A 'disregard doctrine' - a falência - a extensão da falência e a extensão dos efeitos da falência

AutorHélio da Silva Nunes
Páginas22-40

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1. Histórico - Falência - Extensão dá falência e extensão dos efeitos da falência

1.1 Os três institutos são distintos entre si e têm incidência em campos próprios. Já na antiguidade encontramos indícios do instituto da falência. Na velha Roma, após a vigência da fase executória denominada Manus injectio, em que a execução também recaía sobre a pessoa do devedor, houve evolução para a Missio in Possessionis que era a entrega dos bens do devedor aos credores, especialmente quando ocorria a fuga do devedor insolvente e, finalmente, já demonstrando realmente o início do atual instituto da quebra, nascia a fase da bono-rum vendictio, em que, como hoje, os bens do devedor insolvente são arrecadados e vendidos para, com;o produto, serem: pagos os credores.

A evolução do instituto veio ocorrendo principalmente em toda a Idade Média, mas guardando sempre no mundo latino a característica de ser um instituto de direito comercial, incidente sobre a figura do comerciante, insolvente, aceitando-se a insolvência como um estado da insolvabilidade, considerahdo-se falido .o comerciante em estado de insolvência ou de total insolyabi-; lidade. E para que esse estado produza os necessários efeitos de direito é mister, ho-diernamentej uma atuaçao judicial a decretá-la e, por meio de processo executivo que tem a finalidade de apreender todo ó património do devedor, promover a satisfação de todos os credores, mediante procedimentos específicos.

A solução global do passivo do devedor insolvente pôde ocorrer de forma diversa daquela do instituto da falência, todavia. É o que nos mostra, por exemplo, a Côrporate Reorganization do direito nor-te-americano; é o que nos mostrou o direito francês em seu Reglement Judiciaire ou Liquidation Judiciaire.

No Brasil ensaia-se, atualmente, a substituição do instituto da falência, tout court pelo dá liquidação judicial, introdu-zindò-se de permeio o instituto de Recuperação de Empresas, aplicável não mais e só aos comerciantes, mas as empresas, não importando tenham elas características mais: de comércio ou mais de entes de direito ci-

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vil; estes com algumas exceções que o an-teprojeto especifica. É o que está no proje-to de lei em exame na Câmara Federal.

A falência, èm nosso direito positivo atual, é consequência de sentença judicial, observadas determinadas condições, especialmente o contraditório e a ampla defesa, tendo assento no estado de insolvência (impontualidade) ou na insolvabilidade, que é a existência de um ativo patrimonial inferior ao passivo do devedor comerciante, expressos nos arts. l° e 2° do DL 7.661/ 1945.

Essa é denominada falência principal ou meramente falência ou quebra. Ao lado da falência direta encontramos, ainda, a falência dependente ou acessória. É o que ocorre com a decisão que estende a falência a terceiros e que se denomina falência derivada.

1. 2 Extensão da falência

Ao contrário das legislações francesa, italiana e argentina, dentre outras, a legislação brasileira não contempla mais o instituto da extensão da falência. Nem mesmo se estende a falência, como decisão derivada, aos sócios solidários ou de responsabilidade ilimitada.

Não há em nosso direito positivo regras jurídicas como as que se vêem nos arts. 164 e 165 da Lei 19.551/72 (da legislação argentina), verbis: "Art. 164. La quiebra de la sociedad importa la quiebra de sus sócios con responsabilidad ilimitada. Tambien implica la de los sócios con igual responsabilidad que se hubieren retirado o hubiereh sido excluídos después de producida la cesación de pagos, por Ias dívidas existentes a la fecha en la que el retiro.fuera ins-cripto en el Registro Público dei Comercio, justificado en el concurso. Cada vez quela ley se refiere ai fallido o devedor, se entien-de que la disposición se aplica tambien a los sócios indicados en este artículo".

No direito brasileiro, somente aos comerciantes tem incidência o instituto da falência; não alcança as insolvências meramente civis, eis que, para estas, existe procedimento próprio previsto na lei processual comum. E a falência, em nosso sistema, é necessariamente precedida de uma decisão judicial: não existe a falência sem que o juiz a declare. Antes, há estado de falência, mas ainda não é a falência.- Da mesma forma, a falência dependente - ou extensão da falência - tem de ser precedi-. da de uma sentença, que é a sentença principal e, ainda, uma outra decisão que declare também como falido um terceiro, que esteja em relação com o já declarado falido. A falência, em sua nua realidade, não se estende, em nosso direito, por falta de disposição legal expressa. Assim, a falência, ainda que como tal se leia nas decisões judiciais não se estende; ela se declara; tem de ser declarada.

