Direitos animais: zoológicos como prática colonial humana

AutorRaquel Fabiana Lopes Sparemberger, Isabela Peixer Galm Bernardes
CargoPós-doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina/Mestranda em Direito e Justiça Social na Universidade Federal do Rio Grande - FURG
Páginas14-30
14 | Revista Brasileira de Direito Animal, e -issn: 2317-4552, Salvador, volume 15, n. 03, p.14-30, Set Dez 2020
DIREITOS ANIMAIS: ZOOLÓGICOS COMO PRÁTICA
COLONIAL HUMANA
ANIMAL RIGHTS: ZOOS AS HUMAN COLONIAL PRACTICE
Recebido: 27.04.2020 Aprovado: 06.05.2020
Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
Pós-doutora em Direito pela Universidade Federal
de Santa Catarina . Doutora em Direito pela
Universidade Federal do Paraná. Professora do
Programa de Mestrado em Direito da Universidade
Federal do Rio Grande - FURG. Professora
pesquisadora do CNPq e FAPERGS.
E-MAIL: fabiana7778@hotmail.com
LATTES: http://lattes.cnpq.br/1275535624435246
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9366-9237
Isabela Peixer Galm Bernardes
Mestranda em Direito e Justiça Social na
Universidade Federal do Rio Grande - FURG.
E-MAIL: isabelagalm@gmail.com
LATTES: http://lattes.cnpq.br/1447713961034116
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9763-3039
RESUMO: Diante das barreir as do Direito posto, que toma como orientação o paradigma
colonial da humanidade, reflexões acerca dos animais não-humanos são necessárias para que
se possa transcender a significação clássica de animais enquanto propriedade, já que não se
pode continuar a mercê de tradicionais comportamentos humanos que insistem numa
arbitrária hierarquização de vidas igualmente sencientes. Objetivou-se no decorrer do texto
demonstrar a relação de colonialidade presente no tratamento entre humanos e animais não-
humanos, resultado do pa radigma especista da humanidade, responsável por subjugar
animais não-h umanos e reduzi-los ao status de coisa inanimada. Contudo, argumenta-se ser
possível compreender o animal não-humano en quanto ser sujeito de direitos a partir de
justificativas ético-filosóficas encontradas nas obras de Tom Regan e Peter Singer, autores
expoentes da Ética Animal. Ademais, apre senta-se a necessidade de um esforço do Direito
para passar a enxergar o Outro, diferente do humano também enquanto ser sujeito de direitos
a partir de compreensõe s descoloniais da norma, sobretudo no que se refere à Carta
Constitucional de 198 8 e à lei federal n° 7.173/1983, que dispõe sobre o estabelecimento e
funcionamento de jardins zoológicos.
PALAVRAS CHAVE: Direitos animais; Sujeitos de direitos; Zoológicos; Especismo.
ABSTRACT: Faced with the barriers of the Law, which takes as its orientation the colonial
paradigm of humanity, reflections on non-human animals are necessary so that the classical
meaning of animals as proper ty can be transcended, since one cannot continue at the mercy of
traditional human behaviors that insist on an arbitrary hie rarchy of equally sentient lives.
Throughout the text, the aim was to demonstrate the coloniality relationship present in the
treatment bet ween humans and non-human animals, resulting from the speciesist paradigm
of humanity, responsible for subjugating non-human animals and reducing them to the status
of inanimate things. However, it is argued that it is possible to understand the non-human
animal as being subject to rights from ethical-philosophical j ustifications found in the works of
Tom Regan and Peter Singer , leading authors of Animal Ethics. In addition, there is a need for
an effort of the La w to see the Other, different from the human also as a subject of rights fro m
Raquel Fabiana Lopes Sparemberger e Isabela Peixer Galm Bernardes
15 | Revista Brasileira de Direito Animal, e -issn: 2317-4552, Salvador, volume 15, n. 03, p.14-30, Set Dez 2020
descolonial understandings of the norm, particularly with regard to the 1988 Constitutional
Charter a nd t he feder al law n ° 7,173/1983, which provides for the establishment and
operation of zoos.
KEYWORDS: Animal Law; Subjects to rights; Zoos; Speciesism.
SUMÁRIO: 1 Introdução 2 Colonialidade da compreensão: o animal não-humano como “não-
sujeito” 3 Justificativas ético-filosóficas para se considera r animais não-humanos enquanto
sujeitos de direitos 4 Compreensão descolonial dos animais não-humanos na esfera jurídica
brasileira 5 O que há de errado em aprisionar 6 Considerações finais 7 Referências 8 Notas de
Referências
1 Introdução
Imerso no paradigma que insiste em perpetuar a espécie humana como ser excelso entre
todos os seres, o Direito tradicionalmente entende que animais não-humanos não são e não
podem ser considerados sujeitos de direito. No entanto, a urgência da discussão acerca da
crueldade animal perpassa inegavelmente pela compreensão jurídica do que se entende ou não
como crueldade animal. O Direito não caminha só, por isso, para que se busque um novo olhar
sobre animais não-humanos a discussão atravessa outras áreas do conhecimento, tornando
possível reclamar a esses animais condições mínimas de existência.
A abordagem se concentrará sobre o aprisionamento animal em jardins zoológicos
enquanto prática colonial humana, haja vista ser mais um espaço onde são perpetuados atos de
crueldade animal que, atingido pela miopia moral, não permite à espécie humana enxergar as
condições de exploração às quais animais não-humanos são submetidos. Propõe-se, diante da
transgressão de direitos animais em razão da exposição em jardins zoológicos, o
reconhecimento dos animais não-humanos enquanto sujeitos de direito a partir de duas teorias
da Ética Animal, quais sejam o utilitarismo-consequencialista de Peter Singer e a teoria não
consequencialista de Tom Regan.
Após abordados os argumentos pelos quais torna-se possível encarar animais não
humanos enquanto sujeitos de direitos, parte-se para a necessidade de uma nova abordagem
jurídica que tenha como foco a descolonialidade da norma. Por fim, conclui-se pela invalidade da
lei federal n° 7.173/83, responsável por regular jardins zoológicos, com base no argumento da
colonialidade do paradigma especista da humanidade e na interpretação descolonial da norma.
Para cumprir a tarefa a que se propõe, as argumentações desenvolvidas partem não só
da Ética Animal, tendo em vista o importante papel da Filosofia de provocação do Direito diante
da sua autêntica capacidade de ir além do que está posto, mas também das construções chaves
dos estudos da descolonialidade, pois tal viés de compreensão de mundo tem, na afirmação do
Outro, a possibilidade de negação da opressão, que se inicia a partir da exterioridade do Outro.
No contexto deste trabalho, o Outro é precisamente o animal objetificado pelo humano.
A metodologia que melhor se adequa à pesquisa é o método dedutivo, já que os
comentários tecidos ao longo do texto partem de teorias que defendem ou possam defender
direitos animais. Esse arcabouço teórico é ferramenta para explicitar a problemática específica
do sofrimento animal diante do aprisionamento em jardins zoológicos. Ademais, considerando
que a finalidade do método dedutivo é explicar o conteúdo das premissas1, a proposta dos
argumentos aqui apresentados é decifrar os enunciados principais trabalhados: a) animais não-
humanos são seres sujeitos de direitos; b) animais não-humanos não são enxergados enquanto
sujeitos de valor intrínseco por conta do paradigma especista da humanidade; e c) a lei federal
7.173/83 é inválida pois viola a vedação da crueldade animal. A partir da pesquisa

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