Direitos e Garantias Constitucionais

AutorIonete de Magalhães Souza
Ocupação do AutorGraduada em Direito e Pós-Graduada lato sensu pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Advogada
Páginas21-56

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1 Princípios constitucionais: autoaplicabilidade e efetividade

As lutas históricas da civilização humana e o próprio momento de transformação no tempo podem ser afirmados nos direitos de liberdade, nos direitos políticos e nos direitos sociais. E levarão a muito mais transformações com o avanço civilizatório e tecnológico.

O que historicamente sempre se viu foi uma passagem de direitos em sentido fraco (normas naturais ou morais) para um sistema em sentido forte (sistema jurídico). Entretanto, com as declarações/cartas de direitos ocorre o inverso. Dessa maneira, dever-se-á estar atento para não confundir “direitos” e “promessas de direitos”, cuja superação da larga diferença se dará pelas forças políticas.

As expressões “direitos do homem” ou “direitos humanos” ou “direitos fundamentais” (sem unanimidade se de mesmo sentido) são de difícil definição e variáveis, conforme épocas históricas e civilizações. São heterogêneas, algumas com pretensões diversas entre si ou até incompatíveis. Portanto, não há que se falar em fundamento absoluto dos direitos do homem.

A proteção de direitos é vista como função primordial de um Estado, cujo papel jurídico é caracterizador. Daí a expressão “Estado de Direito”. A tutela jurídica e a proteção dos direitos

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dos cidadãos, garantindo a cada um a segurança e o bem social devidos, são deveres primários do Estado na busca de uma sociedade equilibrada e justa no gozo de seus direitos.

O Estado deve ser visto como o meio que facilita ao homem atingir o fim desejado, numa ordem jurídica; cabendo, sobretudo, ao Estado Social, dispensar o suporte necessário.

O Estado Social é analisado como uma Criatura da Sociedade, fazendo com que se abstraia da sua função social o compromisso intrínseco com o bem comum (crenças, valores e informações) e interferência na vida do cidadão. Esse Estado, portanto, é subordinado a uma regra de justiça social na distribuição de seus benefícios.

A teoria do Estado social se acha direta e imediatamente vinculada nas Constituições de nosso tempo ao capítulo da Ordem Econômica e Social e portanto à extensão e verticalidade dos preceitos que se relacionam com essa ordem, [...]. (BONAVIDES, 1995, p. 223)

A CRFB/1988 se apresenta como a Lei Fundamental que deverá regular o exercício dos poderes públicos, garantindo os direitos e as aspirações justas dos cidadãos. Tem-se como justo, numa ordem geral, aquilo que visa resguardar a liberdade de cada um, valorizando o direito de todos e consequente tranquilidade social.

O “Estado Democrático de Direito” tem como característica a constitucionalização de Direitos fundamentais contida em várias “Declarações”, que deve ser assegurada para evitar qualquer abuso de poder, além de garantir aos governantes uma legitimidade democrática. Os direitos fundamentais são históricos, inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis; sendo ademais limitadores dos poderes do Estado. A importância desse assunto está na discussão e no desenvolvimento de um

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raciocínio amplo e efetivo de como são vistos os direitos fundamentais nos moldes constitucionais.

Os princípios se encontram no mais elevado nível hierárquico do ordenamento jurídico, sendo normas efetivas e não apenas ideais ético-políticos. A normatividade dos princípios é primordial se se pensar nos direitos humanos, que são vistos, por sua vez, como exigências de respeito à dignidade humana, independentemente de poderes e regulamentações oficiais ou não. Os princípios estabelecidos em constituições democráticas são resultados de direito natural, ou seja, da justiça e dos direitos humanos de outras épocas, hoje positivados. Daí dizer que os direitos fundamentais nada mais são do que direitos humanos positivados.

Para Ronald Dworkin, a subdivisão das normas é feita entre “diretrizes” e “princípios”, em que as primeiras dizem respeito aos objetivos sociais, que devem ser alcançados, e os últimos se relacionam com a justiça e a equidade, sendo, portanto, mais genéricos1. Mas as normas constitucionais podem ser vistas, mais usualmente na doutrina, como “normas-princípios” e como “normas-regras”. As regras jurídicas são aplicáveis por completo ou não são aplicadas, já os princípios atuam de modo diverso, haja vista que, quando dois princípios estão em confronto, um prevalece sobre o outro. Nenhum princípio constitucional deve ser considerado isoladamente ou autossuficiente. Portanto, os princípios dão fundamento aos subprincípios e demais regras

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de uma sistemática normativa, sendo vinculados entre si. Violar um princípio é mais grave que transgredir uma norma. A eficácia e concretização dos princípios constitucionais dependem da concepção metodológica de Direito Constitucional. A aplicação do campo de incidência dos princípios não afeta a sua vigência quando da existência de conflito normativo, como ocorre com as regras de direito, que são revogadas por normas ulteriores. Poder-se-á, assim, analisar vários conceitos de princípios constitucionais, segundo autores diversos2.

