Direitos e cuidado para a proteção da autonomia prática de animais não humanos

AutorMaria Alice da Silva - Tânia Aparecida Kuhnen
CargoDoutoranda no Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina - Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas42-64
http://dx.doi.org/10.5007/1807-1384.2015v12n1p42
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
DIREITOS E CUIDADO PARA A PROTEÇÃO DA AUTONOMIA PRÁTICA DE
ANIMAIS NÃO HUMANOS
Maria Alice da Silva
1
Tânia Aparecida Kuhnen
2
Resumo:
O objetivo deste artigo é apresentar o conceito de autonomia prática de Steven Wise
e o modo como se distingue da noção tradicional e moderna de autonomia kantiana,
buscando evidenciar a importância dessa noção de autonomia para o
reconhecimento de direitos jurídicos aos animais não humanos e a proteção de suas
formas específicas de vida por meio de práticas de cuidado e de responsabilidade
nas relações entre humanos para com não humanos. Por meio da investigação
bibliográfica e análise teórica, busca-se, inicialmente, apresentar as distinções
conceituais centrais de Wise para, na sequência, indicar a aplicação do conceito de
autonomia prática no âmbito jurídico, tendo em vista o reconhecimento de direitos
aos animais. Por fim, mostra-se como o conceito de autonomia prática requer mais
do que direitos jurídicos. Ele implica obrigações morais por parte de agentes
individuais e do Estado para assegurar as condições adequadas de autonomia e
liberdade de animais não humanos.
Palavras-chave: Animais não humanos. Autonomia. Cuidado. Direitos. Liberdade.
1 INTRODUÇÃO
O debate das últimas décadas em torno dos direitos animais vem
desenvolvendo e ampliando o vocabulário jurídico e algumas noções tradicionais
comprometidas com o momento histórico na qual foram desenvolvidas. Esse é o
caso do conceito de “igualdade”. Peter Singer, ao apresentar o princípio da igual
consideração de interesses semelhantes, afirma que o conceito de igualdade não
refere uma igualdade de fato, mas uma igualdade baseada no compartilhamento de
certos interesses semelhantes, tais como, o interesse em manter-se vivo e em não
sentir dor. Não é o formato externo do indivíduo, nem alguma propriedade ou
1
Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa
Catarina. Pesquisadora bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa
Catarina (FAPESC), Florianópolis, SC, Brasil. E-mail: mariaalicesilv@gmail.com
2
Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Realizou estágio de pesquisa na
Humboldt Universität zu Berlin, Florianópolis, SC, Brasil. Email: taniakuhnen@hotmail.com
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.12, n.1, p.42-64, Jan-Jun. 2015
aptidão aparente que conta para sua igualdade, mas sim seus interesses. O que
acreditamos mesmo quando defendemos a igualdade é que compartilhamos todos
os interesses, que devem ser respeitados e atendidos. O princípio moral exige,
segundo Singer (1994, p. 30-31), que se atribua o mesmo peso aos interesses que
se apresentam como semelhantes, independentemente de qual for o ser em questão
ou de quem for o interesse. Por meio dessa concepção de igualdade, Singer a
expande para além da fronteira da espécie humana e consegue garantir proteção
moral a todos os seres sencientes dotados de interesses semelhantes.
Também a noção de “autonomia” e suas implicações no sentido tradicional do
termo tem sofrido questionamentos e reformulações. Tomada em seu sentido
tradicional, dificilmente há como aplicar a noção de autonomia aos animais, uma vez
que tal característica foi pensada em certo período histórico justamente para
distinguir seres humanos dos demais animais, e atribuir aos primeiros um estatuto
diferenciado. Por serem autônomos, seres humanos foram então reconhecidos
como superiores aos membros de outras espécies e, por isso, dignos de integrarem
a comunidade moral e serem beneficiários da proteção jurídica, bem como terem
outras vantagens legais e ganhos sociais. Com o novo cenário das discussões sobre
os direitos animais, o conceito de autonomia vem, portanto, passando por
reformulações tendo em vista atender ao interesse de expansão da comunidade
moral para além de seres humanos.
Ainda que alguns eticistas animalistas, a exemplo do que faz Peter Singer,
dispensem a noção de autonomia por estar comprometida com a ética tradicional e
sigam outras vias de argumentação a favor da inclusão dos animais sencientes na
comunidade moral, centrada no respeito aos seus interesses e preferências, esse
conceito mantém-se central para autores que defendem a atribuição de direitos aos
animais. Enquanto o conceito de igualdade é central para Singer, uma vez que ele
reivindica a inclusão dos seres sencientes dentro da comunidade moral, a noção de
pessoa é central para aqueles que buscam reconhecer direitos jurídicos aos animais
não humanos. Outros autores defendem os direitos jurídicos aos animais, é o caso,
por exemplo, de Gary Francione.
Francione considera que há pelo menos um direito que é essencial para todos
os seres sencientes: o direito a não se constituir como propriedade. Para defender
este direito é preciso sanar nossa esquizofrenia moral. Este conceito, o de

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