Direitos da personalidade

AutorLeda Maria Messias da Silva/Marice Taques Pereira
Ocupação do AutorPós-doutora em Direito do Trabalho, professora da Universidade Estadual de Maringá e Centro Universitário de Maringá/Professora de Direito do Trabalho da PUC-Maringá-PR
Páginas31-49

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É necessário tecer comentários sobre os direitos da personalidade, tendo em vista que eles estão intimamente ligados à dignidade do trabalhador no meio ambiente de trabalho.

Para De Plácido e Silva “personalidade deriva do latim personalitas, de persona (pessoa), e significa o conjunto de elementos, que se mostram próprios ou inerentes à pessoa, [...]”.53“A ideia de pessoa e de personalidade é fundamental para a compreensão do fenômeno, na medida em que o Direito é concebido tendo como destinatário os seres humanos em convivência”.54 E é no meio ambiente de trabalho que as pessoas passam o maior tempo de suas vidas no convívio com outras pessoas.

Portanto, neste capítulo, serão analisados os direitos da personalidade.

3.1. Contextualização dos direitos da personalidade

Na Antiga Grécia, onde teve início a construção da ideia de ‘pessoa’, já havia a tutela da personalidade individual, concretizada por meio da hybris, que se traduzia como injustiça, excesso, exigindo a sanção penal.55

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Todavia, na doutrina tradicional, alguns desconsideram o surgimento da tutela da personalidade, na Grécia antiga, e citam como seu nascimento as Leis das XII Tábuas, uma antiga legislação que consta na origem do direito romano e que tratava de normas da esfera jurídica do cidadão, do indivíduo. Tais normas sancionavam as ofensas aos bens da personalidade, por meio de ‘vingança privada, autorizada por sentença pública’.56

José Castan Tobenãs diverge desta opinião e afirma, em sua obra, que deve se ter clareza de que esses direitos, acima expostos, tratavam de uma proteção totalmente diversa da dispensada atualmente, devendo ser levado em consideração o contexto histórico-social, absolutamente distinto. Para o autor, a tutela da personalidade do mundo antigo se dava por meio de manifestações isoladas e não de forma sistemática, como, atualmente, se concebe a proteção dos direitos da personalidade.57 Deste posicionamento pactuam, também, Danilo Doneda e Gustavo Tepedino.

Embora os gregos e romanos tivessem preconizado a proteção da pessoa humana, vale ressaltar que foi com o cristianismo, por meio de propósitos fraternos e universais que surgiu a ideia da dignidade humana. A doutrina proclamou a vinculação existencial do homem a Deus, desfazendo, assim, as concepções políticas dos romanos sobre o conceito de pessoa. O homem passou a ser inserido no campo da subjetividade, passando a ser considerado sujeito portador de valores.58

É com a influência da Era Cristã que a noção de pessoa, na Idade Média, desvincula-se da força atrativa das instituições, adquirindo unicidade e individualidade, já que o homem passa a ser a personificação da imagem do criador. Essa alteração de perspectiva representa os primeiros passos para o desenvolvimento da noção de pessoa e dos direitos da personalidade, os quais irão se solidificar na modernidade.59

Ingo Wolfgang Sarlet, em sua obra, também ratifica a opinião de Francisco Amaral e discorre que foi a partir do Antigo e do Novo Testamento que se encontram referências de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, portanto é “dotado de um valor próprio e que lhe é intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto ou instrumento”.60

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Na primeira fase do cristianismo, quando este havia assumido a condição de religião oficial do império, destaca-se o pensamento do Papa São Leão Magno, sustentando que os seres humanos possuem dignidade pelo fato de que Deus os criou à sua imagem e semelhança, e que, ao tornar-se homem, dignificou a natureza humana, além de revigorar a relação entre o Homem e Deus mediante a voluntária crucificação de Jesus Cristo. Logo, depois, no período inicial da Idade Média, Anicio Manlio Severino Boécio, cujo pensamento foi (em parte) posteriormente retomado por São Tomás de Aquino, formulou, para a época, um novo conceito de pessoa e acabou por influenciar a noção contemporânea de dignidade da pessoa humana ao definir a pessoa como substância individual de natureza racional.61

Na Idade Média, graças à influência da Era Cristã, que preconizava ser o homem a personificação da imagem do Criador, a noção de pessoa única, individual e singular passa a existir. Em decorrência desta nova concep- ção, o desenvolvimento dos direitos da personalidade se solidifica na modernidade.

Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, a primeira manifestação da teoria dos direitos da personalidade, ainda que sob a forma de liberdades públicas, situa-se na Carta Magna da Inglaterra, de 1215, que reconheceu os direitos primários do ser humano, em face do governo.62

Outro destaque dos direitos da personalidade, como afirma José Castan Tobeñas, são os chamados direitos naturais ou inatos que passaram a existir a partir do século XVII, com a Escola de Direito Natural. Consolidaram-se os direitos que nascem com o homem, são ligados à pessoa e, portanto, devem ser reconhecidos pelo Estado.63

Elimar Szaniawski afirma que a doutrina do Direito Natural, desenvolvida nos séculos XVII e XVIII, serviu como base para a construção do direito geral de personalidade, do século XX.64

Nos séculos XVI e XVIII, com o Iluminismo, desenvolveu-se a teoria dos direitos subjetivos, que consagrou a tutela dos direitos fundamentais e próprios da pessoa humana.

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Após o Iluminismo, séculos XVI a XVIII, os textos fundamentais consagraram a proteção da pessoa humana. Os textos foram: Bill of Rights, em 1689; e a Declaração de Independência das Colônias inglesas, em 1776.65

Na França, em 1789, é editada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, baseada nas ideias iluministas que inspiraram a Revolução Francesa. Esta Declaração dos Direitos do Homem tornou-se modelo para as demais declarações. “Esta declaração deixou de prever os direitos sociais dos indivíduos, preocupando-se apenas com o aspecto individualista”.66 Positiva-se, assim, os que são chamados, atualmente, de direitos de primeira geração, servindo de base para a formação das primeiras constituições.

O grande marco foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, após a Segunda Guerra Mundial, diante das agressões causadas pelos governos totalitários à dignidade humana, tomou-se consciência da importância dos direitos da personalidade para o mundo jurídico. A Declaração afirmou que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Em 1950, promulgou-se a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Posteriormente, em 1966, foi promulgado o Pacto Internacional sobre Direitos Humanos e Civis.67

A Constituição Federal de 1988 acatou a tendência mundial de reconhecimento de um direito geral de personalidade e consagrou a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, em seu art. 1º, III.68

Este princípio da Dignidade da Pessoa Humana é um dos alicerces da República Federativa do Brasil. A República é constituída sobre este princípio, parâmetro de validade, até mesmo, para a elaboração de leis.

Wanderson Lago Vaz e Clayton Reis afirmam que o princípio da dignidade da pessoa humana, contido no art. 1º, III da Constituição Federal, é o fundamento jurídico da teoria contemporânea dos direitos da personalidade. “Tal afirmação decorre do fato de ser o princípio da dignidade um princípio matriz, devendo ser lido e interpretado em todo o ordenamento pátrio brasileiro”.69

A Constituição também trouxe outros atributos inerentes à personalidade humana, conforme estabelecido no art. 5º, caput e seus incisos, como o rol

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de direitos fundamentais, tais como a vida, liberdade, igualdade, integridade psicofísica, privacidade, intimidade, honra, e a imagem, dentre outros.

Além dos direitos fundamentais estarem consagrados no art. 5º, a tutela da personalidade alcança vários outros direitos especiais tutelados no texto constitucional como, por exemplo, o art. 170, que trata sobre a ordem econômica, os art. 194 a 201, que estabelecem o sistema de seguridade social e, assim por diante.70

Portanto, os direitos da personalidade são direitos fundamentais, mas nem todo direito fundamental é considerado direito da personalidade(s).

Vale ressaltar que tais direitos são simplesmente exemplos do que se está tratando, visto que o § 2º, do art. 5º, da Constituição Federal, determina que os direitos e garantias expressos na Constituição “[...] não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Sendo assim, pode-se afirmar que a tutela da personalidade é dotada de elasticidade. “Elasticidade no sentido de abrangência de tutela que faz incidir a salvaguarda da dignidade em todas as situações, previstas ou não, em que esgrimida a personalidade tida como valor máximo do ordenamento”.71

No aspecto infraconstitucional brasileiro, o Código Civil de 2002 acolheu esta nova roupagem e incluiu um capítulo próprio, art. 11 a 21, que discorrem sobre os direitos da personalidade.

Todavia, na opinião de Fabio Minardi, o Código Civil desenvolveu timidamente o assunto. O autor ressalta o pensamento de Maria Helena Diniz que, ao se referir ao tema, assevera que o Código Civil não assumiu o risco de uma enumeração taxativa, prevendo em poucas normas a proteção de certos direitos inerentes ao ser humano. O objetivo primordial é o de preservar o respeito à pessoa e aos direitos protegidos constitucionalmente, talvez para que haja, posteriormente, o desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário e a regulamentação por normas especiais.72

Esta mesma opinião é compartilhada por Wanderson Lago Vaz e Clayton Reis que, assim, se expressam: “os direitos da personalidade, no direito pátrio, são considerados como numerus...

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