Disposições gerais sobre a ação rescisória

AutorEdmilson Villaron Franceschinelli
Ocupação do AutorAdvogado. Ex-Promotor de Justiça e Ex-Juiz de Direito. Mestre em Direito
Páginas13-32

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1 Objeto da ação rescisória

A ação rescisória é a tutela jurisdicional desconstitutiva da coisa julgada material. Sabe-se que o processo pode ser extinto "sem" (art. 267 do CPC) ou "com" resolução de mérito (art. 269 do CPC). Porém, somente as sentenças de mérito são passíveis de ação rescisória (art. 485 do CPC), posto que, aquelas outras, não impedem a repropositura da ação extinta (art. 268 do CPC) por não produzirem a coisa julgada material.

Como ensina Ernane Fidélis dos Santos1: "A sentença (ou acórdão) não mais sujeita a recurso transita em julgado. Diz-se, então, que ocorreu coisa julgada. A coisa julgada se classifica em formal e material. Qualquer sentença, contra a qual não couber mais nenhum recurso, se acoberta pela coisa julgada formal. E, se referida sentença julgou a lide, isto é, se respondeu ao pedido do autor, acolhendo-o ou rejeitando-o, passa a ter força de lei nos limites da lide e das questões decididas (art. 468)... adquire força de definitividade." Ou seja, faz coisa julgada material.

Não somente a sentença que julga o pedido (art. 269, I, do CPC) faz coisa julgada material, mas, também, as demais elencadas nos incisos II ao V do art. 269 do Código de Processo Civil.

Salienta ainda o mesmo autor2: "A coisa julgada não é nenhum efeito da sentença, já que desta ela não decorre. Nem ficção de verdade, nem fonte de direito material para o caso concreto. É, simplesmente,

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uma qualidade que, por questão de ordem pública, a sentença adquire: a imutabilidade e a indiscutibilidade. O fim das decisões judiciais é buscar a paz social. Incertas ficariam as relações sociais, com a possibilidade de perpetuação dos litígios, se as decisões jurisdicionais não adquirissem a característica de definitividade."

Para Nelson Godoy Bassil Dower3: "Não mais comportando qualquer modalidade de recurso previsto no ordenamento jurídico processual, ocorre a coisa julgada e ela torna-se, então, imutável e indiscutível. O litígio chegou ao fim, não sendo possível mais a renovação da demanda. Caso contrário, ou seja, se fosse possível a renovação, o reclamo da tutela jurisdicional perduraria indefinidamente e não se chegaria à certeza do direito."

Não é necessário, contudo, que sejam esgotadas as vias recursais, a lei exige somente que a decisão tenha transitado em julgado, para o cabimento da ação rescisória. A propósito, a Súmula 514 do STF sustenta que: "Admite-se a ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenham esgotado todos os recursos." Assim, uma sentença de mérito proferida por juiz de primeira instância e contra a qual não tenha sido interposto qualquer recurso pode ser objeto de ação rescisória.

Nas palavras de Sálvio de Figueiredo Teixeira4: "A imutabilidade das decisões judiciais surgiu no mundo jurídico como um imperativo da própria sociedade para evitar o fenômeno da perpetuidade dos litígios, causa de intranquilidade social que afastaria o fim primário do Direito, que é a paz social."

Mas nem sempre perdurará a imutabilidade da coisa julgada material. Algumas hipóteses possibilitam a desconstituição da coisa julgada. Demonstra, assim, o legislador a sua indignação contra deter-

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minados vícios que maculam a sentença de tal modo a permitir a sua revisão. Para Sálvio de Figueiredo: "O grau de imperfeição da decisão de mérito, no entanto, pode ser de consequências tão graves que venha a superar a própria necessidade de segurança imposta pela "res judicata." Daí a previsão da rescisória, que é, inegavelmente, um dos mais belos e complexos institutos da ciência jurídica."

Oportuno é o pensamento de Ernane Fidélis dos Santos5, segundo o qual: "nos julgamentos humanos, podem ocorrer falhas de tal gravidade que a lei permite sua revisão, em que pesem os motivos de ordem pública que justifiquem sua imutabilidade. Daí a existência da ação rescisória, cujo objetivo é rescindir exatamente a sentença transitada em julgado."

Como lembra Nelson Godoy Bassil Dower6: "... existe uma espécie de ação que permite até o rejulgamento da decisão, invalidando a coisa julgada: é a ação rescisória, cabível em situações excepcionais, expressamente elencadas nos nove incisos do art. 485 do CPC. Tal ação visa, não à revisão da matéria discutida na lide, mas à correção de erros judiciários, correção que pede a desconstituição da sentença transitada em julgado, para um novo julgamento."

