O dissídio coletivo enquanto processo jurisdicional de formação da norma trabalhista: Transgressão ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição

AutorJosé Pandolfi Neto
Ocupação do AutorAdvogado. Mestre em Direito Processual pela UNICAP/PE. Coordenador da Pós-Graduação e Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas de Belém do São Francisco - FACESF
Páginas83-91

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1. Os dissídios coletivos e sua configuração doutrinária

A doutrina detalha a diferença entre os conflitos coletivos e os conflitos individuais de trabalho, sendo certo que de forma sintética, três devem ser os critérios para fixar essa distinção, quais sejam: partes, objeto e finalidade.

As partes de um conflito coletivo, diferentemente do dissídio individual - que são empregado e empregador, a princípio identificáveis e individualizados, salvo raras exceções (ex.: ações de cumprimento) - são grupos de trabalhadores ou empregadores, não individualizados. Grupos esses, via de regra, representados pelos sindicatos. Os grupos estariam caracterizados em ambos os polos da relação conflitante ou em pelo menos um deles. Na primeira hipótese, ter-se-iam as convenções coletivas de trabalho, ao passo que, na segunda, estar-se-ia diante de um acordo coletivo de trabalho.

Apresenta Pedro Paulo Teixeira Manus a exata definição do interesse coletivo e demonstra sua real significação para o processo coletivo laboral, diferenciando-o dos dissídios individuais.

O interesse coletivo, no direito do trabalho é aquele de que é titular a categoria, ou uma parcela da categoria, como o grupo de empregados de algumas empresas, de uma empresa, ou grupo de empregados de um ou alguns setores de uma empresa. Esse interesse ultrapassa as pessoas que a integram porque indeterminado, sendo titular o grupo, cujos integrantes podem vir a ser determinados a cada momento e estão ligados entre si por pertencerem à mesma empresa, setor ou categoria profissional1.

O objeto do conflito coletivo seria a discussão de interesses abstratos das categorias profissionais e econômicas, e o objeto dos conflitos individuais representa interesses concretos dos indivíduos2.

O último dos critérios, ou seja, a finalidade do conflito coletivo de trabalho se resume na criação, modificação ou na interpretação em tese de uma norma jurídica, ao passo que o fim específico do conflito individual consiste na composição através da aplicação ao caso concreto de norma jurídica preexistente3.

Antes da Emenda Constitucional n. 45/2004, se observava que o postulado constitucional inferia uma amplitude do poder normativo da Justiça do Trabalho. O preceito constitucional autorizava à Justiça do Trabalho produzir normas. A única observância era no sentido de respeitar as disposições legais e convencionais mínimas previstas no ordenamento jurídico. Ou seja, os Tribunais Trabalhistas não sofriam qualquer limitação ou restrição no seu poder criador4. A referida emenda desfigurou essa prerrogativa ao limitar a atuação do poder judiciário trabalhista a decidir conflitos e não a produzir norma.

No Brasil, utilizam-se duas modalidades de ações coletivas, os denominados Dissídios Coletivos de Natureza Jurídica (ou de direito) e os Dissídios Coletivos de Natureza Econô-mica (ou de interesse).

O Tribunal Superior do Trabalho, órgão máximo da Justiça Trabalhista, inclusive já se posicionou sobre a classificação dos dissídios coletivos, corroborando inclusive com a classificação apontada pela doutrina de modo majoritário.

O dissídio pode ser de natureza econômica (para instituição de normas e condições de trabalho e principalmente fixação de salários); ou de natureza jurídica (para interpretação de cláusulas de sentenças normativas para interpretação de cláusulas de sentenças normativas, acordos e convenções coletivas). Pode ser ainda originário (quando não existirem normas e condições em vigor decretadas em sentenças normativas); de revisão (para rever condições já existentes); e de greve (para decidir se ela é abusiva ou não)5.

A doutrina também aponta o conceito e espécies do Dissídio Coletivo, denominando-os da mesma forma que

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o Tribunal Superior do Trabalho, de dissídios de natureza jurídica e dissídios de natureza econômica6.

Dissídio coletivo é um processo judicial de solução dos conflitos coletivos econômicos e jurídicos que no Brasil ganhou a máxima expressão como um importante mecanismo de criação de normas e condições de trabalho por meio dos tribunais trabalhistas, que proferem sentenças denominadas normativas quando as partes que não se compuseram na negociação coletiva acionam a jurisdição7.

Esse também é o entendimento de Alice Monteiro de Barros:

Classificam-se os dissídios coletivos em econômicos e jurídicos. Os dissídios coletivos de natureza econômica têm em mira a criação de novas condições de trabalho. Já os dissídios coletivos de natureza jurídica têm em vista a aplicação ou interpretação de norma preexistente8.

