Direitos da personalidade na sociedade da informação

AutorCélio Pereira Oliveira Neto
Páginas63-87
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3. DIREITOS DA PERSONALIDADE NA
SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
O presente estudo revelou, até aqui, as modificações que a tecnologia gerou
nas empresas, no modo de trabalhar, na vida dos empregados e na economia.
As causas de geração do ambiente virtual estão, pois, demonstradas. O que
se deve analisar agora são os efeitos, e o primeiro deles é na personalidade do ser
humano, já que as alterações foram muitas, e a sociedade da informação concretiza
os seus direitos fundamentais de modo diferente do que as suas antecessoras.
Faz-se mister, pois, iniciar tal abordagem pela conceituação dos direitos da
personalidade e fundamentos dos direitos de liberdade de expressão, privacidade
e intimidade.
3.1. Direitos da Personalidade: Origem, Conceito e Fundamentos
Os direitos da personalidade decorrem da natureza humana, ou seja, são
inerentes à condição de ser humano, acompanham a espécie por toda vida e
representam alicerce para o reconhecimento de todos os demais direitos
fundamentais. Portanto, seja qual for a geração, esse direito é inato.
Nessa condição qualquer pessoa é titular, assumindo caráter de indisponibili-
dade, imprescritibilidade e natureza extrapatrimonial. Por meio da personalidade,
a pessoa é titular de direitos e obrigações, nos limites da sua capacidade jurídica.
Na lição de Paulo Sergio João, “são direitos da pessoa e não permitem sua
disponibilidade para terceiros e, dado que se vinculam de forma própria à pessoa,
cabe ao Estado a responsabilidade de reconhecê-los, atribuindo-lhes uma forma
adequada de proteção.”(172)
Quanto ao aspecto da proteção, a título histórico, cumpre observar que
os direitos da personalidade foram tratados inicialmente, de modo expresso, na
Constituição da Alemanha de 1949, em seu art. 2, inciso I, no sentido de que: “...
todos têm o direito ao livre desenvolvimento da sua personalidade, desde que não
(172) JOÃO, Paulo Sérgio. O direito de imagem e o contrato de trabalho na Lei n. 13.467/17. In:
AGUIAR, Antonio Carlos (Coord.). Reforma Trabalhista. Aspectos jurídicos. São Paulo: Quartier Latin
do Brasil, 2017. p. 275.
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violem direitos de outrem e não se choquem contra a ordem constitucional ou a
lei moral.”(173)
A Constituição da República de Portugal traz disposição a respeito, no
art. 26, ao tratar no capítulo I, dos Direitos, liberdades e garantias pessoais, do
reconhecimento do direito ao desenvolvimento da personalidade.(174)
Também garante a liberdade de expressão e divulgação do pensamento,(175)
exemplificativamente de forma oral ou de imagem, permitindo outros meios, bem
como regula o direito de se informar e ser informado, sem impedimento nem
discriminações, consoante se infere do art. 37, item 1.(176)
De igual modo, diante da preocupação com a censura, a constituição lusitana
determina que o exercício dos direitos de liberdade de expressão e informação não
pode ser impedido ou limitado, por qualquer tipo ou forma de censura, conforme
redação do art. 37, item 2.(177)
A Constituição da Espanha, em seu título I, por meio do art. 10, ao tratar dos
direitos e deveres fundamentais, não só garante o respeito ao livre desenvolvimento
(173) (1) Jeder hat das Recht auf die freie Entfaltung seiner Persönlichkeit, soweit er nicht die Rechte
anderer verletzt und nicht gegen die verfassungsmäßige Ordnung oder das Sittengesetz verstößt.
(2) 1Jeder hat das Recht auf Leben und körperliche Unversehrtheit. 2Die Freiheit der Person ist un-
verletzlich. 3In diese Rechte darf nur auf Grund eines Gesetzes eingegriffen werden. Disponível em:
. Acesso em: 24 nov. 2017.
(174) Art. 26. Outros direitos pessoais. 1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade
pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e re-
putação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal
contra quaisquer formas de discriminação. 2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção
e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famí-
lias. 3. A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na
criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica. 4. A privação
da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na
lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos.
(175) Art. 37. Liberdade de expressão e informação. 1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar
livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como
o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de cen-
sura. 3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais
de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente
da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da
lei. In: PORTUGAL. Parlamento. Disponível em:
ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx>. Acesso em: 30 jul. 2017. 4. A todas as pessoas, singulares
ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectifi-
cação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.
(176) PORTUGAL. Parlamento. Disponível em:
ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx>. Acesso em: 30 jul. 2017.
(177) PORTUGAL. Parlamento.
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da personalidade, como também atrela diretamente a interpretação das normas
relativas à direitos e liberdades fundamentais aos termos da Declaração Universal
dos Direitos do Homem, assim como aos tratados e acordos internacionais sobre a
mesma matéria quando ratificados pela Espanha.(178)
A Constituição da Espanha também reconhece, por meio do art. 20, dentre
outros, o direito à expressão e difusão dos pensamentos, ideias e opiniões, por
meio da palavra, escrita ou qualquer outro meio de reprodução.(179)
A Constituição da Itália, em seu art. 21, disciplina o direito de livre manifesta-
ção do pensamento, de forma oral, escrita ou por qualquer outro meio de difusão,
não sujeitando a imprensa a autorizações ou censuras.(180)
(178) Artículo 10. 1. La dignidad de la persona, los derechos inviolables que le son inherentes, el
libre desarrollo de la personalidad, el respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamento
del orden político y de la paz social. 2. Las normas relativas a los derechos fundamentales y a las
libertades que la Constitución reconoce se interpretarán de conformidad con la Declaración Universal
de Derechos Humanos y los tratados y acuerdos internacionales sobre las mismas materias ratificados
por España. In: ESPANHA. Agencia Estatal Boletín Oficial Del Estado. Disponível em:
boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-1978-31229>. Acesso em: 30 jul. 2017. De los derechos y debe-
res fundamentales
(179) ESPANHA. Artículo 20. 1. Se reconocen y protegen los derechos: a) A expresar y difundir
libremente los pensamientos, ideas y opiniones mediante la palabra, el escrito o cualquier otro medio
de reproducción. b) A la producción y creación literaria, artística, científica y técnica. c) A la libertad
de cátedra. d) A comunicar o recibir libremente información veraz por cualquier medio de difusión.
La ley regulará el derecho a la cláusula de conciencia y al secreto profesional en el ejercicio de estas
libertades. 2. El ejercicio de estos derechos no puede restringirse mediante ningún tipo de censura
previa. 3. La ley regulará la organización y el control parlamentario de los medios de comunicación
social dependientes del Estado o de cualquier ente público y garantizará el acceso a dichos medios de
los grupos sociales y políticos significativos, respetando el pluralismo de la sociedad y de las diversas
lenguas de España. 4. Estas libertades tienen su límite en el respeto a los derechos reconocidos en
este Título, en los preceptos de las leyes que lo desarrollen y, especialmente, en el derecho al honor,
a la intimidad, a la propia imagen y a la protección de la juventud y de la infancia. 5. Sólo podrá
acordarse el secuestro de publicaciones, grabaciones y otros medios de información en virtud de
resolución judicial.
(180) ITALIA. Constituição. (tradução livre). Disponível em:
costituzione/portoghese.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2017. Art. 21. Todos têm direito de manifestar
livremente o próprio pensamento, mediante forma oral ou escrita, e qualquer outro meio de difusão.
A imprensa não pode ser sujeita a autorizações ou censuras. Pode-se proceder ao sequestro somente
por determinação da autoridade judiciária em caso de delitos, para os quais a lei de imprensa o
autorize expressamente, ou em caso de violação das normas que a própria lei estabeleça, para a
indicação dos responsáveis. Em tais casos, quando houver absoluta urgência e não for possível a
oportuna intervenção da autoridade judiciária, os quais devem, imediatamente e nunca além de
vinte e quatro horas, apresentar denúncia à autoridade judiciária. Se esta não o aprovar nas vinte
e quatros horas sucessivas, o sequestro entender-se-á revogado e nulo para todos os efeitos. A Lei
pode impor, mediante normas de caráter geral, que sejam revelados os meios de financiamento
da imprensa periódica. São proibidas as publicações impressas, os espetáculos e todas as demais
manifestações contrárias ao bom costume. A lei estabelece medidas adequadas para prevenir e
reprimir as violações.
