Diz que em corumbá tem muita conversa fiada': fofoca, política e moralidade em uma cidade do Pantanal

AutorGustavo Villela Lima da Costa
CargoProfessor Adjunto do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de Formação de Professores, da UERJ, São Gonçalo-RJ
Páginas396-426
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v17n39p396/
396396 – 426
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“Diz que em corumbá tem
muita conversa fiada”: fofoca,
política e moralidade em uma
cidade do Pantanal
Gustavo Villela Lima da Costa1
Resumo
A cidade de Corumbá-MS possui pouco mais de cem mil habitantes e a fofoca é um fato social
reconhecido pelos seus moradores em seus efeitos e alcance. Baseado na leitura de Bailey (1971),
o estudo busca pensar nas relações que se estabelecem entre a fofoca e a política em torno das
reputações pessoais e no pertencimento a uma ou mais “comunidades morais” na cidade, aqui
nomeada de circuitos sociais da fofoca. Além disso, o estudo da fofoca pode contribuir etnogra-
ficamente para investigações sobre vários elementos da estrutura social da cidade: as relações
de trabalho, os modos de se fazer negócios na fronteira, sobre a política local e a formação das
hierarquias sociais, sobre a chegada de migrantes, sobre os significados de relacionamentos amo-
rosos, relações de gênero, sobre a construção dos papéis sociais e do status e o posicionamento
social dos indivíduos no “mapa” da cidade.
Palavras-chave: Fofoca. Política. Moralidade.
A cidade de Corumbá, fundada em 1778, às margens do rio Paraguai,
está situada na fronteira com a Bolívia a partir do município vizinho de
1 Professor Adjunto do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de Formação de Professores, da UERJ,
São Gonçalo-RJ. Docente do Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHS). Email: gustavovillelali-
madacosta@gmail.com
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 17 - Nº 39 - Mai./Ago. de 2018
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Puerto Quijarro, possui em torno de 100 mil habitantes (IBGE, 2010)
e tem no comércio uma de suas principais atividades econômicas, junto
da pecuária e da mineração. Nessa fronteira há uma conurbação de qua-
tro cidades que, juntas, têm em torno de 160 mil habitantes: Corumbá
e Ladário, no lado brasileiro, e Puerto Quijarro e Puerto Suarez, no lado
boliviano. Outra característica importante da região é a sua distância de
grandes centros urbanos como Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia (aproxi-
madamente 600 km) e Campo Grande (450 km). Miranda (MS), a cidade
seguinte depois da fronteira, ca a cerca de 200km de Corumbá, e entre as
duas cidades estão as terras alagáveis do Pantanal.
Entre 2009 e 2014 fui professor da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS) no Campus do Pantanal, em Corumbá. Nesse pe-
ríodo, atuei como docente no Mestrado em Estudos Fronteiriços, onde
desenvolvi pesquisas sobre a identidade fronteiriça, sobre o comércio in-
formal realizado por bolivianos e seus descendentes na cidade e sobre a
economia ilegal na região. Embora a fronteira nacional tenha sido o tema
principal dessas pesquisas, havia um fenômeno social onipresente na cida-
de, e que sempre me chamou a atenção como antropólogo: a fofoca.
Para produzir este artigo, então, utilizo-me de uma dimensão subje-
tiva importante do trabalho etnográco, que é a vivência de quase cinco
anos na cidade, que me permitiu ser afetado pessoalmente pelos eventos
etnográcos que estudava, em que fui obrigado a manejar as fofocas e esta-
belecer algum controle, proteção e construção sobre minha reputação. Na
verdade, o próprio trabalho etnográco envolve a participação do antropó-
logo nas fofocas, sejam aquelas que são feitas sobre ele, seja no momento
em que vai participando da vida social e sendo aceito e compreendido
por seus interlocutores, que passam a fofocar com ele assuntos da cidade,
do grupo e do universo social pesquisado. Besnier (2009) destaca que a
fofoca é central para entender o que os antropólogos fazem no trabalho
de campo, pois tanto parte dos dados que os antropólogos conseguem são
fruto de fofocas, quanto são parte de uma essência da disciplina, que é o
interesse no trivial e mundano. Assim, parte considerável das análises deste
artigo são resultado de minha vivência na cidade de Corumbá e de minha
participação ativa e intensa na vida social da cidade, como alvo de fofocas
e propagador de fofocas também, como todo mundo.

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