Os direitos fundamentais e a constitucionalização do direito do trabalho

AutorJúlio Ricardo de Paula Amaral
CargoDoutorando em Direito Social pela Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM ? Espanha)
Páginas149-177

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1. Introdução

Nos dias de hoje, a questão relativa aos direitos e liberdades públicas dos cidadãos, e, sobretudo, dos cidadãos-trabalhadores, mostra-se dotada de grande relevância. Isso decorre, por um lado, em face das diversas modificações nos sistemas de produção, o que passou a exigir uma alteração na postura dos empregadores no sistema de administração das empresas, e, por outro lado, com aquilo que se costumou a denominar como constitucionalização do Direito do Trabalho, que visa atribuir uma maior efetividade na proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Não se pode negar que essas questões, de forma quase que inevitável, poderão gerar a colisão entre direitos dos trabalhadores e dos empregadores.

Em face disso, mostra-se necessária, portanto, a verificação da incidência dos direitos fundamentais no âmbito das relações jurídicas estabelecidas entre trabalhadores e empregadores. Num primeiro momento, a resposta pode parecer simples, mas não pode ser abordada de forma tão superficial, tendo em vista

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que se faz imprescindível a análise dos fundamentos jurídicos que se devem utilizar para eventual adoção deste procedimento, especialmente diante das características das normas vigentes no Direito do Trabalho. Essa é a finalidade do presente estudo.

E, com o objetivo de verificar a forma pela qual poderá ocorrer a incidência dos direitos fundamentais nas relações de Direito do Trabalho — eficácia horizontal dos direitos fundamentais —, necessariamente deverão ser superadas algumas etapas que logicamente se apresentam, com o estabelecimento de algumas premissas metodológicas ao estudo, sobretudo, realizando uma abordagem mais ampla acerca do que se costuma denominar como direitos fundamentais, bem como uma análise de toda a sua sistemática.

De igual sorte, faz-se uma abordagem da eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das várias relações jurídicas, tanto nas relações jurídico-públicas como naquelas estabelecidas entre os sujeitos particulares. Analisa-se aquilo que se passou a denominar como eficácia vertical, bem como a vinculação positiva dos poderes públicos aos direitos e liberdades públicas dos cidadãos. Por outro lado, procede-se à verificação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou a sua aplicação no contexto das relações entre sujeitos privados.

Depois de verificada as questões relativas à incidência dos direitos fundamentais em ambas as espécies de relações jurídicas —públicas e privadas —, no terceiro capítulo do presente estudo, passa-se a abordar a maneira pela qual poderá ocorrer a aplicação dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas, e, ainda, a forma como isso se dará. Concentram-se os esforços na finalidade de analisar se as liberdades públicas dos cidadãos — as quais são mantidas pelo trabalhador durante a prestação de serviços—são aplicáveis de forma direta e imediata ou, se para tanto, requerem a intervenção dos poderes públicos, nomeadamente do legislador.

É relevante mencionar que, em determinadas ocasiões, em face da dinâmica que envolve as relações trabalhistas, inevitavelmente os direitos individuais dos trabalhadores entrarão em conflito com outros direitos, bens e valores constitucionalmente protegidos, tanto em benefício de outros trabalhadores, da coletividade, do Estado, como aqueles assegurados aos empregadores.

Ocorre, porém, que nem os direitos atribuídos aos trabalhadores nem os direitos estabelecidos aos empregadores se mostram como sendo absolutos, razão pela qual, em determinadas ocasiões, tais direitos comportarão alguma espécie de limitação ou restrição, em benefício de um outro bem ou valor também assegurado por normas constitucionais. Haverá, neste instante, a colisão entre direitos dos sujeitos envolvidos nas relações trabalhistas que, de uma forma ou de outra, deverão ser solucionados pelos órgãos jurisdicionais, como de fato

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acontece no cotidiano do Poder Judiciário incumbido de compor as lides trabalhistas.

Justamente em decorrência dos conflitos de direitos e interesses dos trabalhadores e empregadores, e, lembrando-se que a matéria pode ser abordada de forma bem mais profunda, visto que recheada de controvérsias em sede doutrinária e jurisprudencial, pode-se dizer que, de maneira sintética, é desta forma que se pretende analisar a incidência dos direitos fundamentais no seio das relações jurídicas estabelecidas entre trabalhadores e empregadores.