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A Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América, trata
expressamente da liberdade de expressão, ou de imprensa, vedando ao congresso
restringi-la. O mesmo dispositivo cuida do impedimento ao congresso de legislar
ditando a religião, proibindo o seu exercício, ou mesmo de vetar o direito de as
pessoas se reunirem pacificamente, e de apresentarem requerimento ao governo
para que sejam feitas reparações de queixas.(181)
Enfim, inúmeras são as constituições contemporâneas democráticas que
tratam expressamente da garantia dos direitos da personalidade, sendo as acima
apresentadas meramente elucidativas.
No plano das declarações e convenções internacionais, destacam-se os
arts. 12 e 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem,(182) o art. 11 da
Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)(183)
e o art. 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.(184)
(181) “Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free
exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people
peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances.” — O Congresso
não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cer-
ceando a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de
dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos (tradução livre). Disponível em:
www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores>. Acesso em: 20 nov. 2017.
(182) [...] Art. 12. Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu
lar ou na sua correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação. Todo o homem tem direito
à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. [...] Art. 19 Todo o homem tem direito à
liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e
de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de
fronteiras. In: Declaração Universal dos Direitos do Homem. BRASIL. Declaração Universal dos Direi-
tos do Homem. Unicef. Disponível em:
legislacao/direitos-humanos/declar_dir_homem.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2017.
(183) BRASIL. Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992. Ementa: Promulga a Convenção Ame-
ricana sobre Direitos Humanos ( Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. O
texto do Pacto de São José da Costa Rica, em seu art. 11, estabelece: Art. 11. Proteção da honra
e da dignidade. 1. Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua
dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada,
em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou
reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas. Dis-
ponível em:
htm>. Acesso em: 30 jul. 2017.
(184) [...] Art. 8º (Direito ao respeito pela vida privada e familiar). 1. Qualquer pessoa tem direi-
to ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. 2. Não pode
haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência es-
tiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária
para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa
da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos
direitos e das liberdades de terceiros. Disponível em:
bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 30 jul. 2017.
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A Declaração Universal dos Direitos do Homem, consoante redação do art. 3º,
enuncia a liberdade como direito de todo ser humano.(185) O art. 13 trata da
liberdade de locomoção e residência, e o art. 18 pronuncia:
“Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito
inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou
crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular”.
A liberdade é parte indissociável do exercício do direito à vida privada, sendo
que o art. 12 proclama “ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada,
na sua família, no seu lar, ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra
e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra interferências
ou ataques.”
Para fins do objeto em estudo, o maior destaque da Declaração Universal dos
Direitos do Homem deve ser atribuído ao art. 19 que enuncia:(186)
“Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberda-
de de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias
por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”
O art. 4º da CF/88, ao tratar das relações internacionais, consigna de modo
expresso o princípio de prevalência dos direitos humanos. Logo em seguida, o
título II tutela os Direitos e Garantias Fundamentais, elencando rol de direitos
inerentes à condição de pessoa.
A doutrina brasileira classifica os direitos da personalidade como direito à
integridade física, à integridade intelectual, e à integridade moral.(187) No que
interessa à esta pesquisa, a integridade moral “abrange o direito à intimidade, à
privacidade, à honra, à imagem, à boa-fama, à liberdade civil, política e religiosa”(188);
a integridade intelectual consiste na liberdade de pensamento, autoria artística e
científica, assim como a invenção; e e a física consiste na preservação das condições
e higidez das saúdes física e mental, o que insere o direito de desconexão, que será
objeto de estudo em separado nos itens 3.3 a 3.5.
A concretização dos direitos da personalidade decorre do princípio da
dignidade da pessoa humana — princípio este que, na leitura da Carta Maior,
representa norma hipotética fundamental de natureza kelseniana.
Significa dizer que a nação brasileira elegeu a dignidade da pessoa humana
como fundamento da República, de tal arte que todas as ações do Estado e dos
particulares devem observar o respeito à dignidade da pessoa humana.(189)
(185) [...] Art. 3º Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Idem.
(186) BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:
brazil/pt/resources_10133.htm>. Acesso em: 20 nov. 2017.
(187) BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à Intimidade do Empregado. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 25.
(188) BARROS, p. 27.
(189) OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Cláusula de não concorrência no contrato de emprego: efeitos
do princípio da proporcionalidade. São Paulo: LTr, 2015. p. 53.
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Para os fins do presente trabalho, destaques para o art. 5º, especialmente
no que tange à livre manifestação do pensamento (inciso IV); direito de resposta
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à
imagem (inciso V); intimidade, vida privada, honra e imagem, assegurado o direito
a indenização em caso de violação (inciso X); inviolabilidade da casa (inciso XI) e
inviolabilidade da correspondência (inciso XII).(190)
Robert Alexy reconhece na liberdade “ao mesmo tempo, um dos conceitos
práticos mais fundamentais e menos claros. Seu âmbito de aplicação parece ser
quase ilimitado”.(191) De toda sorte, explica que “só se falará em liberdade jurídica
quando o objeto de liberdade for uma alternativa de ação.”(192)
A liberdade de pensamento, prevista pelo art. 5º, inciso IV da CF, significa
ausência de impedimento de a pessoa ter as suas convicções, e respeito ao seu
modo de ver o mundo. A seu turno, a liberdade de pensamento informa a liberdade
de expressão, pela qual o homem se expressa no seu modo de ser.
A liberdade de expressão não somente se encontra garantida nos dispositivos
constitucionais supramencionados, como também reiterada na forma do art. 220
(CF, Capítulo V, dirigido à Comunicação Social).
O art. 5º, inciso XLI da CF, a seu tempo, orienta e dirige os dispositivos
constitucionais que tratam do respeito às liberdades, prevendo que “a lei punirá
qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.
Tanto a liberdade de pensamento, como a sua exteriorização por meio da
liberdade de expressão são direitos naturais, eis que se revelam essenciais para a
plenitude do exercício da personalidade, na medida em que se projetam sobre os
aspectos da vida.
Não importa se o pensamento externado está correto ou não, e nem é
admissível que se faça este juízo de valor. A cada um é dado acreditar em seus
(190) BRASIL. Constituição Federal. [...] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qual-
quer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ...IV — é
livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V — é assegurado o direito de res-
posta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; ... IX — é
livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou licença; X — são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pes-
soas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da sua violação; XI
— a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do mo-
rador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial; XII — é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,
de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses
e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
(191) ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgilio Afonso da Silva. 2. ed., 3ª
tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 222.
(192) ALEXY, p. 218.
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valores, não cabendo ao Estado ou terceiros interferir nas crenças, ideologias,
maneiras de ver o mundo e ideias pessoais.
Tais diretrizes constitucionais se revelam essenciais não só para a plenitude do
exercício dos direitos da personalidade, que se atrelam diretamente à dignidade da
pessoa humana, mas também para a construção e manutenção de uma sociedade
democrática de direito, pois de modo diverso imperaria a vontade do Estado ou
daqueles que detêm o poder, ficando rechaçado o pluralismo das opiniões e
ideologias.
E ainda, o § 1º do art. 5º da CF/88 trata da aplicação imediata dos direitos
fundamentais, que permitem a ampliação dos direitos da personalidade positi-
vados, haja vista que o § 2º do art. 5º da CF cuida da não exclusão de direitos e
garantias previstos em tratados internacionais, ou seja, a ampliação dos direitos
expressamente previstos na Carta Magna.
Todos os dispositivos elencados devem ser lidos em conjunto com o art. 1º da
CF, respeitando-se a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho
e da livre iniciativa. Isso porque no desenvolvimento do trabalho, o empregado
não perde a condição de pessoa humana, que se mantém integra, de tal modo
que o poder diretivo e de fiscalização do empregador tem de ser coordenado de
sorte a preservar os direitos de personalidade do empregado.
Nessa condição, ganha relevo também a aplicação do art. 170, caput, da
CF/88, que enuncia que a ordem econômica tem por fim assegurar existência
digna a todos, conforme os ditames da justiça social.
