Direitos fundamentais e direito de liberdade

AutorRuy Ferreira Mattos Junior
Páginas2-26

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Introdução

O presente estudo tem a pretensão de apresentar perspectiva crítica à conceituação de direitos fundamentais e à evolução histórica da eficácia do direito de liberdade.1 É facilmente observável, na doutrina jurídica interna e internacional, o uso indiscriminado de diversos termos que equivocadamente se apresentam como sinônimo de direitos fundamentais.

Partindo-se desta ótica objetiva-se uma correção metodológica a fim de, por meio do tecnicismo jurídico, analisar as diversas manifestações doutrinárias acerca da amplitude conceitual do termo "direitos fundamentais". Desta forma, busca-se esclarecer no (in)consciente jurídico e social um equívoco conceitual que reiteradamente se apresenta nos estudos acerca dos direitos humanos fundamentais.

Assim, utilizando-se do arcabouço teórico produzido acerca do tema proposto, intenta-se expor uma análise crítica ao conceito de direitos fundamentais para, ao final, discernir acerca da amplitude do conceito, bem como de suas possíveis derivações que são fruto das ambiguidades conceituais e sinonímias.

Transcendendo a análise crítica acerca do conceito de direitos fundamentais o estudo se estende à perspectiva histórica do direito de liberdade. Ao se expor a evolução dos ideais de liberdade chega-se à sua dimensão de abrangência e à sua transparente insuficiência de concretização no evolver do contexto político na época de sua maior expressão e como fator de desenfreada desigualdades sociais.

1 Direitos fundamentais: definição de conceitos

Como forma de apresentar delineamento - o mais preciso possível - a respeito da expressão direito fundamental (ou direitos fundamentais), essencial que se tenha em mente a noção primeira sobre o significado particular das duas palavras que compõem o presente objeto de análise.

No desiderato de apresentar uma significação que vai além da compreensão coloquial do termo - direitos fundamentais, é o objetivo deste item tornar transparente que a conceituação mais próxima daquilo que se pretende esclarecer, inexoravelmente leva o pesquisador à caminhada em busca da denominação primária da palavra direito, para, em seguida, prosseguir seu percurso à captação do sentido do termo direito fundamental.

Chegando-se a noção mais ampla destas duas palavras em questão, o próximo passo a ser dado será em direção da noção - em sentido amplo e estrito, daquilo que Page 3 inicialmente se propôs, qual seja - da expressão direito fundamental ou, como queira, da definição do conceito de direitos fundamentais.

É o que se fará agora.

Concentrando-se a atenção à palavra - direito, no intuito de conhecer sua causa primeira e razão última, esclarece-se que, necessariamente, esta palavra não comporta um significado isolado ou uma conceituação única e imutável.2 A amplitude de abrangência da palavra em questão admite um enorme rol de sentidos e acepções, a depender, obviamente, do contexto sob o qual está sendo empregada.

Contudo, ainda resta a interrogação: (¿) O que é Direito (?) Como conceituar de maneira mais sucinta, sem que se comprometa o conteúdo dos sentidos inerentes à definição? Tal tarefa, que não é das mais simples, é o que se pretende desenvolver de maneira objetiva nas próximas linhas.

1. 1 (¿) O que é direito (?)

Tal indagação leva a buscar na análise filosófica o fundamento, a essência, a fonte de onde emana sua concepção primária. A partir desta consciência, do sinônimo elementar, poderá se contemplar, com maior precisão, o devido acomodamento da palavra direito, considerando-se o contexto ao qual ela estará inserida.

Esclarece-se que, não se pretende aqui, em breves linhas, descortinar os possíveis conceitos aplicáveis à palavra Direito. O que se busca é, com a maior objetividade, trazer à tona uma definição mais precisa de acordo com o que se entende ser mais adequado ao presente estudo.

Trazendo ao conhecimento o magistério doutrinário de Miguel REALE, a conceituação apresentada à palavra Direito, com alicerce em sua notória teoria tridimensional do direito, sinaliza, com brilhantismo peculiar, que: "uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito veio demonstrar que eles correspondem a três aspectos básicos, discerníveis em todo e qualquer momento da vida jurídica: um aspecto normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); um aspecto fático (o Direito como fato, ou em sua efetividade social e histórica) e um axiológico (o Direito como valor de justiça)"3.

Com espeque no raciocínio do saudoso autor, pode-se afirmar que o Direito, basicamente, se manifesta em três realidades distintas e interdependentes. Havendo ocorrido o fenômeno jurídico, em seu conjunto, encontrar-se-ão interagindo: fato, valor e norma. Para todo fato (social, econômico, demográfico...) haverá um valor agregado (axiologicamente falando) e, consequentemente, uma norma que integrará o fato e valor. Page 4

Neste sentido, é observável que os três elementos (fato, valor e norma) integrantes da teoria tridimensional do direito de Miguel Reale, segundo aponta Paulo Hamilton SIQUEIRA JR: "coexistem numa unidade concreta".4.

