Divisão do Trabalho e Cidadania

AutorFlávio Saliba Cunha, Roberto Dutra Torres Júnior
Páginas72-94
Capítulo IV
Divisão do Trabalho e Cidadania
Este capítulo tem dois objetivos principais: o de trazer uma
contribuição específica à discussão do tema da cidadania e o de
demonstrar (através da análise desse tema particular) como
abordagens teóricas, que ao superar a ideia de que a sociologia é,
necessariamente, uma ciência pluriparadigmática e procurar
acordos entre os autores clássicos, podem mostrar-se promissoras
na pesquisa sociológica.
Nosso argumento principal é o de que a literatura disponível
sobre o fenômeno da cidadania, na medida em que falha em
compreender sua natureza estrutural, mostra-se incapaz de gerar
subsídios para a elucidação dos problemas práticos e teóricos a que
ele remete. Na verdade, o tema da cidadania não tem sido abordado
de uma perspectiva essencialmente sociológica e, dado suas
interfaces com os temas da organização e da participação políticas,
tem recebido maior atenção da parte de cientistas políticos,
historiadores e, mesmo, filósofos. Ao que parece, a sociologia tem
se limitado a incorporar ao seu discurso sobre a cidadania aqueles
produzidos em outras áreas de conhecimento.
Tal como as dimensões da igualdade, da liberdade e do
individualismo moral, analisadas nos capítulos precedentes,
veremos como a emergência da cidadania decorre da difusão das
relações de mercado e, mais especificamente, do aprofundamento
do processo de divisão do trabalho.
Para fundamentar nosso argumento recorremos a alguns textos
clássicos e a artigos mais ou menos recentes que mais claramente
contribuem para o entendimento das condições estruturais de
emergência do fenômeno, mas que também evidenciam os
equívocos a que estão sujeitas as análises que incorporam as
noções correntes de cidadania. Dentre estas se incluem, não raro,
as análises acadêmicas sobre a democracia, os movimentos sociais
e a participação política, passando pelos estudos sobre as
desigualdades sociais até as propostas de políticas públicas para
minimizá-las.
IV.1 Considerações teóricas
A universalização dos direitos da cidadania no Brasil tem
constituído, explícita ou implicitamente, uma preocupação central de
partidos políticos, de religiosos, de intelectuais, de sindicatos e
organizações civis comprometidas com os valores democráticos.
Se, por um lado, constata-se que os direitos básicos da
cidadania política têm sido garantidos com o processo de
redemocratização do País, por outro, há preocupações com as
condições de seu exercício efetivo na vida cotidiana, sobretudo no
que se refere às oportunidades econômicas e ao acesso aos direitos
sociais. Com efeito, as desigualdades sociais e a miséria têm sido
vistas como o maior obstáculo ao pleno exercício da cidadania na
sociedade brasileira contemporânea. Para Caubet, por exemplo,
não poderá haver cidadania efetiva no Brasil, a não ser para minoria dos
privilegiados, enquanto os indicadores sociais permanecerem como estão e
continuar o agravamento das injustiças na repartição da renda nacional. São as
enormes disparidades socioeconômicas que acabam revelando os diversos
estatutos da cidadania, contra a afirmação da existência de uma cidadania única e
válida erga omnes.[88]
Referindo-se às várias cidadanias da Constituição de 1988,
Caubet termina por afirmar que “o trabalhador, que sequer dispõe da
possibilidade de satisfazer suas necessidades básicas, muito menos
terá condições de utilizar a maior parte dos instrumentos jurídicos
que amparam as liberdades fundamentais”.[89]
Se concordarmos com Marshall, que o conceito de cidadania
desdobra-se em três dimensões – a cidadania civil, a cidadania
política e a cidadania social –, somos levados a crer, pela afirmação
de Caubet, que teríamos alcançado as duas primeiras, contudo,
sem havermos progredido suficientemente em relação aos direitos
sociais. Na verdade, se no passado as limitações à cidadania eram,
com frequência, atribuídas ao autoritarismo do Estado brasileiro,

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