Direitos Sociais Trabalhistas no Brasil

AutorJames Magno A. Farias
Páginas42-98
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James Magno A. Farias
III
Direitos Sociais
Trabalhistas no Brasil
V erica-se que a Constituição Federal de 1988 adotou, ainda que tardiamente(60), um
modelo de bem-estar social para o Brasil; isso pode ser constatado pela simples leitura
dos arts. 1o, 3o, 5o, 6o, 7o, 8o, 9o e 170, por exemplo. A Constituição de 1988 é uma lha
temporã dos anos 60, uma época de construção de direitos típicos do welfare state e de grande
crescimento mundial.
A Constituição dividiu os Direitos e garantias fundamentais em “Direitos e Deveres
individuais e coletivos, Direitos Sociais, da Nacionalidade e dos Direitos políticos e dos
partidos políticos”.
No que pertine aos Direitos Sociais, há uma classicação, a partir do art. 6o da CF,
em Educação, Saúde, Trabalho, Associação Sindical, Direito de Greve, Lazer, Segurança,
Previdência Social, Assistência aos desamparados, Proteção à maternidade e à infância.
Dentre esses Direitos Sociais Constitucionais destaca-se o Trabalho. A PEC n. 47/2003 tentou
incluir a alimentação também como um direito social.
A Constituição Federal de 1988 menciona o trabalho logo no art. 1o, quando trata dos
Princípios Fundamentais, ao incluí-lo entre os Fundamentos Constitucionais no inciso IV,
como “os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa”, logo após a “dignidade da pessoa
humana”. Depois, volta a falar do trabalho no art. 5o, inciso XIII, ao dizer que “é livre o
exercício de qualquer trabalho, ofício ou prossão, atendidas as qualicações prossionais
que a lei estabelecer”.
Mais à frente, no art. 186, a Constituição Federal diz que a função social da propriedade
rural deve atender, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos
em lei, alguns requisitos, dentre os quais a “observância das disposições que regulam as
relações de trabalho” (inciso III).
A maior crítica feita à estrutura analítica da Constituição Federal de 1988 foi quanto a
seu suposto detalhismo, consistente na preocupação de levar ao texto constitucional várias
(60) A Constituição de 1988 deveria ter nascido em 1968, ano rebelde, de passeatas estudantis na França, de
protestos nos EUA contra a guerra vietnamita e mesmo no Brasil reprimido pela ditadura.
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Direito do Trabalho no Brasil – Panorama após a Reforma Trabalhista
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das disposições já previstas na legislação infraconstitucional. Por inferência, criticou-se,
qualquer assunto, por envolver matéria constitucional, poderia ser submetido à Suprema
Corte; tal fato conduziu a radicalizações, como a adoção de Súmulas de efeito vinculante. No
entanto, a normatização minuciosa pode ser entendida como uma virtude, pois a preocupação
em elevar a norma comum ao nível constitucional é fruto da liberdade pós-ditadura, ou
seja, do desejo de garantir um mínimo de direitos aos brasileiros.(61)
A história prova que mesmo em regimes autoritários, os governantes ngem reco-
nhecer direitos básicos e indispensáveis, como o de acesso à justiça, liberdade de opinião,
religião, contraditório e ampla defesa(62). Ou seja, o direito de ter algum direito está na lei,
mesmo na Constituição, apenas não é cumprido pelo Estado e por seus órgãos de poder.
Essa separação entre norma e realidade ou entre ecácia normativa e sua distância da
aplicação na vida quotidiana, resgata a ideia conceitual lassaliana de “C onstituição escrita”
e “Constituição real”. Com algum exercício visionário, pode-se perceber que os grupos de
interesses que estiveram presentes na elaboração da Constituição brasileira são os mesmos
que impedem a regulamentação complementar de pontos controversos.(63)
Uma rápida visão dos Direitos Sociais dos trabalhadores previstos na Constituição
Federal de 1988 revela que além da estabilidade ainda há vários outros direitos não
regulamentados. É o exemplo do “piso salarial proporcional à extensão e complexidade do
tr ab alh o”, da “proteção legal do salário, sendo crime sua retenção dolosa, do “adicional para
atividades penosas”, da “redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde,
higiene e segurança” (prevalecem as disposições da CLT e legislação esparsa, CIPAs), da
“assistência a lhos e dependentes em creches e pré-escolas até seis anos de idade”, da “proteção em
face da automação”, do “seguro contra acidentes de trabalho a cargo do empregador”, “proteção
do mercado de trabalho da mulher” e da “proibição de diferença entre trabalho manual, técnico
ou intelectual ou entre os respectivos prossionais
Há notórios defeitos crônicos envolvendo a Carta constitucional, em seus vinte anos de
vigência, como a inércia na edição de várias leis complementares, como no caso da proibição
da dispensa abusiva que substituiu a estabilidade decenal, ou na falta de regulamentação
do direito de greve dos servidores públicos; lembre-se, sobretudo, da facilidade com que
se alterou o corpo constitucional, com mais de meia centena de emendas. E essa inércia
infraconstitucional não foi sequer objeto de tentativa de conserto pela reforma trabalhista.
