Direitos Fundamentais e Tecnologias de Informação e Comunicação

AutorJorge Pegado Liz
CargoAdvogado. Membro do CESE (Bruxelas)
Páginas75-93

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1. Novos instrumentos e novas tecnologias de informação, de comunicação e de entretenimento

1.1. A internet e as tecnologias das comunicações (a seguir designadas por "tecnologias em linha") foram previstas e concebidas como instrumentos de comunicação para os representantes do mundo académico e os investigadores; contudo, atualmente são utilizadas em privado, nas empresas e nas administrações públicas na maior parte dos países do mundo.

1.2. As Redes Sociais de Comunicação (RSC) caracterizam-se, no essencial, por serem serviços em linha que têm por inalidade a criação e agregação de comunidades de pessoas que partilham atividades ou interesses comuns, ou que estejam simplesmente interessadas em conhecer as preferências e as atividades de outras pessoas, e que disponibilizam um conjunto de funcionalidades que permitem a interação entre os utilizadores1.

1.3. As RSC apresentam uma rápida expansão (alegadamente 211 milhões de pessoas e aproximadamente três quartos dos internautas, estimados em 282,7 milhões, frequentam regularmente estes serviços online), sendo fundamentalmente utilizados por jovens a partir dos 16 anos, mas com uma taxa de idelidade relativamente reduzida no caso de alguns serviços. Em 2009 a Comissão2estimava que as RSC atraíam cerca de 40 milhões de utilizadores regulares na Europa, logo no ano seguinte a sua utilização aumentou cerca de 35% e as estimativas para 2011 aproximam-se dos 200 milhões sendo responsável por cerca de quatro minutos de cada cem passados online, e representa mais de 30% do tempo total passado em sites de RSC.

1.4. Paralelamente, as marcas multinacionais aderiram ao novo fenómeno publicitando cada vez mais os seus produtos e serviços nas RSC, por vezes de forma desleal. A partir da campanha de Obama, também as máquinas partidárias resolveram utilizar estes novos serviços, como se veriicou nas recentes eleições para o Parlamento Europeu. O próprio Vaticano aderiu ao Facebook (Pope2you.net). Até o nosso PR "twitta".

2. A noção de "meio virtual": vantagens e perigos; a importância de saber fazer

2.1. De um modo sucinto, poderemos airmar que as principais características das RSC consistem na tendencial gratuidade do serviço, o rápido e exponencial crescimento do número de utilizadores, a sua

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extraordinária valorização económica, a facilidade de utilização e a disponibilização de funcionalidades que permitem a interação entre os utilizadores dos serviços.

Os serviços de RSC na internet são um fenómeno social emergente, cuja componente tecnológica se acha em permanente evolução e que reconhecidamente altera o modo como as pessoas se inter-relacionam e interagem umas com as outras através da internet.

2.2. A internet melhorou a qualidade de vida de muitas pessoas, especialmente dos jovens, dos idosos e de pessoas com deiciências. Constitui um instrumento de comunicação único, que atualmente se torna cada vez mais uma "rede social". A emergência de novas tecnologias e serviços é fundamental para a inovação e o crescimento das empresas do mundo inteiro. Os jovens são frequentemente os primeiros a compreender as possibilidades destas inovações e a adotá-las. Todavia, esta evolução é acompanhada de abusos, o que constitui uma preocupação cada vez maior.

A nova dinâmica dos estilos de vida, das famílias e dos modelos de emprego provocou mais períodos de independência ou isolamento. São incontestáveis os aspectos positivos associados ao desenvolvimento das RSC, designadamente, o seu contributo para:

(i) a garantia e o exercício da liberdade de expressão em determinados contextos sociais e políticos;

(ii) a criação e agregação de comunidades em linha;

(iii) o (re)encontro de amigos e familiares e a possibilidade de comunicarem entre si;

(iv) a prevenção de situações de risco para os menores e a possibilidade destes pedirem ajuda através das RSC;

(v) a promoção de bens e de serviços e o incremento do comércio electrónico.

2.3. Importa, no entanto, ter em atenção que principalmente as crianças utilizam de maneira ativa, e cada vez mais, as tecnologias em linha. Não obstante as vantagens da interatividade e da participação no ambiente em linha, as crianças também estão confrontadas com consideráveis riscos associados à utilização das RSC para ins ilícitos ou prejudiciais, designadamente ao desenvolvimento dos menores3, de que se destacam, entre outros: a) prejuízo direto enquanto vítimas de exploração sexual documentada por fotograias, ilmes ou icheiros de áudio divulgados em linha (material pedopornográico);