Além dos já mencionados artigos, Alice Monteiro de Barros cita outros
dispositivos constitucionais de destaque para a proteção dos direitos da
personalidade, dentre os quais o art. 3º, IV, que visa promover o bem de todos,
sem preconceitos ou discriminação de qualquer espécie; o art. 5º, caput, que traz
o princípio da isonomia de tratamento, garantindo o direito à vida, liberdade,
igualdade, segurança e propriedade; o art. 7º, caput, que trata de implementar
como objetivo a busca da melhoria da condição social do trabalhador; o art. 7º,
incisos XXX, XXXI que se preocupam em evitar a discriminação de trabalhadores;
e o art. 7º, inciso XXXII que proíbe a distinção entre trabalho manual, técnico e
intelectual.(193)
Seguindo a ordem constitucional de 1988, o Código Civil de 2002 passou
a tratar da matéria, dedicando o capítulo II ao tema, sob o título Direitos da
Personalidade.
(193) BARROS, p. 19.
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Nos termos do art. 11 do Código Civil, por serem inerentes à dignidade
da pessoa humana, os direitos da personalidade são reconhecidos na legislação
infraconstitucional com seu caráter de irrenunciabilidade e intransmissibilidade.
O art. 12 do Código Civil, a seu turno, permite que se exija a cessação de
ameaça ou lesão a direitos da personalidade, bem como a reclamar perdas e
danos. Os arts. 16 a 19 tratam da proteção do nome e pseudônimo, ao passo que
o art. 20 preserva o direito de imagem, e o art. 21 garante a inviolabilidade da
vida privada.
A I Jornada de Direito Civil, por meio do Enunciado 5,(194) preconiza que a
cessação da ameaça ou lesão a direitos da personalidade, bem como o reclamo
por perdas e danos, de que trata o art. 12 sejam aplicados também na preservação
da imagem de que trata o art. 20.
Os dispositivos que cuidam dos direitos da personalidade devem ser lidos,
pois, à luz do ordenamento constitucional, e combinados, quando cabível aos arts.
186, 187, 927 e 932 — todos do Código Civil — relativos, respectivamente: ao ato
ilícito; abuso de direito; obrigação de indenizar pelo ato ilícito; e responsabilidade
do empregador por atos de seus prepostos.
3.2. Liberdade de Expressão em Ambiente Virtual
Em uma visão de direito privado constitucionalizado, a própria forma de
enxergar a atividade empresarial mudou, ficando a empresa vinculada ao respeito
aos direitos fundamentais de seus trabalhadores, não olvidando do seu papel na
sociedade.
Hodiernamente, pois, as empresas carecem ter propósitos e valores claros,
que por evidente não devem ser voltados unicamente ao lucro, mas inserindo
o conceito de empresa ética e cidadã, que no exercício da atividade econômica
cumpre a sua função social, na forma do art. 170, inciso I da CF/88.
A condição de trabalhador não afasta o direito ao gozo dos direitos da
personalidade. Com efeito, o trabalhador já não mais se despe da sua condição
de cidadão enquanto labora, mantendo seus direitos personalíssimos íntegros no
(194) BRASIL. I Jornada de Direito Civil. Conselho da Justiça Federal. 1) As disposições do art. 12
têm caráter geral e aplicam-se, inclusive, às situações previstas no art. 20, excepcionados os casos
expressos de legitimidade para requerer as medidas nele estabelecidas; 2) as disposições do art. 20
do novo Código Civil têm a finalidade específica de regrar a projeção dos bens personalíssimos nas
situações nele enumeradas. Com exceção dos casos expressos de legitimação que se conformem
com a tipificação preconizada nessa norma, a ela podem ser aplicadas subsidiariamente as regras
instituídas no art. 12. Disponível em:
de%20Direito%20Civil%201.pdf/view>. Acesso em: 30 jul. 2017.
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curso da prestação de serviços em prol do empregador. Ou seja, o trabalhador
entrega a sua força de trabalho e não a sua dignidade, que não pode ser violada.
Significa dizer, ao mesmo tempo em que o trabalho é essencial para o pleno
exercício da dignidade da pessoa humana, também é essencial que os direitos da
personalidade sejam preservados no curso de uma relação de emprego.
Nas palavras de José Antônio Peres Gediel,
[...] a noção de indissociabilidade entre trabalhador e trabalho retirada
dos direitos da personalidade, passa a ser extremamente relevante
para a defesa da irrenunciabilidade aos direitos fundamentais, pelo
trabalhador.(195)
O empregador remunera o empregado para o trabalho, gozando do poder de
direção das atividades, mas não da vida privada do empregado. Significa dizer, o
poder de direção que decorre do contrato de trabalho não atinge a esfera privada
do empregado, mantendo-se íntegros os direitos laborais inespecíficos.
A questão é a preservação da liberdade de expressão do trabalhador frente
às novas realidades da sociedade hodierna diante das tecnologias da comunicação
e da informática, respeitando também aos direitos do empregador. O post em
rede toma proporção que não pode ser comparada com mero comentário entre
amigos, mas ganha o mundo, podendo ferir sentimentos e denegrir o bom
ambiente de trabalho.
Conforme Paulo Sergio João,
[...] “a publicação de ofensas em redes sociais é particularmente gravosa
para empresas devido ao seu alcance. Um usuário médio do Facebook,
por exemplo, possui um alcance de algumas centenas de pessoas. Caso
a publicação ‘viralize’, não há limites para o alcance da ofensa.”(196)
Se no passado, a liberdade de pensamento era expressada de modo a
alcançar um número muito menor de pessoas; na sociedade da informação, os
meios tecnológicos, mormente a internet, permitem o alcance de uma quantidade
inimaginável de pessoas, o que já faz refletir sobre os cuidados maiores a serem
tomados no exercício desse direito.
(195) GEDIEL, José Antônio Peres. A Irrenunciabilidade a Direitos da Personalidade pelo Trabalhador.
In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 3. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 152.
(196) JOÃO, Paulo Sérgio. O direito de imagem e o contrato de trabalho na Lei n. 13.467/2017.
In: AGUIAR, Antonio Carlos (Coord.). Reforma Trabalhista. Aspectos jurídicos relevantes. São Paulo:
Quartier Latin do Brasil, 2017. p. 275 e ss.
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A interação no espaço virtual é instantânea, em tempo real, não conhece
limites de fronteira. Quando se está na rede, se está no globo, e as postagens nas
redes sociais(197) fogem ao controle de quem a veicula.
Os dados do setor(198) são crescentes, e atingem números impensáveis há
uma década atrás. Para se ter uma ideia da dimensão, se o Facebook fosse um
país seria o terceiro mais populoso do Mundo. Já se somados os três sites mais
populares de mídia social, a população destes teria 1 bilhão de pessoas a mais do
que a China.(199)
Acresça-se que o Wechat (Weichin) — serviço chinês de mensagem de texto e
voz para aparelhos móveis — em apenas 12 meses, no ano de 2015, teve acréscimo
de 150 milhões de usuários, o que representou 39% de crescimento sobre o seu
nada modesto número de usuários.(200)
E ainda, 96% da geração Y (nascidos entre 1980 e 1990) utilizam as redes
sociais, sem falar que um em cada oito casais norte americanos se conheceu
através de uma rede social.
Nesse cenário, cada vez mais são corriqueiros os conflitos envolvendo a
expressão de um trabalhador nas redes sociais ou outros veículos de comunicação
virtual, a respeito do trabalho em si, ou em razão de menção a clientes, colegas,
fornecedores e chefes, o que leva a colisões entre a liberdade de expressão e o
poder diretivo.
A Lei n. 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, a teor do
art. 1º, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet
no Brasil, determinando as diretrizes a serem seguidas para a atuação da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios no trato da matéria.(201)
No art. 2º, a Lei n. 12.965/2014 enuncia que a disciplina da internet no Brasil
tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como, dentre
(197) Elina Nora Dabas conceitua redes sociais, como “sistema aberto que, por meio de intercâmbios
dinâmicos entre seus integrantes e com integrantes de outros grupos sociais, possibilita a potenciali-
zação dos recursos que possuem. DABAS, Elina Nora. Red de Redes Las práticas de la intervención
em redes sociales. Buenos Aires: Paidós, 1998. p. 21.
(198) Dentre os tipos mais conhecidos figuram facebook, orkut, linkedin, twitter, MSN, youtube,
whatsapp, instagram e blogs. A geração Z também se utiliza do kik messager, viber e Snapchat,
dentre outros.
(199) SCHWAB, p. 119.
(200) SCHWAB, p. 60.
