A Construção dos Direitos Fundamentais no Trabalho no Cenário Internacional

AutorJouberto de Quadros Pessoa Cavalcante; Francisco Ferreira Jorge Neto
Páginas338-347

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1. Considerações iniciais

Como reflexos da consolidação dos direitos sociais no séc. XIX, o início do séc. XX é marcado por dois importantes fenômenos dos direitos sociais, sua constitucionalização1 e internacionalização.

No cenário internacional, os direitos fundamentais representam uma conquista da Humanidade e procuram garantir a todos um patamar digno de direitos.

A construção dos direitos fundamentais no trabalho vem contribuindo para a efetivação dos preceitos da dignidade da pessoa humana.

2. Diplomas internacionais sobre os direitos fundamentais no trabalho

No cenário internacional, inúmeros tratados, convenções, declarações internacionais trazem direitos fundamentais no trabalho, dentre os quais merecem destaque: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948); a Carta Social Europeia (1961); a Convenção Europeia de Direitos Humanos (1950); a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais (1948); Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965); Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1965); Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica); a Declaração Sociolaboral do Mercosul (1998) etc.

Além das Cartas da OIT (Declaração da Filadélfia, Constituição e Declaração de Princípios Fundamentais e Direitos no Trabalho, obrigatórias a todos os Estados- -membros), os instrumentos normativos da OIT compreendem: as convenções2, as recomendações3 e as resoluções4.

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3. Os direitos fundamentais no trabalho nos diplomas internacionais

No mundo Contemporâneo, um dos principais diplomas de direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) traz, entre outros, com direitos fundamentais relacionados ao trabalho: (a) ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas (art. IV); (b) todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego (art. XXIII, 1); (c) todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho (art. XXIII, 2); (d) todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social (art. XXIII, 3); (e) todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses (art. XXIII, 4); (f) todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas (art. XXIV).

O Pacto de Direitos Civis e Políticos5 (1966) elenca como direitos fundamentais no trabalho a proibição ampla de todas as formas de trabalho escravo e servidão (art. 8º) e a liberdade de associação, inclusive sindical, para a defesa de seus interesses (art. 22).

Por sua vez, o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais6 (1966) coloca como direitos fundamentais no trabalho (arts. 7º): (a) uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores; (b) um salário equitativo e uma remuneração igual por um trabalho de igual valor, sem qualquer distinção; em particular, as mulheres deverão ter a garantia de condições de trabalho não inferiores às dos homens e perceber a mesma remuneração que eles, por trabalho igual; (c) uma existência decente para eles e suas famílias, em conformidade com as disposições do próprio Pacto; (d) condições de trabalho seguras e higiênicas; (e) igual oportunidade para todos de serem promovidos, em seu trabalho, à categoria superior que lhes corresponda, sem outras considerações que as de tempo, de trabalho e de capacidade; (f) o descanso, o lazer, a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas, assim como a remuneração dos feriados.

Em relação aos direitos fundamentais de natureza coletiva no trabalho, Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais traz: (a) o direito de toda pessoa de fundar com outros sindicatos e de filiar-se ao sindicato de sua escolha, sujeitando-se unicamente aos estatutos da organização interessada, com o objetivo de promover e de proteger seus interesses econômicos e sociais. O exercício desse direito só poderá ser objeto das restrições previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades alheias; (b) o direito dos sindicatos de formar federações ou confederações nacionais e o direito destas de formar organizações sindicais internacionais ou de filiar-se às mesmas; (c) o direito dos sindicatos de exercer livremente suas atividades, sem quaisquer limitações além daquelas previstas em lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, ao interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades das demais pessoas; (d) o direito de greve, exercido em conformidade com as leis de cada país (art. 8º).

Além desses direitos, também se reconhece o direito de toda pessoa à previdência social, inclusive ao seguro social (art. 9º).

A Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) (1969) traz: (a) proibição da escravidão e servidão (art. 6º); (b) liberdade de associação, inclusive sindical (art. 16).

4. Os direitos fundamentais no trabalho no âmbito do Mercosul

No primeiro momento, a integração econômica dos Estados-membros do Mercosul não parece se preocupar com as questões trabalhistas, na medida em que não havia dispositivos que cuidassem da relação de trabalho no Tratado de Assunção7 de forma expressa8 e porque apenas após a reivindicação de setores da sociedade é que se criou um Subgrupo de Trabalho destinado ao estudo dos problemas trabalhistas.

Isso talvez, como esclarece Paulo Roberto de Almeida9, ocorra porque:

a questão social, portanto, dificilmente pode colocar-se de maneira prioritária nos movimentos ‘naturais’

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de aproximação econômica, não porque ela não seja importante, mas porque as forças sociais que a sustentam na prática intervêm apenas a partir de uma determinada etapa histórica no desenvolvimento do processo de integração. [...]

As bases reais dos processos de integração são, portanto, indubitavelmente, econômicas e comerciais, sem o que esses processos simplesmente não se sustentariam na prática.

O atraso integracionista das questões sociais, segundo Armando Álvares Garcia Júnior10, "tem sua lógica, pois, primeiramente, é necessário consolidar as bases econômicas e comerciais".

Num sistema de integração regional, para a doutrina integracionista11, o tratamento prioritário é das questões econômicas que são fundamentais para o desenvolvimento de um Mercado Comum.

Contudo, o trato com os problemas sociais e laborais é inevitável, pois, segundo Octavio Bueno Magano12, "a crescente integração das comunidades humanas, decorrentes do aperfeiçoamento dos meios de comunicação e que tende a transformar a sociedade mundial numa global village", resulta em um incremento do número e da importância de situações cujos elementos se mostram em conexão com mais de uma ordem jurídica nacional, guardando especial relevo no que "toca às relações de trabalho, e isso em virtude da maior mobilidade tanto da força de trabalho como do capital".

Após reconhecer a prioridade que se dá às questões econômicas e comerciais, Cássio Mesquita Barros afirma que isso não quer dizer que as questões sociais não devam integrar a pauta da integração regional. Na verdade, isso é essencial, porque a constituição de qualquer bloco econômico sempre provoca desconfianças de parcela dos atores sociais que se veem atingidos por uma competitividade acelerada, pelo agravamento de suas condições de vida, por diferenças raciais, linguísticas, de tradição, de ideologia etc.

No que diz respeito aos aspectos sociais no processo de integração do Mercosul, Oscar Ermida Uriarte13 aponta:

Por su parte, el "lado social" del Mercosur no estuvo presente desde los orígenes. En efecto, los derechos sociales y de ciudadanía no aparecen en los tratados constitutivos del Mercosur ni han sido desarrollados en normas "derivadas", sino tardía y tal vez escasamente, en el plano laboral, a pesar de que se reconoce la existencia de una importante dimensión social de la integración.

No Tratado de Assunção, as questões sociais foram deixadas de lado14, contudo é inegável que a preocupação com o trabalho humano tenha permeado esse tratado, em seu preâmbulo, que dispõe:

Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, pela integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social; [...] Convencidos da necessidade de promover o desenvolvimento científico e tecnológico dos estados- -partes e de modernizar suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens e serviços disponíveis a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes.

Além disso, o art. 1º, 2ª parte, letra a, do Tratado de Assunção, dispõe que o Mercado Comum implica a "livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos aduaneiros e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias e...

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