1. Estabilidade e garantia no emprego
O inciso I do art. 7o, da Constituição Federal é um dos pontos centrais de estudo
deste trabalho, mesmo não tendo sido ainda complementado pela norma constitucional,
(61) É claro que em um eventual (e espera-se que improvável) golpe político, a Constituição e as leis seriam
logo modicadas por um Parlamento “renovado” após um breve período fechado (assim como os demais
órgãos de decisão); e os Tribunais não teriam nal muito diferente, passando por uma “reforma em seus
quadros” para expurgar quem não atendesse aos interesses dominantes. Já se viu essa situação nas ditaduras
que existiram na Grécia, Peru, Argentina e no Brasil.
(62) Como no exemplo já apontado da Constituição de Weimar, de 1919, que mesmo sendo reconhecida pelo
seu conteúdo de proteção ao direito social, continuou em vigor, apenas de fachada, na Alemanha hitlerista.
(63) LASSALE, Ferdinand. A essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998. p. 39.
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segundo sua exigência literal. A proteção da relação de emprego faz-se necessária, pois no
mundo pós-moderno tudo é fruto do trabalho humano, no sentido homo faber arendtiano,
um trabalho que deve ser dignicado.
Estabilidade e garantia no emprego são termos que não se confundem, pois a garantia no
emprego absorve a estabilidade, que sendo mais restrita, diz respeito ao direito do empregado
de permanecer no emprego até que surja algum fato antijurídico que possibilite a rescisão de
seu contrato.
A garantia no emprego, por sua vez, está relacionada com todas as políticas públicas
e privadas relativas às condições de trabalho, implicando não apenas na preservação do
emprego, mas também em sua melhoria.
No atual modelo econômico, a estabilidade no emprego tornou-se sinônimo de um
sonho quase utópico, qual seja, o da permanência no emprego por tempo realmente longo
e indeterminado. Prevalece no Brasil o sistema de liberdade de contratação e dispensa de
trabalhadores pela empresa, segundo o qual um empregado pode ter seu contrato rescin-
dido sem justa causa, desde que previamente avisado disso, no mínimo com trinta dias de
antecedência, e que tenha sua rescisão de contrato formalizada, com assistência sindical ou
do Ministério Público. Isso se chama sistema de instabilidade no emprego e é consequência do
amplo poder diretivo do empregador.
Pode-se, prima facie, conceituar estabilidade como o direito que o trabalhador
adquire por lei ou contrato de não ter, sem motivo, rescindido seu contrato de trabalho.
A permissão rescisória decorre da prática de alguma falta grave no emprego ou, por ato de
livre vontade, próprio e expresso do trabalhador, quando pede para sair do emprego. A falta
grave é, então, o mencionado fato antijurídico que possibilita a rescisão de seu contrato
por parte do empregador. A estabilidade dá ao empregado o direito de não ter desfeito seu
contrato de trabalho por ato unilateral do empregador, a não ser mediante falta pessoal, por
mútuo consenso ou sentença constitutiva do juiz.(64)
Orlando Gomes e Elson Gottschalk dizem que:
A estabilidade tem natureza jurídica sui generis, o que não pode ser analisada senão
em relação a cada uma das partes do contrato de trabalho. No que diz respeito à
obrigação do empregador, possui os caracteres próprios do contrato por tempo deter-
minado, cujo termo nal é a cessação da vida prossional do empregado. Portanto,
do ponto de vista do empregador, a estabilidade seria um contrato a termo nal,
segundo a fórmula: certus an et incertus quando. A estabilidade vincula somente o
empregador, garantindo o empregado contra as incertezas geradas pela precariedade
da relação de emprego por tempo indeterminado.(65)
Américo Plá Rodriguez(66) denomina a estabilidade de “princípio da continuidade da
relação de emprego”, posto que se mantém no tempo, ao que continua. Classica a estabilidade
(64) MARANHÃO, Délio et al. Instituições de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 207.
(65) GOMES, Orlando et al. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 439-440.
(66) RODRÍGUEZ, Américo Plá. Los princípios del derecho del trabajo. Buenos Aires: Depalma, 1990 p. 175-177.
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