2. Definição dos direitos fundamentais

Não se trata de tarefa das mais fáceis traçar uma definição do que vêm a ser os denominados direitos fundamentais. Mas, com o intuito de cumprir fielmente o objetivo traçado para o presente estudo, mostra-se como sendo imprescindível a busca de um conceito no âmbito da doutrina jurídica.

Num primeiro momento, porém, há de se ressaltar que, de forma geral, costuma-se utilizar diversas denominações de forma sinônima, com o intuito de designar aquela categoria de direitos atribuídos às pessoas, apenas pela razão delas existirem. Dentre essas expressões, podem ser mencionadas algumas tais como: direitos humanos, direitos morais, direitos naturais, liberdades públicas, direitos das pessoas, direitos subjetivos públicos, entre outras diversas expressões utilizadas para nominar o conjunto dos direitos fundamentais.

Embora se mostre como questão de grande interesse para o estudo jurídico de maneira geral, ressalta-se que, no presente momento, os esforços serão concentrados sobre a distinção das expressões direitos humanos e direitos fundamentais, em face de serem estas dotadas de maior utilidade para os fins objetivados nesse estudo.1

No mister de proceder a uma distinção, Gregorio Robles afirma que a expressão direitos humanos ou direitos do homem, também denominados de forma clássica como direitos naturais, e, atualmente concebidos como direitos morais, na realidade não são verdadeiros direitos — protegidos por meio de ações processuais perante um juiz —, mas servem de critérios norteadores à

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boa convivência dos indivíduos, tendo em vista que "os direitos humanos, ou melhor dizendo, determinados direitos humanos, positivam-se, adquirindo a categoria de verdadeiros direitos protegidos processualmente e passam a ser direitos fundamentais, no âmbito de determinado ordenamento jurídico".2 Na concepção do ilustre jurista, pode-se concluir que os direitos fundamentais são uma espécie de positivação dos direitos humanos.

Por sua vez, Gomes Canotilho reconhece que "as expressões 'direitos do homem' e 'direitos fundamentais' são frequentemente utilizadas como sinônimas". Sustenta, porém, que "segundo a sua origem e significado, poderíamos distingui-las da seguinte maneira: 'direitos do homem' são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); 'direitos fundamentais' são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente". Ressalta, ainda, que "os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídico-concreta".3

Segundo Pérez Luño, existe uma propensão doutrinária no sentido de se utilizar a expressão direitos fundamentais para designar aqueles direitos positivados no ordenamento jurídico interno, ao passo que a designação direitos humanos seria mais comum para designar aqueles direitos naturais constantes das declarações e convenções internacionais, bem como àquelas essenciais exigências pertinentes à dignidade, liberdade e igualdade da pessoa que ainda não constam de um estatuto jurídico-positivo.4

Independentemente da divergência existente no âmbito da doutrina jurídica, importa mencionar que é justamente a expressão direitos fundamentais aquela adotada pelas Constituições de Portugal, Brasil e Espanha, sendo que tais Estados se baseiam na dignidade da pessoa humana5, fundamento da

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existência dessa categoria de direitos, razão pela qual, para fins do presente estudo, doravante, adotar-se-á a designação direitos fundamentais.

Há de se ressaltar, porém, que, embora tenha sido definida a denominação a ser utilizada, não se tem até esse instante uma definição sobre essa categoria de direitos, o que é imprescindível para o presente estudo. O que vem a ser, portanto, os direitos fundamentais?

Analisando os vários enfoques dos direitos fundamentais, José Carlos de Vieira Andrade afirma que "aquilo a que se chama ou a que é lícito chamar direitos fundamentais pode, afinal, ser considerado por várias perspectivas". Sob uma perspectiva filosófica ou jusnaturalista, sustenta que "os direitos fundamentais podem ser vistos enquanto direitos naturais de todos os homens, independentemente dos tempos e dos lugares". Numa perspectiva estadualou constitucional, são considerados "os direitos mais importantes das pessoas, num determinado tempo e lugar, isto é, num Estado concreto ou numa comunidade de Estados". Ressalta, ainda, que sob uma perspectiva universalista ou internacionalista, os direitos fundamentais "podem ser considerados direitos essenciais das pessoas num certo tempo, em todos os lugares ou, pelo menos, em grandes regiões do mundo".6

Embora o ilustre constitucionalista português proceda a sua análise a partir de vários enfoques, facilmente se percebe a convergência existente em sua concepção, no sentido de serem os direitos fundamentais aqueles atribuídos a todos os homens, ou direitos mais importantes das pessoas, ou, ainda, direitos essenciais das pessoas. O Homem, o Ser humano, a...

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