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b) perpetuação da exploração sexual das vítimas através do confronto visual repetido com os registos que são amplamente divulgados em linha e estão disponíveis em todo o mundo; c) contato direto com os predadores que procuram estabelecer relações de amizade com o objetivo de cometerem abusos sexuais (aliciamento); d) vítimas de assédio no ambiente em linha (ciberassédio); e) a veriicação de traumas psicológicos originados por insultos veiculados por meio desses serviços; f) a exibição de fotograias e de vídeos com adolescentes nus ou seminus, próprios ou de outros; g) os anúncios explícitos de prostituição e de serviços de "acompanhamento" (escort); h) a violação reiterada da privacidade e da honra e dignidade pessoal; i) o atentado à saúde física e mental dos seus utilizadores; j) os apelos à violência, ao racismo e à xenofobia; k) a divulgação de ideologias totalitárias de caráter fascista ou fazendo a apologia do nazismo; l) os suicídios de jovens, alegadamente em consequência da divulgação de certas situações do foro íntimo através destas redes.

Acresce que existe um "fosso entre gerações", potencialmente cada vez maior, entre, por um lado, a utilização das tecnologias em linha e a percepção dos seus riscos pelas crianças e jovens, e, por outro lado, a compreensão destes modos de utilização pelos adultos.

2.4. Deverá igualmente ser tido em consideração a nova geração de tecnologias associadas às RSC, designadamente as aplicações que permitem a geolocalização dos utilizadores de tais redes, as que recorrem a tecnologias de reconhecimento de rostos permitindo a sua associação a contas de RSC e as novas possibilidades de interação com os telefones móveis da última geração.

Acresce a circunstância deste tipo de redes serem facilmente utilizadas para a disseminação de vírus, como aquele que afetou o Twitter no im de semana de 11 e 12 de abril de 2009 e gerou automaticamente mais de 100.000 mensagens, prejudicando um número indeterminado de contas.

2.5. No âmbito da iniciativa Safer Internet Forum, a Comissão submeteu a consulta pública4um questionário que abordou a temática das RSC, podendo

Os serviços de RSC na internet são um fenômeno social emergente

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extrair-se da leitura dos contributos recebidos5que o cyberbullying, a invasão da privacidade e o grooming foram apontados como os principais e mais comuns perigos que os menores enfrentam na utilização das RSC.

2.5.1. A propósito do cyberbullying6, constata-se que 54% dos pais europeus estão preocupados com a possibilidade dos seus ilhos poderem ser vítimas de tal prática. Mais de 80% dos pais na França, Grécia e Portugal estão preocupados com a possibilidade dos seus ilhos serem objeto de bullying quando utilizem a internet ou o telemóvel. Já em certos países com forte tradição na defesa dos direitos das crianças e na sua educação, como na Dinamarca, na Suécia e na Finlândia, os pais aparentam uma maior coniança na segurança dos seus ilhos aquando da utilização da internet, sendo que 69% não estão tão preocupados com a possibilidade de serem vítimas de cyberbullying.

No Reino Unido, segundo as conclusões alcançadas num recente inquérito dirigido a 2000 jovens entre os 11 e 18 anos, concluiu-se que um em cada três jovens era vítima de cyberbullying através das RSC e de mensagens SMS, sendo que as raparigas eram quatro vezes mais atreitas a serem vítima de tais abusos do que os rapazes.

2.5.2. A proteção da privacidade é um dos outros grandes problemas associados à utilização das RSC. Na 30ª Conferência Internacional das Autoridades de Proteção de Dados e da Privacidade, ocorrida em Estrasburgo entre 15 e 17 de outubro de 2008, foi adotada uma resolução sobre a proteção da privacidade nos serviços de redes sociais, cujas recomendações merecem especial consideração e ponderação7. É no seu seguimento e à sua luz que deve ser interpretada a recente evolução que conduziu à mais recente proposta da Comissão para um regulamento e uma diretiva destinados a uma mais efetiva proteção de dados.

2.5.3. Também no acordo de autorregulação "Safer Social Networking principles for the EU", celebrado no dia 10 de fevereiro de 20098, entre os operadores das principais RSC que atuam na Europa, foram claramente identiicados os potenciais riscos a que estão expostos os menores de 18 anos que utilizam esses sítios: o assédio (assédio de crianças em sítios internet ou por SMS), a manipulação psicológica (a conquista da amizade de uma criança por um adulto com a intenção de abusar dela sexualmente) e os comportamentos de risco, como a revelação indevida de informações pessoais para inalidades ilícitas.

2.6. No âmbito de um Parecer de Iniciativa do CESE, de que fui relator, sobre "O impacto das redes sociais de comunicação e interação na esfera do cidadão/consumidor"9foi realizada uma audição com larguíssima participação dos mais representativos interessados na operação e na utilização das RSC,

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ONGs e consumidores, para além de representantes do Conselho, da Comissão, da ENISA, da Autoridade Europeia para a Proteção de Dados e de autoridades nacionais interessadas, da qual...

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