(201) BRASIL. Lei n. 12.965/2014. Ementa: Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres
para o uso da Internet no Brasil. Disponível em:
2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 30 jul. 2017. Art. 1º Esta Lei estabelece princípios, garantias,
direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.
73
outros, “os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da
cidadania em meios digitais”, consoante se infere do inciso II.
Por escolha didática, pela importância do tema em tela neste momento do
estudo, primeiro se fez referência expressa ao inciso II, já que este elenca como funda-
mentos o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania, o que ocorre
no atual momento tecnológico também mediante a inclusão digital.
Todos os demais incisos são de suma importância,(202) guardando intensa rela-
ção com o tema em estudo. Com efeito, o art. 2º, inciso I trata do reconhecimento
da escala mundial da rede.
Os demais incisos cuidam ainda de fundamentar o Marco Civil da Internet na
pluralidade e na diversidade (inciso III), abertura e a colaboração (inciso IV), livre
iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor (inciso V) e finalidade social
da rede (inciso VI).
Os princípios da disciplina da internet no Brasil, elencados no art. 3º da Lei
n. 12.965 guardam total correspondência com os fundamentos que a embasam,
fazendo-se mister a transcrição na íntegra:
Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
I — garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos
I I — proteção da privacidade;
I II — proteção dos dados pessoais, na forma da lei;
I V — preservação e garantia da neutralidade de rede;
V — preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas
técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;
V I — responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;
V II — preservação da natureza participativa da rede;
V III — liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem
com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.
Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordena-
mento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a Repúbli-
ca Federativa do Brasil seja parte.
(202) BRASIL. Código Civil. Disponível em: 2014/
lei/l12965.htm>. Acesso em: 20 nov. 2017. Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como
fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: I — o reconhecimento da escala mun-
dial da rede; II — os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania
em meios digitais; III — a pluralidade e a diversidade; IV — a abertura e a colaboração; V — a livre
iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI — a finalidade social da rede.
74
Inobstante a importância capital de todos os incisos do art. 3º, para efeitos
do presente estudo destaque especial para o inciso I, que reverberando valores
constantes do art. 5º da Carta Maior, elenca como princípio a garantia da liberdade
de expressão, comunicação e manifestação de pensamento.
Nota-se que para o amplo cumprimento de seu escopo, os princípios
relacionados pela Lei n. 12.965/2014 podem ser complementados pela legislação
nacional mediante diálogo com outras fontes do direito, ou por meio de tratados
internacionais ratificados pelo Brasil.
O objeto perseguido pelo legislador, nos termos do art. 4º da Lei
n. 12.965/2014, é a promoção do direito de acesso à internet a todos (inciso I);
acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural e na con-
dução dos assuntos públicos (inciso II); a inovação e o fomento à ampla divulgação
de novas tecnologias e modelos de uso e acesso (inciso III); e a adesão a padrões
tecnológicos abertos que permitam a comunicação, acessibilidade e a interopera-
bilidade entre aplicações e a base de dados (inciso IV).
O escopo da lei, por evidente, deve ser combinado aos seus fundamentos, de
modo que se pode dizer que o Marco Civil da Internet tem por objeto a promoção
dos itens e direitos elencados no art. 4º, garantidos os direitos relacionados no art. 3º,
tendo como alicerce os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade, e
o exercício destes direitos em ambiente virtual, em uma sociedade plúrima, diversa
e que deve gozar da possibilidade ampla de conexão.
O direito à informação que está disponível na rede consta dos direitos e
garantias dos usuários, consoante se extrai da redação do caput do art. 7º da Lei
n. 12.965/2014, que disciplina que “o acesso à internet é essencial ao exercício
da cidadania.”
Os incisos do art. 7º do Marco Civil da Internet dispõe acerca de uma série de
direitos, destacando-se para fins desta fase da presente pesquisa: inviolabilidade
da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material
ou moral decorrente de sua violação (inciso I); inviolabilidade e sigilo do fluxo de
suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei (inciso
II); inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por
ordem judicial (inciso III).(203)
(203) Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados
os seguintes direitos: I — inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II — inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas
comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III — inviolabilidade e sigilo de
suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; IV — não suspensão da conexão
à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização; V — manutenção da qualidade
contratada da conexão à internet; VI — informações claras e completas constantes dos contratos
de prestação de serviços, com detalhamento sobre o regime de proteção aos registros de conexão
e aos registros de acesso a aplicações de internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da
75
A preocupação do legislador ordinário é tamanha — com razão de ser — que
o art. 8º da Lei n. 12.965/2014 torna a tratar da garantia do direito à privacidade e
à liberdade de expressão nas comunicações, como condição para o pleno exercício
do direito de acesso à internet.(204)
O art. 9º que diz respeito à neutralidade da rede, em seu § 3º volta a tutelar
a privacidade na rede, preocupando-se com a preservação dos conteúdos, ao
determinar que “na provisão de conexão à internet, onerosa ou gratuita, bem
como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar,
filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados, respeitado o disposto neste
artigo.”
Veja-se que a Lei n. 12.965/2014, reverberando valores constitucionais, em
sua essência tutela a liberdade da expressão de pensamento, entretanto, inexiste
direito absoluto, de modo que no capítulo 6 se fará proposição de conformação
desse direito, mediante regramento empresarial, e no capítulo 7 se apresentará
proposta de projeto de lei para regrar o tema no que tange à relação empregado/
empregador.
3.3. Impacto do Ambiente Virtual
O alimento passa a ser a informação conectada e a participação em todas as
discussões. A falta de informação gera angústia, o prato de comida, pois, convive
e é substituído por um aparelho móvel que tem o enganoso propósito de alimentar
a alma.
rede que possam afetar sua qualidade; VII — não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais,
inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento
livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei; VIII — informações claras e completas
sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente
poderão ser utilizados para finalidades que: a) justifiquem sua coleta; b) não sejam vedadas pela
legislação; e c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos de uso
de aplicações de internet; IX — consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e trata-
mento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas contratuais;
X — exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet,
a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obri-
gatória de registros previstas nesta Lei; XI — publicidade e clareza de eventuais políticas de uso dos
provedores de conexão à internet e de aplicações de internet; XII — acessibilidade, consideradas as
características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, nos termos
da lei; e XIII — aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo
realizadas na internet.
(204) Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é
condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet. Parágrafo único. São nulas de pleno
direito as cláusulas contratuais que violem o disposto no caput, tais como aquelas que: I — impliquem
ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações privadas, pela internet; ou II — em contrato de
adesão, não ofereçam como alternativa ao contratante a adoção do foro brasileiro para solução de
controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil.
76
No entanto, a tecnologia não existe — pelo menos assim será durante um
tempo — sem o homem. Logo, não pode o homem ser aprisionado pela tecnologia
que lhe permite estar em espaços diversos, compartilhando o mundo físico e o
virtual.
Essa tecnologia que, ao invés de servir ao homem, o faz trabalhar mais horas,
não permitindo a desconexão das atividades laborais, é chamada por Massimo
Marchiori de “la coperta torta”:
“La confortevole coperta del progresso ha portato l’uomo a sconvilarsi
dal bello o cattivo tempo, dai problemi dele stagioni e dalla luce del sole,
certo, ma ha anche lasciato un lato scoperto: ha fato si che próprio per
questo in generale oggi si lavori di più che in passato.”(205)
A sociedade conectada está levando a dúvidas sobre a própria identidade,
invadindo a privacidade das pessoas, alterando os conceitos de pertencimento, e
mesmo de propriedade. Um jovem da geração Z habituado à participação em uma
rede social, se sente afetado em seu direito de personalidade se o seu responsável
lhe aplica uma reprimenda, tomando-lhe o celular.
As relações se dão com cada vez mais intensidade no ambiente virtual,
chegando a parecer que as novas gerações estão esquecendo do mundo físico.
O fato é que os mais jovens precisam lutar consigo mesmo para dar atenção a
outros seres humanos em conversa presencial, sem descuidar os olhos do sempre
aparente aparelho móvel.
Já há um fenômeno denominado phubbing, que combina os vocábulos
snubbing (esnobar) e phone (telefone) para a conduta da pessoa que, em meio a
uma conversa, saca o celular como se o interlocutor não existisse.
Nesse contexto, é claro que as dificuldades de relacionamento se ampliam,
mas, o fato objetivo aqui a ser tratado é a conformação dos interesses da geração
que atuará durante a Quarta Revolução Industrial e as regras empresariais,
respeitando-se o direito ao lazer e descanso.