É por isso que Sérgio S. Fadel entende que: "ação rescisória do julgado é aquela que visa a desconstituir a sentença, desfazendo o comando emergente da decisão dada à relação jurídica processual controvertida, em que foi tal sentença proferida." Será, então, uma ação contra a sentença sob efeito da coisa julgada, visando rescindi-la para "eventual re-julgamento, a seguir, da matéria nela julgada."

Poderia perfeitamente o legislador adotar uma posição inflexível, negando em qualquer circunstância a revisão da coisa julgada material. Como assevera Vicente Greco Filho7: "...seguiu o nosso legislador a tradição do antigo direito português, ao contrário de outros países que preferiram manter exclusivamente os recursos ou, em certas hipó-

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teses, considerar as sentenças sem efeito quando nulas ou injustas. Em nosso sistema processual, a sentença, ainda que injusta ou originária de processo nulo, vale, tendo a parte somente a possibilidade de rescindi-la no prazo de dois anos, se presentes certas circunstâncias previstas na lei."

Hoje, contudo, vê-se que existe a possibilidade de a sentença irrecorrível ser nula em caso de ofensa à Constituição Federal, podendo ser objeto da querela nullitatis a qualquer tempo.

De outro lado, evidente que decisões motivadas por ofensas às normas infraconstitucionais, com vícios ou distorções gritantes, não retratam a justiça que alimenta os anseios sociais na busca pela paz. Estas decisões viriam em desprestígio do Direito ou mesmo da verdade, razão pela qual, o legislador decidiu admitir a sua desconstituição em hipóteses específicas previstas no art. 485 do CPC.

Todavia, embora queira o legislador processual civil que as sentenças retratem a verdade real, o princípio que impera em tal campo do Direito é o da verdade formal e isso se evidencia pelo prazo decadencial de 02 (dois) anos para a propositura da ação rescisória. Ao final deste prazo, existe a coisa soberanamente julgada e a sentença será imutável, mesmo que não exare a verdade das coisas. Já no Direito Processual Penal, em que impera o princípio da verdade real, não existe prazo para a interposição da ação revisional, sendo este indeterminado (art. 622 do CPP).

Contudo, é de se lembrar que, com o advento da Medida Provisória 2.180/01, que acrescentou o parágrafo único ao art. 741 do CPC, e mais recentemente com o advento do § 1º do art. 475-L do CPC, pela Lei 11.232/05, o legislador passou a admitir a declaração de nulidade das sentenças fundadas em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidos por incompatíveis com a Constituição Federal. Assim, o legislador incorporou a possibilidade de se buscar a declaração de nuli-dade das sentenças nulas, em razão de vícios inerentes ao conteúdo de inconstitucionalidades, sem necessidade de observância de tempo,

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posto que ato absolutamente nulo não se submete a prazo de sana-ção, estas podem ser atacadas a qualquer tempo por meio da querela nullitatis.

Hoje a ação rescisória é instrumento de ataque à coisa julgada, enquanto a querela nullitatis é instrumento de ataque à sentença nula por inconstitucionalidade; que, como todo e qualquer outro ato nulo, não produz consequência no mundo jurídico, não produzindo, consequentemente, a coisa julgada, como ainda será visto.

2 Breves comentários históricos

No Direito Romano, como informa Pontes de Miranda8: "A rescisão das sentenças está - nas suas origens - ligada à rescisão dos negócios jurídicos em geral. Através dos tempos, a diferenciação aos poucos se caracterizou, e caiu-se no oposto: considerando-se sentença e ato jurídico como fatos de natureza diferente, sem se ater a que a sentença também é prestação oriunda de obrigação."

Para Francisco Antonio de Oliveira9: "...a origem da ação rescisória pode ser encontrada no Direito Processual Romano, dividido em três períodos evolutivos e sucessivos: 1) Ações da lei, legis actiones (da Fundação até o 7º século); 2) Processo Formular (os três primeiros séculos de Império); 3) Processo Extraordinário (extra ordinem), no período imperial (Dominato). No período das legis actiones não existia no Direito Romano a possibilidade de revisão das sentenças. Contra elas o devedor podia apresentar o vindex, espécie de garante ou fiador que afirmava ser nulo o julgado. Caso as ponderações do vindex não fossem admitidas o devedor era obrigado a pagar em dobro. No período formulário é que surge a ação rescisória. Neste segundo período abandona-se o sistema das legis actiones por excessivamente formalista e adota-se a "fórmula", ou seja, o escrito elaborado com a indicação das questões a serem decididas pelo juiz. Já não havia mais a figura do vindex.

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Agora as partes possuíam um instrumento para obter o reconhecimento da nulidade da sentença. A ação rescisória romana possuía natureza declaratória, ou seja, somente a sentença absolutamente nula ou inexistente podia ser impugnada. Nos dois períodos acima assinalados, só se admitia o error in procedendo como ensejador da nulidade da sentença, nunca o error in judicando. Como...

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