Existem princípios constitucionais de organização, como os que definem a forma de Estado; princípios constitucionais cuja finalidade precípua é estabelecer direitos; e, ainda, princípios constitucionais de caráter programático, como a justiça social, entre outros. Como características dos princípios citam-se a generalidade; a objetividade; a atualidade; a vinculabilidade; a complementariedade e a normatividade jurídica, etc. Sem qualquer pretensão de se esgotar o tema “princípios”, poderão ainda ser citados os que são considerados “princípios pétreos”, que são a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação de Poderes; e os direitos e garantias individuais3.

Os princípios e as regras são espécies do gênero “norma jurídica”. Às regras, obedece-se, aos princípios se presta adesão. Os princípios não possuem um caráter prescritivo como as regras, mas impõem-se aos fatos reais, adquirindo valor. A generalidade é característica básica deles, podendo ter muitas aplicações, que serão compreendidas frente a outros princípios pertencentes ao ordenamento jurídico. Determinada ordem jurídica é sustentada pelas premissas básicas dos princípios constitucionais, indicando os caminhos que devem ser percorridos.

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A função própria dos princípios é dar unidade ao sistema jurídico, direcionando a aplicação de suas normas e solucionando lacunas. Buscam sua força teórica no Direito não só como ordem jurídica, mas também no Direito enquanto ciência. As fases da normatividade dos princípios, conforme Paulo Bonavides, são: jusnaturalista, positivista e pós-positivista (BONAVIDES, 1998, p. 232). Tais princípios são normas elevadas pelo constituinte como fundamentais na ordem jurídica que institui, espalhando-se por todo o sistema, sendo a síntese dos valores mais relevantes.

Em conformidade com Gomes Canotilho, a Constituição é um sistema aberto de regras e princípios (CANOTILHO, 1999,
p. 1.085-1.113). Tanto que, para resolver conflitos entre princípios constitucionais, tem-se uma concordância ou ponderação prática entre os princípios conflitantes. A solução advém da escolha do mais adequado para a composição da lide, nos moldes da proporcionalidade e da razoabilidade. Não há que se admitir o apego exagerado ao legalismo estatal, deixando em segundo plano a realidade social, para que não haja comprometimento das diretrizes organizacionais democráticas de uma comunidade política. A questão da ponderação diz respeito ao controle do resultado para um direito em conflito, valorizando, dessa maneira, o princípio da proporcionalidade como somatório à democracia. O equilíbrio entre o Legislativo e o Judiciário deve ser buscado à saciedade no princípio da proporcionalidade constitucional. Gomes Canotilho cita quatro categorias para os princípios: princípios jurídicos fundamentais (ex.: o acesso à Justiça); princípios políticos constitucionalmente conformadores (ex.: presidencialismo, Estado de Direito); princípios constitucionais impositivos (ex.: solidariedade, convivência justa); princípios-garantia (ex.: juiz natural, motivação das decisões judiciais).

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Na busca da eficácia dos direitos e garantias fundamentais do cidadão surge o processo como instrumento apoiado em princípios, constituindo realidades jurídicas que devem guardar conformação com a CRFB/1988. No âmbito da cidadania, o processo é o caminho da efetividade das garantias constitucionais asseguradas. Os mecanismos de tutela dos direitos fundamentais estão intimamente ligados à criatividade judicial em prol do povo, tornando-se cada vez mais eficazes, quando ultrapassadas as barreiras que obscurecem a ordem jurídica de bem servir a maioria carente.

No dizer de Cândido Rangel Dinamarco, “o processo é instrumento a serviço do direito substancial e isso justifica a preocupação de oferecer meios eficazes e seguros para que a busca seja produtiva e o direito substancial cumprido.” (DINAMARCO, 1993, p. 233).

A solidariedade, como um dos princípios axiológicos do sistema universal de direitos humanos, fundamenta-se na ideia da justiça distributiva, em que se verá a responsabilidade de todos pelas carências de qualquer indivíduo ou grupo. Foi a partir desse princípio que veio o amparo aos direitos sociais, com vistas a resguardar os direitos dos mais pobres, daqueles que não possuem recursos para viver dignamente.

A autoaplicabilidade dos princípios deve ser vista como forma natural de agir nos meios competentes para tal, não...

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