Ives Gandra Martins Filho também corrobora com a classificação ora apontada, fazendo inclusive referência ao fato de que tanto a doutrina quanto a jurisprudência são unânimes, neste aspecto.

Com efeito, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em reconhecer a possibilidade do dissídio coletivo visando não à fixação de normas e condições de trabalho, mas à delimitação exata das já existentes, no sentido de interpretar as leis, acordos coletivos, convenções coletivas e sentenças normativas incidentes sobre as relações de trabalho de uma dada categoria. Trata-se do denominado dissídio coletivo de natureza jurídica, que se contrapõe ao dissídio coletivo de natureza econômica, em que se estabelecem normas de trabalho, majorando salários e conferindo vantagens econômicas para os trabalhadores9.

Tais argumentos demonstram uma unanimidade tanto da doutrina quanto da jurisprudência a respeito do estudo do tema em questão.

2. O caráter revolucionário do Dissídio Coletivo e a teoria geral do processo

É por intermédio do poder jurisdicional que o Estado põe à disposição de toda a sociedade - ou pelo menos a rigor deveria colocar - a denominada prestação jurisdicional, com a finalidade precípua de solucionar lides e pretensões resistidas. Isso é necessário para que se faça valer os interesses gerais da sociedade como a segurança pública, a integridade física, o patrimônio e os interesses coletivos e individuais indisponíveis. Existe ainda uma outra atividade, que é a função criadora da atividade jurisdicional estatal, como se evidenciará mais adiante.

Diante das diferentes modalidades de ações, tanto em relação à classificação quanto à sua natureza jurídica, é de se destacar a ação coletiva de trabalho que, no Direito positivo pátrio, denomina-se Dissídio Coletivo, por não se poder enquadrá-la no rol das ações pertencentes ao processo civil, independentemente de estarem vinculadas à jurisdição voluntária ou mesmo as que compõem a estrutura normativa da jurisdição contenciosa.

Nessas ações não se busca tão somente um pronunciamento declaratório, muito menos tão só um constitutivo, ao menos no modelo da teoria geral aplicável no processo civil. Da mesma forma, não se persegue uma sentença que se evidencie como título judicial executório. Não se coaduna em nenhum desses procedimentos ordinários, especiais ou cautelares. Não possuindo também a natureza das ações penais (sejam públicas ou privadas).

Seu caráter é revolucionário pelo fato de que o exercício da função jurisdicional estatal é realizado no sentido de criar regras a serem obedecidas no âmbito de categorias de trabalhadores e empregadores. Mas, além dessa função de caráter legislativo, é importante ressaltar que também atuará na interpretação de normas já existentes.

Dito caráter revolucionário será devidamente explicado nos subitens seguintes, onde será demonstrado de forma específica e aprofundado porque seria assim considerado o Dissídio Coletivo.

3. Os Dissídios Coletivos enquanto fonte jurisdicional de formação da norma

Ao descrever e prescrever modos de conduta, poderes, prerrogativas, competências, estará a norma autorizando, impondo, proibindo. Assim, sua eficácia e bilateralidade pressupõem a coação a ser descrita pelo ordenamento jurídico, para aqueles que vierem a desobedecer as condutas normadas10.

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Em se tratando de ações coletivas, a sociedade é quem se encarrega da função jurisdicional estatal, pedindo ao Poder Judiciário que produza direito novo, com a finalidade de reger as relações individuais trabalhistas. Isso se deve ao fato de que o Estado verificou que não teria condições de acompanhar a dinâmica e a complexidade das relações trabalhistas, sempre tendo que convocar o Poder Legislativo e esperar que esse venha a produzir normas que deveriam reger as relações de trabalho, bem como solucionar os conflitos, no momento em que eles surgissem. Por tal motivo transferiu para as partes envolvidas e interessadas (trabalhadores e patrões), no caso brasileiro, através dos acordos e convenções coletivas de trabalho, a responsabilidade de elaborarem regras gerais, abstratas e coercitivas. Por tal motivo, as normas coletivas e as sentenças normativas possuem, como toda norma, âmbito de validade (pessoal, material, espacial e temporal).

Trata-se de instituto peculiar do processo do trabalho em que visa aos direitos e interesses de categorias, cujos titulares são grupos de pessoas que figurarão no processo representados geralmente pelos sindicatos das respectivas categorias, na busca de obterem um procedimento jurisdicional a respeito de interesses gerais e abstratos.

Everaldo Gaspar Lopes de Andrade destaca que a ação coletiva constitui modalidade de procedimento destinada a uma determinada categoria (profissional ou econômica), ou a ambas, por intermédio de suas respectivas entidades sindicais, objetivando a interpretação ou produção de uma norma de caráter geral e abstrata, bem como a solução de um conflito coletivo de trabalho11.

José...

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