Os Direitos Humanos no Mercosul

AutorCátia Cristina de Oliveira Bethonico
CargoMestranda em Direito Internacional Econômico pela Universidade Católica de Santos
Páginas1-19

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Introdução

Alguns países do Cone Sul1, como Argentina, Brasil, Chile e Uruguai passaram por transformações políticas semelhantes, onde se viu a instalação de regimes ditatoriais, nas décadas de 60 a 90 do século XX. O Paraguai possui um contexto político diferente porque a ditadura militar em seu território iniciou-se antes neste país, em relação aos demais, ora citados.

No contexto do regime militar, instituições democráticas como os parlamentos, os sindicatos, a imprensa, as universidades e tantas outras, foram parcial ou totalmente fechadas, censuradas ou perseguidas. Havia a suspeita em relação aos cidadãos individualmente e à sociedade civil de forma integral. Os direitos humanos, especialmente os fundamentais, sofreram graves violações, como a suspensão de habeas corpus, normas que não protegiam os prisioneiros de abusos, censura da mídia, e um clima de medo generalizado que criaram, conjuntamente, uma resistência e o surgimento de várias organizações de direitos humanos. Várias entidades de cunho nacional e internacional, como a Anistia Internacional, passaram a atuar nos países sul-americanos.

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Era visível o quanto os direitos humanos e a justiça se distanciavam do Estado à medida que o poder dos militares aumentava. Por isso, as organizações de direitos humanos atuavam mais no sentido de denunciar, sistematicamente, a violação dos direitos civis e políticos. Dessa forma, questões ligadas à raça e etnia, meio ambiente, que hoje integram os direitos humanos, por exemplo, não faziam parte da plataforma de tais organizações, naquela época.

Durante o período autoritário, essas entidades de direitos humanos tiveram importância diferenciada em cada país. Em geral, nos países onde o poder judiciário, a imprensa, as associações profissionais, a Igreja, possuíam visibilidade e influência na resistência ao autoritarismo, as organizações de direitos humanos não tinham papel central como em outros países onde elas constituíam as únicas instituições que resistiam aos regimes militares.

A reinstalação democrática nesses países deu-se na década de 80 (nos casos de Brasil e Argentina), e estendeu-se, no caso de alguns, até os anos 90 do século passado. As instituições democráticas voltaram, mas permaneceu a exclusão de pobres, não brancos e mulheres, embora hoje essas nações sejam governadas por regimes democráticos, que tiraram da sociedade civil a exclusividade da defesa dos direitos humanos.

Apesar do discurso defensor dos direitos humanos, há um abismo entre essa defesa e o real comprometimento com a implementação dos mesmos, haja vista que existe uma “lacuna entre a linguagem internacional de direitos humanos, a retórica governamental e proteção concreta destes direitos.”23

Sustentando isso, é interessante lembrar que nas duas ultimas décadas do século passado, os países do Cone Sul sofreram com os efeitos de uma crise econômica profunda (década de 80), que acarretou elevadas taxas negativas de crescimento e altos índices inflacionários. Já na década seguinte, tais índices econômicos foram controlados.

Assim, o Mercado Comum do Sul, no inicio dos anos 90 (no Brasil, a inflação ao foi controlada após 1994 com o Plano Real), nasceu em um contexto de uma maior estabilidade monetária. Mas não só o Cone Sul sofreu mudanças. À época do surgimento do bloco, o mundo também havia passado por mudanças que culminaram na chamada globalização, processo que “não se expressa de forma organizada, estruturada. Seu sujeito oculto, “oPage 3 mercado”, é um ordenador invisível, com regras sem paternidade impostas pelas forças dos fatos, quase como se fossem leis da natureza”.4

Em um mundo globalizado, as fronteiras entre os países perderam importância quando se trata de decisões sobre investimentos, produção, oferta, procura e financiamentos. Em conseqüência, tem-se uma rede cada vez mais densa de entrelaçamento das economias nacionais, uma crescente internacionalização da produção (os diferentes componentes de um produto final são manufaturados em diferentes países), e a criação de mercados mundiais integrados por inúmeros bens, serviços ou produtos financeiros. É, sem dúvida, um processo fomentado pelas transnacionais, que são os principais atores de tal mundialização da economia, e, por isso, são elas as maiores beneficiadas.

Com tais características, a globalização, embora tenha ajudado na disseminação dos direitos humanos em todos os continentes do planeta, sendo este um fator muito positivo em relação ao tema, em função dela, há um deterioramento do serviço de bem oferecidos pelos governos, bem como se tem visto um alargamento das diferenças entre ricos e pobres, distorção do mercado de trabalho e degradação do meio ambiente.

