Os Direitos de Solidariedade

AutorArion Sayão Romita
Ocupação do AutorAcademia Nacional do Direito do Trabalho
Páginas377-435

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Enquanto os direitos de liberdade e de igualdade se dirigem aos trabalhadores individualmente considerados, os direitos de solidariedade se referem aos vínculos que os unem. Seu objeto não reside na pessoa do trabalhador, mas na coesão da comunidade, ainda que visem à preservação do emprego, porque neste caso entra em jogo o interesse social voltado para o sustento do empregado e de sua família, sem onerar os aparelhos assistenciais e de seguridade social.

11.1. Generalidades

O vocábulo solidariedade é utilizado por diferentes ramos do saber humano e quase não é empregado em escritos jurídicos, ressalvada a categoria das obrigações solidárias (noção de direito civil). Poderíamos sofrer a tentação de supor que a solidariedade é uma noção puramente ideológica, vazia de conteúdo jurídico. Do ponto de vista sociológico, sem cogitar da distinção elaborada por Durkheim entre solidariedade mecânica e orgânica, pode entender-se que ela designa a dependência mútua entre os homens, que faz com que uma pessoa não possa sentir-se feliz e desenvolver-se sem que os demais também o possam. Cabe, assim, cogitar de um princípio de solidariedade, que induz a responsabilidade comunitária na vinculação entre os indivíduos, forçando a tomada de consciência das obrigações recíprocas assumidas pelos componentes do grupo, considerados como tais e não como indivíduos isolados.

A solidariedade revela o duplo aspecto da relação que envolve o indivíduo e a sociedade. Assim como o indivíduo está ordenado à comunidade em virtude da disposição natural para a vida social, assim também a comunidade é ordenada aos indivíduos que lhe dão o ser, porquanto comunidade outra coisa não é senão o conjunto dos indivíduos encarados em sua vinculação social.

O Direito do Trabalho, mais do que qualquer outro ramo do Direito, destaca o papel fundamental da solidariedade, pois se ocupa do estudo das associações sindicais, instituto central de um dos ramos em que se subdivide a disciplina: o Direito Coletivo do Trabalho. O associacionismo profissional, que está na base do fenômeno sindical, forma-se em torno do núcleo da

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solidariedade para fundar a união dos indivíduos entre eles, quer se trate de agregá-los em grupos de interesses quer de assegurar a coesão desses diferentes grupos. A solidariedade de interesses e a espontaneidade de aproximação dos exercentes de um mesmo ofício ou de uma profissão provoca a criação de uma associação permanente e organizada. O fato da solidariedade espontânea surge sempre entre os exercentes da mesma profissão ou ofício. Ensina Evaristo de Moraes Filho: "Importa assim a associação um fenômeno de solidariedade real entre seres afins, agrupando a associação pessoas semelhantes, indivíduos sensivelmente idênticos, ou relativamente iguais. Os interesses profissionais comuns levam os indivíduos a se aproximarem de modo permanente, criando um órgão próprio e duradouro capaz de lhes defender esses mesmos interesses. A proximidade do exercício do trabalho, a aglomeração nos mesmos locais de grandes massas de trabalhadores ou de empresas, a identidade de padrões de vida extra fábrica ou fora da casa de comércio, tudo isso serve de condicionamento básico para a efetivação da forma associativa dos grupos profissionais"1.

Os três pilares do Direito Coletivo do Trabalho são o sindicato, a negociação coletiva e a greve. A estes institutos vêm agregar-se outros, deles derivados, como a representação dos trabalhadores na empresa e os delegados sindicais. Mas os direitos fundamentais de solidariedade não se esgotam nessa relação, que abrange os direitos dos grupos (assim como os indivíduos são titulares de direitos, os grupos organizados também o são): há outros direitos de solidariedade que interessam aos indivíduos do grupo a que se vinculam por laços de solidariedade: proteção contra a despedida injustificada, direito à saúde e segurança no trabalho, limitação da duração do trabalho com direito a repouso diário, semanal e anual. A esses direitos, cumpre acrescentar o direito ao meio ambiente de trabalho saudável.

Serão analisados a seguir os seguintes direitos fundamentais de solidariedade: 1º - direito à sindicalização (liberdade sindical); 2º - negociação coletiva; 3º - greve; 4º - representação dos trabalhadores e dos sindicatos na empresa; 5º - proteção contra a despedida injustificada; 6º - direito ao repouso; 7º - saúde e segurança do trabalho; 8º - ambiente do trabalho.