Exemplos e números já apresentados nesta pesquisa demonstram o impacto
das tecnologias na sociedade atual. A questão é que isso deverá ser potencializado
ainda mais, já que nessa fusão de mundos virtual e físico, fica um pouco difícil uma
clara separação entre trabalho e lazer.
O avanço das tecnologias ao invés de permitir mais tempo para a vida pri-
vada, tem consumido o tempo de lazer e descanso, ou mesmo interrompido,
provocando uma conexão constante ao trabalho. “Nosso cérebro, ligado aos ins-
(205) MARCHIORI, p. 186. Em tradução livre: A confortável manta de progresso levou o homem a
ficar mimado pelo mau tempo, pelos problemas das estações e pela luz do sol, é claro, mas também
deixa um lado descoberto: o destino é que, hoje em dia, você trabalha mais do que no passado.
77
trumentos digitais que nos conectam 24 horas por dia, corre o risco de se tornar
uma máquina de movimento perpétuo que requer um frenesi incessante”,(206) le-
vando à exaustão.
Mesmo o trabalhador workaholic, que deseja de tudo participar, deve ter o
momento de livre gozo do descanso e lazer, afinal, o trabalho, ao mesmo tempo
que alimenta e dignifica, pode, a contrassenso, também retirar a dignidade do
homem, quando se avança sobre aspectos da vida privada e intimidade, privando-o
do lazer, descanso e desligamento (ao menos formal) das suas atividades diuturnas
de labor.(207)
Diz-se desligamento formal, pois não se olvida da dificuldade de desconexão
plena das questões de labor, mesmo nos períodos fora do trabalho. Ou seja, o
empregado sai da empresa, mas o trabalho o persegue em casa, na praia, ou
aonde for, ao menos em sua mente. Com as novas tecnologias, essa perseguição
pode se tornar implacável, fazendo o trabalhador prisioneiro das informações.
“Releva notar que se a tecnologia proporciona ao homem uma pos-
sibilidade quase infinita de se informar e de estar atualizado com seu
tempo, de outro lado, é esta mesma tecnologia que, também, escraviza
o homem aos meios de informação, vez que o prazer da informação
transforma-se em uma necessidade de estar informado, para não perder
espaço no mercado de trabalho.”(208)
A informação globalizada torna o homem escravo da atualização, requerendo
um constante processo de conexão a fim de não perder a informação mais nova,
com o escopo de manter-se constantemente por dentro de um novo artigo
relevante a ser estudado, um novo livro, ou o mais recente processo de produção.
Vive-se em um mundo acelerado, em que tudo é dinâmico e imediato, geran-
do um processo vertiginoso de informações e demandas, em que a pessoa está a
desenvolver uma atividade já com a mente voltada para o passo seguinte, ou pior,
preocupada com o que não está tendo condições de fazer.
Pesquisa do Fórum Econômico Mundial(209) aponta que 82% dos entrevistados
acredita que até o ano de 2025 estará disponível no mercado o primeiro telefone
celular implantável. Ora, como exercer o direito de desconexão do trabalho com
um telefone celular implantado no corpo?
(206) SCHWAB, p. 104.
(207) OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Direito de Desconexão frente às novas tecnologias no âmbito
das relações de emprego. Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, v. 39,
2015. p. 79 e ss.
(208) SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Direito à desconexão do trabalho. Disponível em:
trabalhistacalvet.com.br/artigos/Do%20Direito%20%C3%A0%20Desconex%C3%A3o%20do%20
Trabalho%20%20Jorge%20 Luiz%20Souto%20Maior.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2017.
(209) SCHWAB, p. 115.
78
Não se está aqui nem a tratar do desejo ou não de a pessoa implantar o
dispositivo, partindo do pressuposto de que só o farão os que desejarem, mas,
e estes aficcionados por tecnologia e/ou trabalho poderão usufruir do direito de
desligamento do trabalho, ou sofrerão as mais diversas interrupções nos seus
momentos de lazer e descanso? Imagine-se a invasão do ambiente profissional
na vida pessoal e mesmo na intimidade do empregado, independente do escalão.
Como fica a privacidade daquele que se dispuser a implantar um celular no
próprio corpo, considerando o risco de invasão por hacker? O pior é que o implante
tenderá a se tornar moda, olvidando que um smartphone possui mais tecnologia
embarcada do que a primeira nave que levou o homem à lua,(210) expondo os
momentos mais íntimos da privacidade daquele que realizar a “aquisição”.
O ser humano não é um robô, e a tal não pode ser equiparado. Logo, nunca
se pode perder de vista o princípio maior da Constituição Federal de 1988, e
que representa a base fundadora de todas as constituições contemporâneas
democráticas, representado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
Portanto, seja qual for a condição do empregado — alto escalão, manutenção,
ou outro — o fato é que este não poderá estar conectado ao trabalho como se
fosse uma máquina, levando o trabalho consigo para onde for. A tecnologia deve
servir ao homem, e não escravizá-lo. Não se pode abrir mão do tempo livre.
3.4. Direito de Desconexão
Compreender, gerir e ampliar o grau de informação representa a fundamental
característica da sociedade atual, que armazena cada vez mais dados, os gere, e
os aumenta exponencialmente. “La cosa stupenda e terribile allo stesso tempo è
che avremo sempre cose nuove da scoprite, da ascoltare, da sapere, da leggere,
da inventare, e non avremo mai finito”.(211) Nesse cenário, fica mais complexo o
desligamento do trabalho.
O primeiro fundamento do direito de desconexão, no plano internacional é
a D eclaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que enuncia, em
seu art. 24, “todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive à limitação
razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas”.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem(212) possui outras disposições
que também emprestam fundamento ao direito de desconexão, de que são
(210) Informação veiculada no Programa Domingo Espetacular 60 Minutes, de 7 de agosto de 2016,
na Rede SBT.
(211) MARCHIORI, p. 5. Em tradução livre: O maravilhoso ao mesmo tempo é que sempre teremos
coisas novas para descobrir, ouvir, saber, ler, inventar e nunca teremos terminado.
(212) BRASIL. UNICEF. Disponível em: .
Acesso em: 10 nov. 2017.
79
exemplos maiores: o art. 25 que, dentre outros, trata do direito ao bem-estar; (213)
e o art. 29 que se refere aos deveres do ser humano para com a comunidade, na
qual o livre e pleno desenvolvimento da personalidade é possível.(214)
O direito de desconexão nada mais representa do que o direito ao lazer
e descanso, em oposição ao trabalho, de forma livre, privada, sem qualquer
interferência.(215) Trata-se, pois, do momento em que o empregado desliga-se de
suas atividades laborais para dedicar-se ao lazer e descanso, tal como o período do
descanso semanal, do gozo dos intervalos, e o pleno exercício do direito de férias.
No Brasil, o direito de desconexão não está expressamente positivado.
Todavia tal não significa que o direito inexista. S eu fundamento é constitucional, e
detém valor de direito fundamental, até porque fundado no direito social ao lazer
e descanso.
Tal como visto, a dignidade da pessoa humana prevista pelo art. 1º, inciso III
da Carta Maior informa todo o ordenamento jurídico brasileiro, sendo que não se
pode pensar em dignidade sem o gozo dos direitos de lazer e descanso, acima de
tudo com liberdade.
Ainda no campo constitucional, fundam o direito de desconexão o direito à
saúde, vida social, intimidade, privacidade e liberdade. Também o art. 217, § 3º da
CF, ao dispor que “o Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção
social”, e o art. 227 da CF que trata dos direitos da criança, adolescente e jovem,
elencando dentre outros, o direito ao lazer.
Visando o resguardo do direito ao descanso, o constituinte expressamente
fez constar o direito à jornada diária de 8h e jornada semanal de 44h (art. 7º, XIII),
jornada de 6h para o labor em turnos ininterruptos de revezamento (art. 7º, XIV),
repouso semanal remunerado (art. 7º, XV), direito ao lazer (art. 6º), e o direito à
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene
(213) Art. 25. 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua
família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhi-
ce ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 2. A
maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas
dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.
(214) Art. 29. 1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo
ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de
assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as
justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses
direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e
princípios das Nações Unidas.
(215) FOGLIA, Sandra Regina Pavani. Lazer e Trabalho: um enfoque sob a ótica dos direitos funda-
mentais. São Paulo: LTr, 2013. p. 101-105.
80
e segurança (art. 7º, XXIV) — dispositivos estes que devem ser combinados com
o princípio da solidariedade (art. 3º, I), que prevê o homem como destinatário da
norma.
No campo infraconstitucional, a título geral e exemplificativo, a norma
consolidada trabalhista prevê o respeito aos intervalos intrajornada (art. 71),
interjornadas (art. 66), o gozo do descanso semanal de 35h (11h de intervalo
interjornadas + 24h de descanso remunerado), e as férias remuneradas (art. 142).
Já o direito ao lazer deve ser entendido não só como oposição ao trabalho,
mas no sentido de completa libertação das obrigações, a fim de permitir o amplo
desenvolvimento da personalidade, em conformidade com o estilo de vida pessoal
e social escolhido.(216)
Seu fundamento implícito remonta à busca da felicidade — “pursuit of
hapiness” — inspirada na Declaração de Independência dos Estados Unidos da
América de 1776, que enuncia:“... certain unaliebable Rights, that among these
are life, Liberty and the pursuit of Happiness”.(217)
A exemplo do descanso, o direito ao lazer também está embasado no direito
à vida sadia e a liberdade previstos na Carta Maior, acrescendo-se o direito à
felicidade, e podendo-se enumerar diversos dispositivos de ordem constitucional.
Com efeito, o direito ao lazer consta expressamente do rol de direitos sociais
enunciado pelo art. 6º da Carta Magna. O art. 7º da CF é expresso, ao garantir
ao menos em tese, o salário mínimo capaz de atender às necessidades básicas do
trabalhador e de sua família, propiciando dentre outros direitos, o direito ao lazer.
Aliás, o direito ao repouso semanal remunerado (art. 7º, XV) tem por escopo
permitir o gozo do lazer e descanso, assim como o já mencionado art. 217, § 3º
da CF, prevê que o poder público incentivará o lazer. De igual modo, o art. 227 da
CF, prevê o direito ao lazer da criança, que não se dissocia, por evidente, do gozo
desse direito em companhia de seus pais.
Dentre outras previsões que abarcam o direito ao lazer, no campo
constitucional, pode-se citar os direitos à participação em cultos e crenças (art. 5º,
VI), à livre expressão intelectual e artística (art. 5º, IX), e a inviolabilidade da casa
(art. 5º, XI).
Mas, a exemplo do Brasil, o cenário estrangeiro não é diferente, em regra
inexistindo regulamentação a tutelar o direito de desconexão, limitando-se a
iniciativas esparsas no campo privado e sindical, ressalvada recente legislação
francesa.
(216) FOGLIA, p. 101.
(217) Em tradução lvire: Certos direitos são inalienáveis, como aqueles que dizem respeito à vida, à
liberdade e à busca da felicidade.
81
E m Colômbia, a Lei n. 1.221, em seu art. 6º (5) determina que as tarefas
repassadas aos trabalhadores deverão ser cumpridas de maneira que se garanta o
direito ao descanso de caráter criativo, recreativo e cultural.(218)
O Código do Trabalho de Portugal, em seu art. 170 (1) prevê que o empregador
deve respeitar os tempos de descanso e repouso do teletrabalhador.(219)
Na Alemanha, em 2010, a Deutsche Telekom se comprometeu a não solicitar
a contínua disponibilidade de seus empregados. Em 2013, o Ministério do Trabalho
alemão firmou acordo a fim de respeitar o tempo livre de seus servidores, que só
poderiam ser acionados em situações excepcionais.(220)
Em 2014, ainda em terras germânicas, a Volkswagen implementou regras de
modo a impor a desconexão de parte de seu quadro de empregados, bloqueando
o acesso de e-mails via celular, entre 18h15min e 7h.(221) A medida, ao início,
era destinada a 1.000 dos 255.000 empregados do grupo, e três anos após foi
ampliada para 5.000 empregados.(222)
Partindo do dado que 12% dos trabalhadores franceses sofrem em razão de
esgotamento provocado pelo trabalho, conhecido como síndrome de burnout, em
2014 as federações patronais francesas dos setores de engenharia, informática,
consultoria e estudos de mercado pactuaram com os principais sindicatos
representantes dos trabalhadores acerca do direito de os trabalhadores se
desconectarem das ferramentas de comunicação à distância, durante os períodos
legalmente previstos para descanso.(223)
Desde o início de 2017, o Código do Trabalho francês determina que toda
empresa com mais de 50 empregados, negocie com estes um acordo sobre o direito
de desconexão, estabelecendo regras quanto aos horários de encaminhamento,
resposta de e-mail, WhatsApp, e outras formas de contato virtual à distância. Caso
(218) 5. La asignación de tareas para los teletrabajadores deberá hacerse de manera que se garantice
su derecho a contar con un descanso de carácter creativo, recreativo y cultural. COLOMBIA. Gobier-
no. Disponível em: . Acesso
em: 20 nov. 2017.
(219) Art. 170º Privacidade de trabalhador em regime de teletrabalho 1 — O empregador deve
respeitar a privacidade do trabalhador e os tempos de descanso e de repouso da família deste,
bem como proporcionar-lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como psí-
quico. PORTUGAL. Governo. Disponível em:
CT25092017.pdf#page=64>. Acesso em: 15 nov. 2017.
(220) BRASIL. Direito de desconexão. Disponível em:
C3%A0-desconex%C3%A3o-ao-fim-expediente-ganha-for%C3%A7a-185802394.html>. Acesso em:
24 nov. 2017.
(221) BRASIL. Disponível em:
216051.html>. Acesso em: 16 nov. 2017.
(222) Disponível em:
-expediente-ganha-for%C3%A7a-185802394.html>. Acesso em: 24 nov. 2017.
(223) BRASIL. Disponível em:
o-direito-a-desligar-do-trabalho-governo-abre-debate-1757288>. Acesso em: 24 nov. 2017.
82
não haja consenso, a própria empresa deverá elaborar um código de boas práticas,
estabelecendo a forma de exercício do direito de desconexão.
A legislação francesa confere ampla autonomia negocial às partes, que
devem se autoregulamentar. Nesse sentido, a explicação do advogado trabalhista
francês Patrick Thiébart: “não há determinações concretas para sua aplicação.
Cada empresa deve encontrar as suas próprias soluções.”(224)
Em Portugal, no início de 2017, a Santa Casa de Misericórdia do Porto
reconheceu o direito de desconexão de seus empregados, ao permitir que estes
se mantivessem off line, sem responder e-mails ou responder telefonemas fora do
horário de trabalho.(225)
O Ministro Vieira da Silva, que responde pelo Ministério do Trabalho e da
Segurança Social, ao ser questionado se o direito de desconexão consta da pauta
a ser encaminhada à Comissão Permanente de Concertação Social, e a respeito da
intenção em alterar a legislação lusitana no particular, respondeu que o tema deve
ser ajustado em sede de negociação coletiva.(226)
O trabalhador, independentemente de o regime ser presencial ou à distância,
diante dos instrumentos da tecnologia presentes em sua vida, pode ter o seu
direito ao lazer e descanso violado por meio de correspondências eletrônicas,
redes sociais e outros dispositivos eletrônicos de uso da sociedade da informação.
Como se sabe, em ambiente virtual a tecnologia acompanha o trabalhador
durante as férias, tornando complexa a tarefa de se desvencilhar da leitura dos
e-mails quando se está com o celular à mão, ou mesmo deixar de se remeter ao
trabalho quando navegando nas redes sociais. A própria informação encontrada
na rede social, seja de um cliente, seja da empresa, colegas ou o mercado, já tem
força suficiente para encaminhar a mente do trabalhador diretamente ao trabalho.
O mundo está em um click, os smartphones, e-mails e outras formas
contemporâneas de comunicação estão fazendo com que a sociedade da
informação trabalhe mais do que os antepassados, e pior, sem a desconexão com
o trabalho, gerando prejuízo direto à saúde, além de diversas patologias modernas,
do que a depressão, e especialmente a ansiedade representam formas típicas.
Não se pode permitir que a tecnologia piore a vida do homem, deve ocorrer
o contrário. Nesse sentido, a Quarta Revolução Industrial deve vir acompanhada
(224) Disponível em:
html>. Acesso em: 16 nov. 2017.
