Direitos sociais em tempos de neoliberais: a constituição de 1988 e a crise permanente

AutorRenata Queiroz Dutra
CargoDoutora e Mestra em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Professora Adjunta de Legislação Social e Direito do Trabalho da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Analista Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho (TST)
Páginas34-58
!
34
DIREITOS SOCIAIS EM TEMPOS DE NEOLIBERAIS: A CONSTITUIÇÃO DE 1988
E A CRISE PERMANENTE
1
SOCIAL RIGHTS IN NEOLIBERAL TIMES: THE CONSTITUTION ON 1988 AND
THE PERMANENT CRISIS
Renata Queiroz Dutra
2
RESUMO
Pensar a efetividade dos direitos sociais no trintenário da Constituição de 1988 pressupõe
compreender em que medida os direitos sociais são alicerce das concepções de Estado
Democrático de Direito e Cidadania. Por outro lado, a contradição consiste em perceber que a
vigência da Constituição mais atenta e fiel às dimensões político-jurídicas desses dois conceitos
é atravessada justamente pela implementação e alargamento do neoliberalismo, com a
consequente instalação de uma crise permanente para toda racionalidade que se oponha aos
desígnios do mercado e institua outros parâmetros para a socialização humana, para o trabalho
e para a institucionalização das relações e conflitos sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos sociais; Constituição; Cidadania; Neoliberalismo.
ABSTRACT
Any thoughts on the effectiveness of social rights on the 30th anniversary of the 1988
Constitution requires an understanding of, in what level, social rights are the basis for the
concept of a Democratic State and of Citizenship itself. On the other hand, the contradiction
consists in noticing that the validity of a Constitution faithful to the juridical and political
dimensions of these concepts is trespassed by an ever-growing neoliberalism, followed by the
implementation of a permanent crisis to all rationality that stands in opposition to market rules
and that establishes other parameters for human socialization, work and the institutionalization
of social relationships and conflicts.
KEYWORDS: Social Rights; Constitution; Citizenship; Neoliberalism.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
!
1
As ideias desenvolvidas nesse artigo constaram, em uma primeira versão, na tese de doutorado defendida perante
o Programa de Pós-Graduação em Direito da UNB, sob o título “Trabalho, Regulação e Cidadania: a dialética da
regulação social do trabalho em call centers na região metropolitana de Salvador” (2017), recentemente convertida
no livro “Trabalho, Constituição e Cidadania: a dialética da regulação social do trabalho”, publicado pela editora
LTr em 2018.
2
Doutora e Mestra em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Professora Adjunta de
Legislação Social e Direito do Trabalho da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Analista Judiciária do Tribunal
Superior do Trabalho (TST).
!
35
Introdução
A Constituição Federal de 1988 alcança o seu trintenário e a questão da sua
efetividade, que vem sendo disputada imediatamente após sua entrada em vigor, torna-se ainda
mais latente.
O projeto constitucional traçado em 1988, sob os ares da redemocratização e com
ampla construção dos movimentos sociais organizados, traçou um horizonte consistente para a
sociedade brasileira, que, nos últimos 30 anos, tem enfrentado a contradição de reivindica-lo
como bandeira de luta, ao tempo em que o assiste se distanciar em face das novas imposições
econômicas e políticas globais: sobretudo a partir da década de 1990, “o mercado” tem imposto
seus desígnios à custa do direito e da Constituição.
Pensar o lugar dos direitos sociais nesse processo é pensar exatamente o pilar
caracterizador de um Estado Democrático de Direito, notadamente em países cuja noção de
cidadania não se encontra consolidada. É sob a égide da afirmação de direitos sociais que o
Estado liberal é superado, que o Estado social se soergue e que o Estado Democrático de Direito
se aperfeiçoa, atrelando vivamente as noções de democracia e cidadania.
Não obstante, esse trilhar de desenvolvimento do constitucionalismo social e dos
próprios modelos de Estado de Direito não se afigura linear e, especificamente na última quadra
do século XXI, é atravessado pela afirmação da racionalidade neoliberal, devassando o
conteúdo dos direitos sociais e, por conseguinte, as próprias noções de democracia e de
construção de arenas públicas para a cidadania.
No Brasil, a ruptura democrática de 2016 e as reformas que a sucederam, com destaque
para o congelamento dos gastos públicos (destinados à efetivação de direitos sociais) via
Emenda Constitucional nº 96, a reforma educacional, a reforma trabalhista e as iminentes
reformas previdenciárias e do Sistema Único de Sde compõem uma agenda política delineada
pelo neoliberalismo.
Seu conteúdo investe contra aquilo que caracterizava o projeto social da Constituição
de 1988 e que, em grande medida, estabelecia sua arquitetura institucional para a proteção não
de um sujeito de direitos abstrato, mas de um sujeito de direitos situado em termos de classe: o
trabalhador brasileiro.
Nesse ensaio, busca-se romper com a ideia de que o sacrifício dos direitos sociais é
cobrado em cenários de crise, até mesmo com respaldo na compreensão de que o capitalismo,

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT