiça social, conforme prescrito no artigo 3º, I da CF (Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária).

Ora, a justiça, neste sentido, só terá a sua realização desde que os agentes (funcionários) e entidades do Poder Público sejam capazes de zelar pelos interesses sociais (ou coletivos). Interessa aqui falar de Ética Pública e da efetividade do procedimento instituído, para garantir a tutela efetiva dos direitos do cidadão.

4.1 A amplitude do conceito de Acesso à

Justiça

Pensando o processo judicial como uma ferramenta em teoria ética, jurídica e também política fala-se assim da sua efetivação necessária para a realização da própria Justiça e a esperada consolidação da democracia e da cidadania.

183Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
(...)

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Nesse sentido, o Acesso à Justiça é uma condição necessária (premissa) para a garantia (realização) da Justiça. Diz-se de uma justiça constitucional, isto é, de um direito social, felizmente, prescrito na Constituição Federal e base para qualquer discussão acerca dos hodiernamente denominados “novos direitos” para “novos conflitos” que têm como cerne a cidadania.

Quanto à amplitude do conceito revela-se que a sua significação abrange a garantia processual das atuais democracias e justifica o direito de ação e cerne do princípio de inviolabilidade do direito de defesa dentro da esperada igualdade processual. É de fato um macro direito base para a solução dos conflitos sociais geralmente conhecidos pelos Juizados Especiais184

A significação do processo como um “fenômeno de massa” coloca em cheque os notórios privilégios reservados para as camadas mais favorecidas. Daí o discurso para uma análise do agir conveniente do Poder Público nos marcos de um Estado social de Direito. É assim que aqui se significa o Acesso à Justiça: um direito de imprescindível efetivação para uma real e concreta Justiça social.

4.1.1 Acesso à Justiça: dignidade e justiça

social

O tema do Acesso à Justiça tem muito a ver com o reconhecimento do valor do conceito “dignidade” da pessoa humana, conceito que, de acordo com alguns autores é o último arcabouço da guarida dos direitos individuais e o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional, servindo a “isonomia” para gerar equilíbrio real, visando concretizar o direito à dignidade. Contudo, se afirma que, para começar-se a respeitar a dignidade da

184Outrora Juizados de Pequenas Causas que se sabem foram instituídos pela Lei
n.º 9.099/95. Juizados Especiais: Cíveis e Criminais e pela Lei n.º 10.259/01 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais).

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pessoa humana, tem-se de assegurar concretamente os direitos sociais previstos no artigo 6º da Carta Magna, e relacionados ao caput do artigo 225. De fato, não há como falar em dignidade se os direitos sociais não estiverem garantidos e implementados concretamente na vida das pessoas185.

É a dignidade da pessoa humana, de fato, o mais importante princípio constitucional que diz dos direitos formalmente garantidos nos artigos 1º, III; 226 § 7º (da CF)186. Todavia no texto constitucional prescrevem-se, entre outros direitos, a assistência aos desamparados, na forma estabelecida na Constituição. Por outro lado, em todo discurso sobre “justiça real” costuma-se invocar o artigo 3º, inciso I, da Constituição Federativa do Brasil187.

Conforme ensina Aldaíza Sposati, trata-se, pois do “... atendimento à população carente como um ato moral, ético, isto é,

185NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios.
2. ed. ver., modif. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 24.

186Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito e tem como fundamentos:

I- a soberania;

II- a cidadania;

III- a dignidade da pessoa humana;

IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V- o pluralismo político.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º “Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.

187Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I- construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II- garantir o desenvolvimento nacional;

III- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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humanitário, destituído, porém da dimensão econômica e política pela qual a sociedade se organiza. Põe-se em...

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