(225) BRASIL. Disponível em:
to-desconexao.html>. Acesso em: 24 nov. 2017.
(226) Disponível em:
to-a-desligar-do-trabalho-governo-abre-debate-1757288>. Acesso em: 24 nov. 2017.
83
da evolução do direito visando a preservação dos direitos fundamentais dos
trabalhadores.
Dessume-se, pois, que o direito de desconexão não pode ser vilipendiado
pelas novas ferramentas comunicacionais que permitem trabalho móvel em
qualquer lugar do planeta.
3.5. Dano Existencial
A violação ao direito de desconexão, ou seja, do direito ao lazer e descanso,
pode levar ao dano existencial, entendido como tal espécie de dano imaterial que
lesiona a vítima, a impossibilitando de executar, dar prosseguimento ou reconstituir
o seu projeto de vida, de modo parcial ou totalmente, e a dificuldade de retomar
sua vida de relação, comparando-se com a situação anterior.(227)
Trata-se de dano que “abrange todo conhecimento que incide, negativamente,
sobre o complexo de afazeres da pessoa, sendo suscetível de repercutir-se, de
maneira consistente — temporária ou permanentemente — sobre sua existência”.(228)
Os elementos do dano existencial são danos ao projeto de vida, ou danos à
vida de relações. Sem que haja violação a um destes direitos não se cogita de dano
existencial.
Quanto ao projeto de vida, a lesão não pode ter sido causada pela escolha
do trabalhador, mas sim atingir a própria liberdade de alternativas, voltada à sua
autorrealização.(229) Trata-se de alterações substanciais, injustas e arbitrárias que o
impedem de manter, ou retomar, o curso de vida escolhido, privando-o de suas
aspirações e vocações, provocando frustração.
Diante da lesão ao projeto de vida, a pessoa é obrigada a conformar-se,
sofrendo frustração na dimensão familiar, afetiva, sexual, profissional, artística,
desportiva, educacional, religiosa, dentre outras.
Já os elementos que compõe danos à vida de relações são representados,
como o próprio nome pronuncia, pelos prejuízos nos relacionamentos, privando
o lesado do convívio e das experiências humanas, impedindo-o de compartilhar
pensamentos, sentimentos, emoções, ou mesmo discutir ideologias e opiniões.(230)
(227) OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Direito de desconexão frente as novas tecnologias no âmbito
das relações de emprego. Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior. V. 39,
2015. p. 79-84.
(228) SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2009. p. 44.
(229) ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana.
Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 6, n. 24, p. 48, out./dez. 2005.
(230) OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Direito de desconexão frente as novas tecnologias no âmbito
das relações de emprego. Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior. V. 39,
2015. p. 79 e ss.
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Há impedimento quanto à realização de hábitos e comportamentos, privação
de participação em atividades culturais, religiosas, desportivas, recreativas, dentre
outras, ocorrendo dano em dimensão familiar, profissional ou social.
A necessidade de interação humana é salutar, sem o que não se cogita de
vida de relação ou projeto de vida, haja vista que o ser humano, por sua natureza,
só se realiza em sociedade.
Destarte, o dano existencial decorre da violação ao projeto de vida ou à vida
de relações, em razão de abusiva privação, portanto involuntária, que usurpa a
felicidade ou a paz de espírito do lesado. A violação possui caráter não patrimonial
e independe de lesão física ou psíquica.
Embora tenha a mesma natureza extrapatrimonial do dano moral, com este
não se confunde. Com efeito, enquanto o dano existencial se dá no exterior da
pessoa, na sua vida de relações ou projeto de vida, o dano moral se dá no íntimo
de cada indivíduo.(231) A constatação do dano moral é de dimensão subjetiva,
pressuposta, ao passo que o dano existencial se constata de modo objetivo, porque
“os elementos que o constituem são plenamente factíveis e adequados à realidade,
mormente se a compreensão for feita à luz dos ideais constitucionais.”(232)
O dano existencial tem origem na privação de fazer, decorrente de renúncia
involuntária, que impede a pessoa de agir de outra forma, ocorrendo o dano em
ambiente externo ao labor, causado pela ausência de gozo do direito ao lazer e
descanso, como oposição ao trabalho.
Antes de chegar à esfera trabalhista, o dano existencial foi reconhecido no
âmbito penal, decorrente de precedentes de cortes internacionais. Caso marcante
foi Cantoral Benavides vs Peru,(233) em que Luis Alberto Cantoral Benevides foi
preso aos 20 anos de idade, confundido com o seu irmão procurado pela polícia
antiterrorista. O acusado ficou quatro anos encarcerado, de forma ilegal, quando
ainda estudante de biologia, sofrendo abuso físico e psicológico, o que lhe
ocasionou problema psiquiátrico, levando-o a refugiar-se no Brasil após a soltura.
Outra questão foi julgada na Corte de Apelação de Gênova, que analisou
o caso de Daniele Barillà,(234) acusado de tráfico de drogas, ficando 7 anos
(231) OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Direito de desconexão frente as novas tecnologias no âmbito
das relações de emprego. Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior. V. 39,
2015. p. 79 e ss.
(232) MIKOS, Nádia Regina de Carvalho. Desjudicialização do dano extrapatrimonial laboral. Curiti-
ba: Juruá, 2018.
(233) Disponível em: . Acesso
em: 20 jul. 2017.
(234) ITALIA, La Repubblica. Archivio. Brasillà, um inocente in cárcere la sua storia diventa uma
fiction. Disponível em:
rilla-un-innocente-in-carcere-la-sua.html>. Acesso em: 20 jul. 2017.
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injustamente preso, sendo privado do convívio da família e da noiva, renunciando
aos hábitos que tinha na vida, sofrendo privações e preconceito como suposto
traficante de drogas.
No campo juslaboral, o dano existencial:
[...] “decorre da conduta patronal que impossibilita o empregado de se
relacionar e de conviver em sociedade por meio de atividades recreativas,
afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que
lhe trarão bem estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade;
ou que impede de executar, de prosseguir ou mesmo recomeçar os
seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis pelo seu
crescimento ou realização profissional, social e pessoal”.(235)
Tal se dá mediante imposição de volume excessivo de trabalho ao empregado
(jornadas extenuantes) que o impossibilita de ter uma vida social, familiar, afetiva,
recreativa, o privando de seus projetos de vida nas esferas pessoal, profissional
e social. Não é qualquer jornada, mas aquela suficiente para gerar uma lesão de
monta ao lazer ou substancial ao direito de descanso.
Assim, a prestação de horas extras, ainda que habitual, não tem o condão de
gerar o dano existencial, se não atingido o projeto de vida ou a vida de relações.
Nesse sentido a jurisprudência se posiciona.(236)
Surge, no entanto, o direito ao dano existencial, quando a jornada cumprida
se revela sequencialmente extensa a ponto de não permitir ao trabalhador outra
vida além da laboral, tal como no cumprimento de jornada de 2ª à 6ª feira, das
7h30min às 20h, com 40min de intervalo.(237)
(235) BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. O Dano Existencial e o Direito do Trabalho. Disponí-
vel em: .
Acesso em: 29 abr. 2017.
