A maximização dos direitos fundamentais econômicos e sociais pela via administrativa e a promoção do desenvolvimento

AutorDaniel Wunder Hachem
Páginas340-399
A MAXIMIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ECONÔMICOS E SOCIAIS
PELA VIA ADMINISTRATIVA E A PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
ISSN 1982-0496
Licenciado sob uma Licença Creative Commons
Daniel Wunder Hachem
Professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Paraná.
Doutorando e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná.
Coordenador do Curso de Especialização em Direito Administrativo do Instituto de Direito
Romeu Felipe Bacellar. Membro fundador e Coordenador Executivo da Rede Docente
Eurolatinoamericana de Direito Administrativo. Membro do NINC - Núcleo de
Investigações Constitucionais do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Paraná. Editor Acadêmico da A&C - Revista de Direito
Administrativo & Constitucional. Advogado.
Resumo
Analisando as tendências contemporâneas do Direito Público brasileiro
em termos de direitos fundamentais econômicos e sociais, o presente
artigo busca refutar a concepção segundo a qual o papel do Estado
resume-se a assegurar somente condições mínimas de existência
digna ao cidadão, necessárias ao exercício das liberdades, bem como a
ideia de que o Poder Judiciário, mediante a concessão de prestações
individuais, é a via mais adequada para a efetivação desses direitos. A
partir de uma leitura da Constituição de 1988, propõe-se que a
promoção do desenvolvimento, um dos objetivos fundamentais da
República, reclama a postura interventiva de uma Administração
Pública inclusiva, por meio de ações universalizadas, que não se
restrinjam à garantia do mínimo existencial. Defende-se que ao Estado
não incumbe uma função subsidiária nessa seara, limitada a
proporcionar uma igualdade de oportunidades entre os indivíduos
como ponto de partida; pelo contrário, a ele compete a implementação
de políticas públicas de modo planejado, com vistas à redução das
desigualdades entre as posições sociais existentes na realidade
brasileira.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais Econômicos e Aociais;
Administração Pública; Desenvolvimento.
THE MAXIMIZATION OF FUNDAMENTAL ECONOMIC AND SOCIAL RIGHTS
THROUGH PUBLIC ADMINISTRATION AND THE PROMOTION OF DEVELOPMENT
Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 340-399, janeiro/junho de 2013.
Abstract
Analyzing contemporary tendencies of Brazilian Public Law in terms of
fundamental economic and social rights, this article seeks to refute the
conception according to which the State’s role is limited to ensure to
citizen only minimum conditions of decent existence, required to
exercise the liberties, as well as the idea that the judiciary, by providing
individual benefits, is the most appropriate path for the realization of
these rights. From a reading of the 1988 Constitution, it is proposed that
the promotion of development, one of the fundamental objectives of the
Republic, demands an interventionist posture of an inclusive Public
Administration, through universalized actions, which are not restricted
to the guarantee of the existential minimum. It is argued that the State
function in this area is not subsidiary, limited to provide an equal
opportunity for individuals as a starting point, but rather it is the duty of
implementation of public policies in a planned way, aiming to reduce
inequalities between the social positions that exist in Brazilian reality.
Keywords: Fundamental Economic and Social Rights; Public
Administration; Development.
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1. TENDÊNCIAS DO DIREITO ADMIN ISTRATIVO BRASILEIRO: ENTRE
INTERVENÇ ÃO ESTATAL E SUBSIDIARIED ADE
Não é novidade afirmar que os contornos do Direito Administrativo estão
intrinsecamente ligados ao modelo de Estado no qual cada sistema normativo se
encontra inserido, de modo que as tendências dos ordenamentos jurídico-
administrativos costumam acompanhar as feições assumidas pelos Estados nos quais
são forjados. Tampouco é inovadora a constatação de que nos últimos séculos os
Estados experimentaram significativas transmutações, notadamente no que tange aos
limites de sua intervenção na autonomia do indivíduo e nas relações interprivadas. Por
consequência, não será uma grande descoberta concluir que o Direito Administrativo
tem passado por constantes mudanças, em um contínuo processo de transformações,
marcado por idas e vindas, a depender da organização política que estiver sob exame.