Há perspectiva de análise que justifica a existência do direito, qual seja, a sociedade ou, precisando-se a expressão, a concepção sociológica do direito. No conhecimento científico atual é inegável afirmar que não há sociedade sem direito - ubi societas ibi jus. Partindo-se dessa premissa, surge aquela questão que exige uma resposta imediata: qual o fundamento que une sociedade e direito?

A dimensão sociológica do direito responde à questão adrede, justificando que o direito exerce função em relação à sociedade. Essa função é a de coordenar os interesses diversos emanados das relações sociais, bem como das relações entre o Estado e a sociedade.

Tal atributo - ou justificação à existência da ciência do direito - persiste para que se mantenha a realidade social em equilíbrio. Ainda que tal desiderato se manifeste quase que integralmente na esfera da sociedade ideal, diferente do que ocorre na realidade social.

Em relação ao exposto, Antonio Carlos de Araújo CINTRA, Ada Pellegrini GRINOVER e Cândido Rangel DINAMARCO, apresentam o seguinte entendimento:

(...) pelo aspecto sociológico o direito é geralmente apresentado como uma das formas - sem dúvida a mais importante e eficaz dos tempos modernos - do chamado controle social, entendido como o conjunto de instrumentos de que a sociedade dispõe na sua tendência à imposição dos modelos culturais, dos ideais coletivos e dos valores que persegue, para a superação das antinomias, das tensões e dos conflitos que lhe são próprios5.

Nesta ótica, observa-se que a missão do Direito, sociologicamente falando, consiste em assegurar a harmonização social, estabelecendo-se diretrizes necessárias à manutenção da igualdade de todos perante o ordenamento jurídico vigente e, na justa medida de sua desigualdade.

Tal afirmação inspira-se, precipuamente, na realização do direito por meio da intervenção mínima do Estado, a fim de se assegurar e garantir a efetivação do direito a uma existência digna do ser humano. Para que isso possa ocorrer, indispensável que seja desconsiderada a condição a qual qualquer indivíduo, homem ou mulher, se encontra, desde que esteja sob o julgo de determinado ordenamento jurídico, submetendo-se àquilo que se entende como correto. Page 5

A tarefa de apresentar uma definição ao conceito do direito não é das mais fáceis, quiçá, praticamente impossível. Apresentando-se consideração sintética à definição proposta, Luiz Antonio Rizzatto NUNES, aponta que:

Sob o aspecto etimológico é possível ligar o termo Direito, dentre outros, a reto (do vocábulo em latim rectum ), a mandar, ordenar (do latim jus , ligado na origem jussum ), ou ao termo indicar (do grego diké ). Observando o direito à luz da realidade dos estudos jurídicos contemporâneos, pode-se vislumbrar que o termo direito comporta pelo menos as seguintes concepções: a de ciência, correspondente ao conjunto de regras próprias utilizadas pela Ciência do Direito; a de norma jurídica, como a Constituição e as demais leis e decretos, portarias, etc.; a de poder ou prerrogativa, quando se diz que alguém tem a faculdade, o poder de exercer um direito; a de fato social, quando se verifica a existência de regras vivas existentes no meio social; a de Justiça, que surge quando se percebe que certa situação é de direito porque é justa 6 .

Assim, sumariamente falando, na perspectiva da ordem jurídica, é possível definir direito como sendo: Ciência; norma jurídica; poder ou prerrogativa; fato social, e; justiça. Obviamente que a delimitação do conceito de direito não se adstringe ao aqui expresso.

Ainda repisando o tema, imperdoável seria se omitir em relação à conceituação apresentada por Hans Kelsen - em sua brilhante Teoria Pura do Direito, bem como da perspectiva de Rudolf Von Ihering - em sua obra O que é o Direito. Sem desmerecer a inquestionável contribuição de Kelsen e Ihering à ciência do Direito, esta proposta de análise prefere vincular-se à concepção do mestre maior, o saudoso Miguel Reale - Teoria Tridimensional do Direito, já analisada, por sua originalidade e contemporaneidade.

No entanto, em relação à noção inicialmente proposta, o desenvolvimento apresentado mostra-se suficiente para agregar à consciência do interessado, maior amplitude de significação. Evita-se, desta forma, a prolixidade nem sempre favorecedora da visão panorâmica a respeito da delimitação do conceito de direito...

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