(236) DANO EXISTENCIAL — LABOR EM HORAS EXTRAS — AUSÊNCIA DOS REQUISITOS — INDENI-
ZAÇÃO INDEVIDA — “Indenização. Danos existenciais. Labor em horas extras. Não caracterização. O
dano existencial é espécie de dano imaterial, que, como o próprio nome sugere, refere-se ao impacto
gerado pelo ato ou omissão que provoca um vazio existencial no indivíduo pela perda do sentido da
vida. Nessa espécie de dano, sua existência não se apresenta como dano in re ipsa, devendo haver
comprovação do dano alegado. Ademais, o não cumprimento da legislação trabalhista decorrente
da prestação de jornada extraordinária enseja tão somente o pagamento da verba, não repercutindo
em ofensa à honra, à imagem ou à sua dignidade profissional asseguradas pelos incisos V e X do
art. 5º da Constituição Federal, capaz de justificar a condenação do empregador ao pagamento da
indenização por dano existencial. Recurso não provido.” (TRT 24ª R. — RO 575-88.2012.5.24.0003 —
Rel. Des. Ricardo G. M. Zandona — DJe 27.11.2012 — p. 22)
(237) DANOS EXISTENCIAIS. JORNADA EXTENUANTE. DEVER DE INDENIZAR. ARBITRAMENTO DO
VALOR. Para que se caracterize o dano existencial, o ato ilícito deve implicar prejuízos ao projeto de
vida ou à vida de relações da vítima. Dois aspectos fundamentais devem ser considerados: primeiro,
quando a pessoa tem inviabilizada a possibilidade de realizar seus projetos de vida, de desenvolver
suas aspirações e vocações em diversas áreas quanto ao desenvolvimento pessoal, profissional e
social, quando a liberdade de escolha para direcionar suas ações encontra-se tolhida e a vítima tem
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Caracteriza-se quando o empregado passa quase o tempo todo dedicado ao
trabalho, sem tempo livre. Caso típico de dano existencial decorre de jornada de 12h
por dia, de 2ª à sábado, inclusive feriados, e três dias da semana jornada de 14h,
sempre com 30min de intervalo.(238)
Tal como exposto, no entanto, a renúncia deve ser involuntária, de sorte que
vale observar decisão que indeferiu pleito de executiva que escolheu a ascensão
profissional e o conforto financeiro ao invés do direito ao lazer e descanso.(239)
impedida a sua autorrealização, o que gera frustrações; e segundo, quando as relações interpessoais
da vítima são atingidas e ela se vê impedida de se relacionar em diversos ambientes e contextos,
notadamente o convívio social e familiar, seja em atividades culturais, espirituais, recreativas, afetivas,
esportivas, o que afeta sua vida pública e íntima, causa isolamento social e obsta que se desenvolva
de forma socialmente saudável. Ao se reconhecer o cumprimento de jornada extenuante de forma
contínua (a exemplo da reconhecida em juízo, “de segunda à sexta-feira das 7h30 às 20h00, já
computado o tempo gasto nas atividades desenvolvidas em casa, com 40 minutos de intervalo intra-
jornada) é imperativo reconhecer, também, que o empregador impõe ao trabalhador ônus excessivo
o de prestar trabalho além dos limites de suportabilidade humana e de suas horas extras permitido
em lei. A conduta do empregador, nessas condições, implica impor condição indigna de vida ao
trabalhador e provocar dano existencial por ter inviabilizado projetos de vida e atingido a vida de
relações deste. Há danos imateriais, tanto morais em sentido estrito, como existenciais, o que implica
o dever de indenizar. A gravidade do dano, o tempo que perdurou a ofensa, o grau de comprome-
timento à vítima e a condição econômica do empregador devem ser considerados no valor a ser
arbitrado. Provimento que se dá ao recurso da autora para deferir indenização por danos existenciais.
(TRT-PR-15204-2014-012-09-00-0-ACO-05286-2017. 2ª Turma. Relatora: Marlene Teresinha Fuverki
Suguimatsu. Publicado no DET em 21.02.2017)
(238) JORNADAS DE TRABALHO EXAUSTIVAS — DANO EXISTENCIAL — INDENIZAÇÃO — A realiza-
ção pelo empregado, por longos períodos, de jornadas de trabalho exaustivas acarreta limitações
em relação à sua vida fora do ambiente de trabalho e viola direitos fundamentais, configurando o
chamado dano existencial. Hipótese em que restou reconhecida a unicidade do contrato de emprego
mantido entre o reclamante e a primeira reclamada no período de 02.07.2001 a 19.12.2010, tendo
sido também confirmada a decisão de primeiro grau que acolheu a jornada de trabalho apontada na
petição inicial: de segunda-feira a sábado, inclusive em feriados, das 6h às 18h, e até as 20h em três
dias da semana — Segunda, quarta e sexta-feira — , sempre com 30 minutos de intervalo. Sentença
mantida no aspecto. (TRT 04ª R. — RO 0000620-36.2011.5.04.0019 — 5ª T. — Relª Juíza Conv. Brígida
Joaquina Charão Barcelos Toschi — DJe 13.12.2013)v105.
(239) DANO EXISTENCIAL — ASCENSÃO PROFISSIONAL — AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO
— INDENIZAÇÃO INDEVIDA — “Indenização por danos existenciais. Caso em que resta inviável o de-
ferimento de indenização por danos existenciais à reclamante, já que ela teve ascensão profissional
na empresa em que laborava. Na análise do contexto de projeto de vida da autora, deve ser levada
em consideração não só a redução do tempo destinado ao lazer e ao convívio social que a deman-
dante teve, mas também a ascensão profissional pela qual ela passou. A realização profissional
também integra o projeto de vida de quem vive do trabalho. Ocorre que, em muitas vezes, a
escolha por um projeto acaba relativizando a realização de outros. No caso, a reclamada não
pode ser responsabilizada por esta relativização, já que a reclamante não foi obrigada, nem coagida
a exercer função de confiança. Indenização por dano moral. Assédio moral. Caso em que o contexto
da prova documental e testemunhal produzida evidencia que a reclamante foi vítima de agressão
verbal praticada por superior hierárquico, em um contexto de cobrança excessiva por metas, conduta
que afronta os arts. 1º, III e IV, 5º, III e X, e 170, todos da Constituição Federal.” (TRT 04ª R. — RO
0001137-87.2010.5.04.0015 — 7ª T. — Rel. Des. Marcelo Gonçalves de Oliveira — DJe 19.07.2012).
87
O dano existencial não se presume, estando sujeito à demonstração da
existência do abalo concreto ao projeto de vida e à vida de relações, tal como a
prova da impossibilidade de convívio com a família e com os amigos.(240)
A realização de horas extras, pois, acima do limite máximo permitido ou
outras violações de direitos de lazer e descanso não representa, por si só o
reconhecimento do dano. Necessária, pois, a prova do ato ilícito do empregador,
do dano efetivo, e do nexo de causalidade.(241)
O dano existencial encontrou a sua positivação, ainda que tímida no direito
brasileiro, por força da Lei n. 13.467/2017, que inseriu a letra “B” na redação do
art. 223 da CLT, com a seguinte redação:
Art. 223-B. Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera
moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito
à reparação.
Em sendo cabível o direito à indenização por dano existencial, duas poderão
ser as posições do julgador. Uma é a aplicação do recém criado título II-A, arts. 223-A
a 223-G da CLT, fruto da Lei n. 13.467/2017, que prevê o tabelamento do dano
extrapatrimonial, em valores que variam de 3 vezes a 50 vezes o último salário
contratual do empregado(242), podendo chegar ao dobro em caso reincidência(243)
das mesmas partes; a outra é a declaração incidental de inconstitucionalidade da
nova lei por violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, vez que a pessoa
não pode ter os seus valores tarifados, devendo o juiz avaliar as circunstâncias de
cada caso para aplicar a indenização que entender justificável à espécie.
(240) OLIVEIRA NETO, Célio Pereira. Instituto..., p. 79 e ss.
(241) DANO EXISTENCIAL — LABOR EM HORAS EXTRAS — AUSÊNCIA DOS REQUISITOS — INDENI-
ZAÇÃO INDEVIDA — “Indenização. Danos existenciais. Labor em horas extras. Não caracterização. O
dano existencial é espécie de dano imaterial, que, como o próprio nome sugere, refere-se ao impacto
gerado pelo ato ou omissão que provoca um vazio existencial no indivíduo pela perda do sentido da
vida. Nessa espécie de dano, sua existência não se apresenta como dano in re ipsa, devendo haver
comprovação do dano alegado. Ademais, o não cumprimento da legislação trabalhista decorrente
da prestação de jornada extraordinária enseja tão somente o pagamento da verba, não repercutindo
em ofensa à honra, à imagem ou à sua dignidade profissional asseguradas pelos incisos V e X do
art. 5º da Constituição Federal, capaz de justificar a condenação do empregador ao pagamento da
indenização por dano existencial. Recurso não provido.” (TRT 24ª R. — RO 57588.2012.5.24.0003 —
Rel. Des. Ricardo G. M. Zandona — DJe 27.11.2012 — p. 22)
(242) Art. 223-G, § 1º. Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada
um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação: I — ofensa de natureza
leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido; II — ofensa de natureza média, até cinco
vezes o último salário contratual do ofendido; III — ofensa de natureza grave, até vinte vezes o últi-
mo salário contratual do ofendido; IV — ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último
salário contratual do ofendido.
(243) Art. 223-G, § 3º. Na reincidência entre partes idênticas, o juiz poderá elevar ao dobro o valor
da indenização.

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