O que releva investigar, no entanto, são as repercussões que essas mudanças
na configuração política dos Estados produzem sobre os seus respectivos sistemas de
Direito Administrativo. Ainda que se possa, contemporaneamente, identificar traços
comuns de caráter geral entre os distintos ordenamentos, a ponto de se cogitar da
1
formação de um “Direito Administrativo Global”, não há dúvidas de que cada realidade
concreta merece análise pormenorizada, por revestir-se de peculiaridades que a
1 Sobre o tema, ver: MEILÁN GIL, José Luis. Una aproximación al Derecho Administrativo Global.
Sevilla: Global Law Press/Editorial Derecho Global, 2011; RODRÍGUEZ-ARANA MUÑOZ, Jaime. El
derecho administrativo global: un derecho principial. Revista Andaluza de Administración Pública, nº 76,
Sevilla, Instituto Andaluz de Administración Pública, p. 15-68, ene./abr. 2010; e KINGSBURY, Benedict;
STEWART, Richard B.; KRISCH, Nico. El surgimiento del Derecho Administrativo Global. In: AAVV. El
nuevo Derecho Administrativo Global en América Latina. Buenos Aires: Ediciones RAP, 2009. p. 21-82.
Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 340-399, janeiro/junho de 2013.
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2 Os impactos da reforma do Estado empreendida no Brasil no final da década de 1990 sobre a
Administração Pública são analisados por NOHARA, Irene Patrícia. Reforma Administrativa e
Burocracia: impacto da eficiência na configuração do Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Atlas,
2012.
Consoante explica Irene Nohara, o neoliberalismo “provocou uma reformulação do papel do
Estado, a partir do princípio da subsidiariedade, segundo o qual o Estado só deve interferir onde
houver incapacidade de o mercado resolver por si só o atendimento do interesse público. Segundo
essa noção, o Estado volta a se ocupar com os serviços públicos essenciais e indelegáveis e os
demais, sejam eles sociais ou econômicos (industriais, comerciais ou financeiros), passam a ser
exercidos em caráter supletivo da iniciativa privada, ou seja, quando ela se mostrar deficiente”.
NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 35.
É o caso, apenas para citar algumas, das figuras do contrato de gestão, das agências
reguladoras, das “organizações sociais”, das “organizações da sociedade civil de interesse público” e
das “parcerias público-privadas”. Para uma crítica à inclusão desses institutos no Direito Administrativo
por decorrência do neoliberalismo, ver: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O neocolonialismo e o
Direito Administrativo brasileiro. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), nº 17, Salvador,
Instituto Brasileiro de Direito Público, p. 1-13, jan/mar. 2009.
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caracterizam e a distinguem das demais. O Direito Administrativo brasileiro não escapa
à regra.
A tratativa do tema das novas tendências desse ramo jurídico, portanto, reclama
no presente caso a especial atenção no tocante à experiência nacional, que nas últimas
décadas enfrentou acirrados confrontos político-ideológicos conducentes à reforma do
Estado, com expressivas alterações na Administração Pública, impactando
diretamente no delineamento do regime jurídico dos seus institutos. Apenas para
mencionar um exemplo emblemático, as mudanças deflagradas pela Emenda
Constitucional nº 19 de 1998 e impulsionadas pela promulgação de uma série de leis
que a sucederam, decorrentes de uma tendência globalizada de enxugamento das
atribuições do Estado apelidada de “neoliberalismo”, produziu efeitos diretos sobre a
conformação jurídica de inúmeros institutos do Direito Administrativo brasileiro. É o
caso dos temas do serviço público, dos servidores públicos, da organização
2
administrativa, da gestão fiscal, entre outros.
Essa proposta de transformação do Estado brasileiro, levada a efeito no final da
década de 1990, propunha a adoção de uma Administração Pública gerencial,
associada a uma redução das funções estatais, relegando-se à iniciativa privada a
incumbência de desenvolver atividades de cunho social. O modelo conferia ao Poder
Público uma posição subsidiária quanto à realização de atividades de bem-estar. Sem
deixar de reconhecer as mazelas existentes nas organizações políticas
subdesenvolvidas, esse arquétipo estatal sugeria como solução a conscientização da
sociedade civil a respeito de seus próprios problemas, cabendo-lhe organizar-se para
assumir o protagonismo na resolução das dificuldades sociais, sem uma postura
paternalista do Estado. A este incumbiria apenas proporcionar o mínimo necessário
para possibilitar o exercício das liberdades, a partir do quê os cidadãos deveriam utilizar
suas capacidades individuais para alcançar seus objetivos.
Tal proposição produziu reflexos diretos no Direito Administrativo, caminhando
para uma fuga do regime de Direito Público, por meio de novas figuras introduzidas pela
legislação em matéria de contratação, organização administrativa e serviços públicos,
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Revista de Direitos Fundamentais e Democracia, Curitiba, v. 13, n. 13, p. 340-399, janeiro/junho de 2013.

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