11.2. Direito à sindicalização (liberdade sindical)

Dispõe a Constituição, no art. 8º: "É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organi-

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zação sindical; V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato".

Consagra a Constituição, de forma incompleta, o princípio de liberdade sindical. Sem dúvida, ela o acolhe nas versões de autonomia sindical e de liberdade individual (direito de não filiação), mas o repele em outros aspectos. A expressão liberdade sindical possui várias acepções. Engloba, na realidade, várias liberdades, ou um feixe de liberdades. Ela interessa: 1º - ao indivíduo; 2º - ao grupo profissional; 3º - ao Estado. Estão em jogo liberdades do indivíduo em face do grupo e vice-versa e do grupo em face do Estado. Diante das várias facetas que o problema da liberdade sindical apresenta, convém tentar sistematizar a matéria, adotando uma classificação, para o que de grande valia é a apresentada por Orlando Gomes e Elson Gottschalk:

  1. ) em relação ao indivíduo:

    I - liberdade de aderir a um sindicato;

    II - liberdade de não se filiar a um sindicato;

    III - liberdade de se demitir de um sindicato;

  2. ) em relação ao grupo profissional:

    IV - liberdade de fundar um sindicato;

    V - liberdade de determinar o quadro sindical na ordem profissional e territorial;

    VI - liberdade de estabelecer relações entre sindicatos para formar agrupamentos mais amplos;

    VII - liberdade para fixar as regras internas, formais e de fundo, para regular a vida sindical;

    VIII - liberdade nas relações entre o sindicalizado e o grupo profissional;

    IX - liberdade nas relações entre o sindicato de empregados e o de empregadores;

    X - liberdade no exercício do direito sindical em relação à profissão;

    XI - liberdade no exercício do direito sindical em relação à empresa;

  3. ) em relação ao Estado:

    XII - independência do sindicato em relação ao Estado;

    XIII - conflito entre a autoridade do Estado e a ação sindical;

    XIV - integração dos sindicatos no Estado.2

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    A liberdade de aderir a um sindicato é expressamente prevista pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

    O art. 1º do Decreto n. 951, de 6 de julho de 1992, dispõe: "O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, apenso por cópia ao presente decreto, será executado e cumprido tão inteiramente como nele se contém".

    O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1º de dezembro de 1966. O Congresso Nacional aprovou o texto do referido diploma internacional por meio do Decreto Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991.

    A Carta de Adesão ao Pacto Internacional em questão foi depositada em 24 de janeiro de 1992. O referido Pacto entrou em vigor, para o Brasil, em 24 de abril de 1992, na forma de seu art. 27, § 2º. O Decreto n. 591 o promulgou.

    O Brasil, portanto, ratificou o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Seus preceitos estão incorporados ao direito positivo brasileiro.

    Realmente, ratificação é o ato pelo qual o Poder Executivo, autorizado pelo órgão competente segundo a legislação interna, declara que o tratado deve produzir no país seus devidos efeitos. O tratado, por força da ratificação, incorpora-se à legislação interna. O fato da ratificação equivale à adoção de normas jurídicas internas iguais às estipuladas pelo tratado.

    Assim, os dispositivos do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais são normas jurídicas vigentes no Brasil. Geram direitos subjetivos, que podem constituir objeto de postulação perante os tribunais.

    O art. 8º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais dispõe:

    Os Estados partes do presente Pacto comprometem-se a garantir:

    1. o direito de toda pessoa de fundar com outras sindicatos e de filiar-se ao sindicato de sua escolha, sujeitando-se unicamente aos estatutos da organização interessada, com o objetivo de promover e proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades alheias;

      O alcance desse preceito deve ser avaliado à luz da noção de sindicalização como direito fundamental.

      O art. 5º, XVII, da Constituição de 5 de outubro de 1988 consagra a liberdade de associação: "é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar". A liberdade de sindicalização - manifesta-

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      ção da liberdade de associação - tem fins lícitos, logo, segundo o disposto no texto constitucional citado, deveria ser "plena", vale dizer, deveria ser proclamada sem qualquer tipo de restrição. Todavia, a Constituição brasileira em vigor, dando...

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