Assim, diante de um mundo inter-relacionado, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) nasceu em 1991, e, como o próprio nome sugere, com caráter fortemente econômico. A pretensão inicial dos países membros era a criação de uma união aduaneira.

Os direitos humanos como um tema importante para a concretização dos objetivos da integração econômica, tão desejada pelos países, é recente. O Foro Consultivo Econômico-Social é um órgão oficial de representação da sociedade civil mercosulina, e o Parlamento, recém criado, visa ajudar no sucesso do processo de integração por meio de medidas de implementação mediante cooperação inter-parlamentar, através de harmonização das legislações nacionais.

Essa organização internacional não efetivou nenhum tratado vinculativo que se reporte aos direitos humanos, com exceção do Protocolo de Ushuaia, que é o único instrumento que efetivamente trata de compromisso que beneficia os direitos humanos: a defesa da democracia. Sem democracia, é muito difícil acreditar que haja, no mínimo, respeito aos direitos humanos. E sozinho, Protocolo não passa de um beija-flor apagando um incêndio em meio a uma selva em chamas.

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Assim, é interessante abordar, no caso específico dos direitos humanos dentro do bloco, a importância do Parlamento e do Foro Consultivo para o MERCOSUL e para a sociedade civil mercosulina.

1. História do Mercosul

O MERCOSUL foi criado pelo Tratado de Assunção de 1991, assinado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, comprometendo-se estes com “ a integração dos quatro Estados Partes, por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, do estabelecimento de uma tarifa externa comum e da adoção de uma política comercial comum, da coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais e da harmonização de legislações nas áreas pertinentes, para alcançar o fortalecimento do processo de integração.”5

Um processo de integração econômica pode ser definido como "um conjunto de medidas de caráter econômico que têm por objetivos promover a aproximação e a união entre as economias de dois ou mais países. Em geral essas medidas começam com reduções de alíquotas tarifárias (ou seja, dos níveis de tarifas) aplicadas ao comércio entre os países que fazem parte do processo de integração. Depois, são reduzidas as restrições não-tarifárias, isto é, outras barreiras que limitam o intercâmbio entre as quais se incluem as proibições de importar determinados produtos (como a proibição de importar automóveis, que vigorava no Brasil até 1990) ou as exigências de anuência prévia do Governo do país importador (como a que, até 1992, incidia sobre a importação de farinha de trigo pelo Brasil).”6

Para que a integração ocorresse com sucesso, “as ações dos governos concentraramse, em grande medida, na solução dos conflitos e tensões entre as partes, de modo a evitar que as pressões dos agentes privados e os obstáculos surgidos durante o processo de negociação inviabilizassem o estabelecimento da união aduaneira7 na região.”8

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Em virtude da preocupação econômica, são poucos os instrumentos que o bloco criou especificamente para os direitos humanos. São algumas declarações e compromissos sem poder vinculativo, que apenas espelham o pensamento que os países membros devem seguir.

Em 1991 foi assinado o Protocolo de Brasília, que criou um Sistema de Solução de Controvérsias “para o fortalecimento das relações entre as Partes com base na justiça e na eqüidade”9

Mas o MERCOSUL só ganhou personalidade jurídica em 1994 através do Protocolo de Ouro Preto, que também criou as bases estruturais do bloco. Em 1998 foi assinado um compromisso democrático entre os membros por meio do Protocolo de Ushuaia. Um novo sistema de solução de controvérsias foi gerado pelo Protocolo de Olivos, de 2002, que estabeleceu uma nova instância de revisão perante os laudos arbitrais emanados pelos Tribunais ad hoc (anteriormente criados pelo Protocolo de Brasília), o Tribunal Permanente de Revisão. E mediante a assinatura do Protocolo de Adesão da Venezuela, em 2006, este passou a incorporar o bloco como membro.

2. Estrutura do Mercosul

Foi o Protocolo de Ouro Preto que modificou parcialmente o Tratado de Assunção e deu personalidade jurídica internacional ao MERCOSUL. Além disso, criou uma estrutura institucional diferente da prevista pelo Tratado de Assunção, e manteve o caráter intergovernamental do MERCOSUL.

Os órgãos criados por este protocolo são os seguintes:

a) Conselho do Mercado Comum (CMC): é o órgão de cúpula e o responsável pela condução política do processo de integração, bem como pela tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos...

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