Direitos Fundamentais e a Dogmática do Bem Comum Constitucional

AutorOrides Mezzaroba - Carlos Luiz Strapazzon
CargoPossui Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal). Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina - Pós-Doutorando em Direitos Fundamentais na PUC-RS. Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor-pesquisador do Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão...
Páginas335-372
Direitos Fundamentais e a Dogmática do Bem
Comum Constitucional
Orides Mezzaroba1
Carlos Luiz Strapazzon2
Resumo: Este artigo explora a teoria republi-
cana dos direitos fundamentais. Seu objetivo é
estabelecer conexões entre direitos fundamen-
tais sociais e a noção de bem comum constitu-
cional. A metodologia de abordagem é analítica,
empírica e crítica. Parte da análise de conceitos
jurídicos estabelecidos no material normativo,
segue para uma verificação empírica de adequa-
ção dos conceitos operacionais mais importan-
tes, a partir da jurisprudência, e desenvolve a
crítica argumentativa a partir de várias referên-
cias teóricas pertinentes à interpretação dos di-
reitos constitucionais à luz da preocupação com
o bem comum constitucional.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Direitos
de Seguridade Social. República. Bem Comum.
Abstract: This article is linked to the repub-
lican theory of fundamental rights. Its goal is
to establish connections between fundamental
social rights and the notion of the constitution-
al common good. The criticisms and justifica-
tions are grounded in a neorepublican political
theory of the Constitution. The method of ap-
proach to the subject is analytical, empirical
and critical. The paper starts with the analysis
of legal concepts established in the norma-
tive material, to follow an empirical adequacy,
based on case law, and develops argumentative
criticism from various theoretical references
relevant to fundamental rights.
Key words: Fundamental Rights. Social Secu-
rity Rights. Republic. Common Good.
1 Possui Pós-Doutorado em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal). Professor
do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: orides@ccj.ufsc.br.
2 Pós-Doutorando em Direitos Fundamentais na PUC-RS. Doutor em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina. Professor-pesquisador do Programa de Ensino,
Pesquisa e Extensão da Universidade do Oeste de Santa Catarina. E-mail: carlos.
strapazzon@unoesc.edu.br.
Recebido em: 15/04/2011.
Revisado em: 02/05/2012.
Aprovado em: 28/05/2012.
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2012v33n64p335
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1 Introdução
Uma Constituição é sempre uma obra em evolução e terá as dimen-
sões que as razões contrapostas puderem suportar. A teoria e o discurso
prático do direito, de um modo geral, reconhecem a verdade desta senten-
ça. Todavia, têm-se extraído dela menos consequências teóricas do que
seria desejável. Na realidade há uma profusão de estudos específicos que
avaliam inovações em direito, sejam legislativas, sejam jurisprudenciais,
mas a ciência do direito não dispõe, ainda, de uma teoria geral da inova-
ção evolutiva do direito. Uma que ofereça bons critérios para a compreen-
são das circunstâncias em que a evolução em direito se faça rigorosamen-
te necessária. Esse deficit teórico tem efeitos especialmente importantes
nos quadrantes dos direitos fundamentais.
O tema da dignidade da pessoa humana tem servido de fundamento
para muitas inovações no discurso teórico e prático dos direitos funda-
mentais. É responsável, inclusive, por impactantes mudanças de perspec-
tiva do discurso jurídico brasileiro sobre direitos fundamentais (SARLET,
2008). Tem inspirado inovações teóricas em várias áreas especializadas,
com profundas consequências práticas, tais como a doutrina da instru-
mentalidade do processo (DINAMARCO, 1987; MARINONI, 2004), a
constitucionalização do direito civil (TEPEDINO, 2004), o direito pe-
nal mínimo (BIANCHINI, 2002) e a criminologia crítica (ANDRADE,
2002). Parte da doutrina vem dizendo até, que é preciso admitir inovações
em direito desde que representem uma proteção mais qualificada da dig-
nidade da pessoa humana3.
Chama a atenção, todavia, que a dignidade da pessoa humana tenha
respaldado sérias inovações evolutivas no âmbito dos direitos personalís-
simos – em sede de direitos clássicos liberais – em que sua força jurídica
3 Essa é a conhecida posição de Miguel Reale, que sustentava que a pessoa humana é o
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absoluta desse direito diante de outros bens e interesses individuais ou coletivos. Essa
posição tornou-se bem conhecida em seus debates públicos contra os “fundamentalistas
ecológicos”, como ele costumava dizer. (REALE, 2004a; 2004b)
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é, praticamente, um dogma4. Quando, porém, o argumento da dignidade
da pessoa humana é invocado para a solução de casos que envolvem di-
reitos fundamentais sociais, sua eficácia fica seriamente condicionada.
Inovações evolutivas em direitos sociais não se sustentam, regularmen-
te, com base no fundamento da melhor proteção da dignidade da pessoa
humana. Exige-se, em regra, que a eficácia evolutiva dos direitos sociais
supere várias modalidades de objeções, como orçamentárias (objeção do
economicamente possível), regulativas (objeção da carência legislativa),
representativas (objeção do Poder Legislativo como a arena legítima da
inovação em direitos), programáticas (objeção do Poder Executivo como
arena legítima da inovação em políticas públicas), de titularidade (obje-
ção da titularidade coletiva dos direitos sociais), entre outras.
Este trabalho identifica limitações na teoria constitucional brasi-
leira quanto às técnicas disponíveis para expandir a eficácia de direitos
fundamentais sociais. Uma premissa importante deste estudo é o enten-
dimento de que tais direitos estão diretamente implicados com a proteção
do bem comum. Por isso, a atenção do artigo recai sobre direitos sociais
mais diretamente implicados com a proteção do bem-estar social5. Isso
não significa que os interesses, os bens e os direitos individuais não sejam
reconhecidos como componentes de um bem comum em sentido amplo.
Revela, antes disso, uma preocupação especial com a construção de uma
dogmática do bem comum constitucional como fundamento das inova-
ções em direito. Por isso a atenção privilegiada aos direitos de bem-estar
social, ao menos inicialmente, parece ser justificável.
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sujeitos ao processo de aplicação gradual, decorrente do juízo de ponderação; salvo o
princípio da dignidade humana! Este não pode sofrer qualquer restrição por ação de outros
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por isso que esse valor não teria natureza jurídica de um princípio, mas de uma de regra,
ainda que por detrás dele haja também uma estrutura de ponderação. (ATIENZA, 2001,
678)
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social e direito do trabalho estabelecidos na Constituição. A razão dessa escolha é, de
certo modo, argumentativa. São áreas que evocam, imediatamente, o entendimento que o
senso comum jurídico tem quanto ao papel decisivo dos direitos fundamentais sociais no
edifício de uma noção pública de bem comum.

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