A chamada extensão da falência, em nossa jurisprudência, é, na realidade, uma nova declaração (ou decretação) da falência e, como tal, necessita, juridicamente, de observar as necessárias condições para a decretação da falência principal, envolvendo necessariamente a figura do comerciante (a extensão não pode ser feita a não comerciante), respeitados o contraditório e a ampla defesa.

Houvesse expressa disposição legal, como se vê ria França, na Itália, na Argentina, seria possível a abrangência do não comerciante (apesar da velha discussão sobre a possibilidade de a quebra ser estendida a devedores civis) e podendo a lei dispor sobre as hipóteses em que tal incidência pudesse ocorrer e como se operar procedimentalmente.

À falta de expressa disposição legal, a extensão da falência só pode ocorrer; em nosso direito, pela declaração (ela mesma), da falência em relação a terceiro não participante da relação jurídica falimentar, sendo mister que esse terceiro esteja em estado de falência passível de declaração. Não se há confundir a extensão da falência, o que aliás está ocorrendo cotidianamente na Justiça, com necessidade de declarar-se,

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também, a responsabilidade solidária de terceiros pelos débitos do devedor falido. Aqui, a hipótese pode criar a oportunidade para a incidência da doutrina da desconsideração da responsabilidade jurídica.

No direito argentino, há no art. 165 da Lei 19.551/72, disposição expressa da ex-. tensão de falência a terceiros, ainda que não comerciante ("La quiebra de una sociedad importa la de toda a persona que, bajo la aparência de la actuación de aquella, ha effectivado de actos en su interés personal y despuesto de los bienes como si fueron propios, en fraude de los acreedores").

E a disposição desse art. 165 deixa evidenciado, assim, que no direito porte-nho, quando em curso uma falência e para as hipóteses em que normalmente haveria base para a aplicação da Teoria da Disre-gard Doctrine, a lei preferiu a incidência da falência, por meio do instituto da extensão da falência.

Nos termos desse art. 165 "se puede extender la quiebra a toda persona. No és necesario que la persona a quien la quiebra social se haya extendido sea un gerente o administrador, ni és necesario que sea sócio: puede ser un tercero o un encargado, si en realidad és el verdadero dueno dei negocio, aunque la practica sea un dirigente social o por Io menos un sócio. Podria ser tambien outra sociedade que tuviese el control de la quebrada. Se puede extender la quiebra a una persona jurídica como una persona física", ensina Rafael Azerrad (Ex-tensión de la Quiebra, Astrea, 1979, p. 91).

Nas regras concursais anteriores ao Decreto-lei 7.661/45, contemplava o nosso direito falitário o instituto da extensão da falência, especificamente aos sócios das sociedades solidárias ou de responsabilidade ilimitada. Havia expressa determinação legal, de forma que a extensão ocorria por força da lei.

Partiam os legisladores de então do pressuposto de que, sendo os sócios solidários e responsáveis ilimitadamente, embora em caráter subsidiário pelas dívidas da sociedade, a quebra desta era a prova de que também os sócios estavam insolváveis ou, pelo menos, temporariamente insolventes, tanto que não evitaram a quebra da sociedade de que faziam parte e pela qual eram responsáveis.

E essa extensão, mais do que uma mera extensão, equivalia a uma verdadeira sentença de quebra com todas as consequências jurídicas dela decorrentes, inclusive de ordem criminal.

Com o tempo, inúmeros juristas e comentadores começaram a indagar da cor-reção da norma legal que estendia a falência aos sócios solidários, porque, diziam, a falência é instituto específico do comerciante e as sociedades solidárias podem formar-se com sócios não comerciantes (art. 315 do Código Comercial) e haveria, aí, um contra-senso legal. E foi assim que nossa legislação falitária evoluiu para apenas estender-se os efeitos da falência e não mais se estender a própria falência.

1. 3 Extensão dos efeitos da falência

O nosso direito positivo falitário já não mais estende a falência aos sócios, mas apenas os efeitos da falência, conforme dicção do art. 59 do Decreto-lei 7.661/45, havendo substancial diferença entre a falência em si e a mera extensão dos efeitos da falência. Primeiramente, o sócio solidário não é falido e, em consequência, não se lhe aplicam as restrições legais próprias do falido sendo ele apenas passível das mesmas obrigações que são atribuídas ao falido, no processo falitário. A extensão dos efeitos da falência está em expressa relação com a responsabilidade pelas obrigações da falida, para cuja liquidação haveria de concorrer com todos seus bens, embora, como expresso em lei, em caráter subsidiário. Com a extensão dos efeitos da falência, embora não seja o sócio...

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