Direitos Fundamentais

AutorEduardo Braga Rocha
Páginas21-52
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dIreItos FundamentaIs
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
Os direitos fundamentais são direitos inerentes à pessoa humana
que fazem parte do ordenamento jurídico de determinado Estado, dife-
renciando-se dos direitos humanos, que ainda não foram positivados
no ordenamento jurídico estatal, embora tenham sido reconhecidos na
ordem jurídica internacional por meio de Declarações e Tratados, por
exemplo.2 Em regra, os direitos fundamentais configuram direitos hu-
manos incorporados pelo Estado mediante normas jurídicas, podendo,
2 A doutrina majoritária acata a diferenciação entre direitos fundamentais e direitos
humanos: BRITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Direitos humanos: algumas
questões recorrentes: em busca de uma classificação jurídica. In: ROCHA, João
Carlos de Carvalho; HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto Parreiras; CAZET-
TA, Ubiratan (Coords.). Direitos humanos: desafios humanitários contemporâ-
neos: 10 anos do Estatuto dos Refugiados (Lei n. 9474 de 22 de julho de 1997).
Belo Horizonte: Del Rey, 2008a, p. 38; COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação
histórica dos direitos humanos. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 58-59 e 227;
PÉREZ-LUÑO, Antonio-Enrique. Los derechos fundamentales. 9. ed. Madrid:
Tecnos, 2007, p. 44-47.
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22 a justiciabilidade do direito fundamental à saúde no brasil
entretanto, haver direitos fundamentais que não possuem correspon-
dência com os direitos humanos.
Os direitos fundamentais também diferem dos direitos do ho-
mem, sendo estes valores éticos estendidos ao indivíduo por força de
sua existência, ainda não reconhecidos no ordenamento internacional
e nem positivados no ordenamento estatal.3
O processo de positivação de alguns direitos do homem nas
Constituições conferiu aos indivíduos maior segurança e proteção ju-
rídica, especialmente diante dos arbítrios cometidos pelo Estado, pos-
sibilitando a promoção de ação judicial em face deste. Anteriormente,
a única defesa existente contra a violação dos direitos do homem era o
exercício do direito de resistência (direito igualmente natural).4
O surgimento histórico dos direitos fundamentais ainda tem
sido bastante controvertido entre os doutrinadores, que muitas vezes
insistem em afirmar que estes direitos existiram há muitos anos, in-
clusive antes de Cristo, sendo reconhecidos no antigo Egito, na Grécia,
em Roma, etc. Contudo, não há que se falar em direitos fundamentais
sem a existência de um Estado juridicamente limitado, ou seja, é im-
prescindível a presença de um instrumento formal que declare e garan-
ta os direitos fundamentais, inclusive contra o soberano, devendo este
também ser submisso às leis promulgadas. Assim, o jurista George
Marmelstein afirma com veemência que:
[...] pode-se dizer tranquilamente que não havia direitos funda-
mentais na Antiguidade, nem na Idade Média, nem durante o
Absolutismo, pois a noção de Estado de Direito ainda não estava
consolidada. Não era possível, naqueles períodos, exigir do gover-
nante o cumprimento das normas que ele mesmo editava. So-
mente há sentido em falar em direitos fundamentais quando se
admite a possibilidade de limitação jurídica do poder político. Por-
tanto, o desenvolvimento da ideia de direitos fundamentais – en-
quanto normas jurídicas de hierarquia constitucional destinadas à
3 O termo direitos do homem passou a ser bastante difundido em substituição ao
termo direitos naturais, especialmente após 1791 com a publicação da obra The
Rights of Man (Os Direitos do Homem) de Thomas Paine, onde este defende com
vigor os direitos inalienáveis dos indivíduos. Cf. PAINE, Thomas. Direitos do
homem. Tradução de Edson Bini. Bauru, SP: Edipro, 2005, p. 25-95.
4 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 31.
direitos fundamentais 23
limitação jurídica do poder político – somente ocorreu por volta
do século XVIII, com o surgimento do modelo político chamado
Estado Democrático de Direito, resultante das chamadas revolu-
ções liberais ou burguesas.5
Os doutrinadores Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins acatam
o posicionamento acima, sendo mais detalhistas ao destacarem que,
para se poder falar em direitos fundamentais, devem estar presentes
três elementos ou requisitos essenciais: Estado, indivíduo e texto nor-
mativo regulador da relação entre Estado e indivíduos.6
Diante de tal premissa, conclui-se que o marco histórico dos di-
reitos fundamentais começa com as declarações de direitos no final do
século XVIII, notadamente com a Declaração de Direitos proclamada
no Estado da Virgínia (Estados Unidos), em 1776, e com a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão adotada na França, em 1789.7
A Declaração de Direitos de Virgínia consagrou os direitos fun-
damentais à vida, à propriedade, à segurança, à liberdade de religião,
dentre outros, sendo válido observar que somente em 1791 a Consti-
tuição dos Estados Unidos da América (1787),8 por meio da ratificação
de suas dez primeiras emendas, passou a prever vários desses direitos
fundamentais, na forma de uma declaração de direitos.9 A Declaração
5 MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2008,
p. 33.
6 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamen-
tais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 24-26.
7 Apesar disso, deve-se reconhecer a importância de documentos – embora ainda
não se possa falar na existência de direitos fundamentais - como a Magna Carta de
João Sem-Ter ra de 1215, a Petition of Rights (Petição de Direitos) de 1628, o Ha-
beas Corpus Act (Ato de Habeas Corpus) de 1679 e o Bill of Rights de 1689. Estas
Declarações eram bastante limitadas no que se refere à extensão de seus efeitos,
pois elas dependiam da vontade do monarca, tendo sido proclamadas anteriormen-
te à efetivação do Estado de Direito.
8 A Constituição Americana, promulgada em 1787 (e ainda em vigor), foi a primeira
Carta constitucional escrita do mundo. ARMILIATO, Luciana Jordão da Motta. Di-
reitos humanos e política externa dos EUA. Revista de Ciências Jurídicas e Sociais
da UNIPAR, Umuarama, Paraná, v. 7, n. 2, p. 219-232, jul./dez. 2004, p. 224.
9 Cf. COMPARATO, 2008, op. cit., p. 115-120 e 120-127. Com o advento da De-
claração de Direitos de Virgínia, pela primeira vez, os direitos do homem “[...]
foram acolhidos e positivados como direitos fundamentais constitucionais, ainda
que este status constitucional da fundamentalidade em sentido formal tenha sido
definitivamente consagrado somente a partir da incorporação de uma declaração >

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