O direito a um meio ambiente do trabalho equilibrado e a inefi cácia dos instrumentos protetivos atualmente adotados

AutorTereza Margarida Costa de Figueiredo - Kilma Maísa de Lima Gondim
CargoMestranda em Constituição e Garantia de Direitos, subárea Direito Internacional e Concretização de Direitos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) - Mestra em Ciências da Sociedade pela UEPB. Professora da UEPB, Campus III. Advogada
Páginas90-102

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1. Introdução

Muito se vê a respeito da violação dos Direitos Humanos nos meios de comunicação, exigindo-se sempre, mesmo não se sabendo ao certo de quem, que tais direitos sejam respeitados, posto se tratar das garantias mínimas necessárias a uma existência livre e digna. Quanto à proteção ao meio ambiente a situação é a mesma: o senso comum facilmente detecta a necessidade latente desta, sem, entretanto, apontar seus elementos chaves, tais quais o objeto a ser protegido, os meios a serem utilizados, os destinatários de tal proteção e, especialmente, os responsáveis diretos e indiretos pela execução de tal direito.

Atualmente, reconhece-se a importância da tutela do meio ambiente, havendo inclusive um alargamento do conceito deste, de modo que locais antes pensados como relativos a outros ramos do Direito agora também são enquadrados enquanto parte do meio ambiente a ser tutelado; sendo tal interdisciplinaridade proporcionada pela ruptura entre as barreiras da dicotomia entre Direito Público e Privado.

Este trabalho busca, mediante análise majoritariamente bibliográi ca e jurisprudencial, trabalhar o conceito amplo de meio ambiente presente no art. 3º, I, da Lei n. 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, inserindo o local de trabalho como parte deste, tendo em vista a Constituição Federal assegurar a tutela ao meio ambiente laboral, em seu art. 200, VIII, sem, todavia, dei ni-lo. Ademais, o presente estudo aborda ainda a responsabilidade acerca da tutela e efetiva garantia do meio ambiente de trabalho adequado, apontando a inei cácia dos mecanismos existentes para tanto, tendo em vista que tal direito, além de direito social também é direito de terceira dimensão e, como tal, exige uma atuação conjunta entre sociedade, indivíduo e Estado.

2. Surgimento dos direitos humanos no cenário internacional

No passado, a soberania do Estado era seu aspecto mais importante, uma vez que se sobrepunha à vontade do próprio povo nos limites do seu território. Um Estado não inter-feria no que acontecia no outro, mesmo este sendo seu vizinho. O indivíduo, por sua vez, era visto como mera parte do Estado, devendo agir para satisfazer o desejo deste, não tendo sua vontade própria e necessidades levadas em consideração.

Depois dos horrores das duas Grandes Guerras e dos conflitos experimentados pelos Estados nos séculos XIX e XX, a sociedade internacional passou a se preocupar com garantias básicas que deveriam ser asseguradas ao indivíduo para sua existência, não apenas no âmbito de seu Estado, surgindo então as primeiras nuanças do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Segundo Flávia Piovesan1, tal direito funciona como resposta às atrocidades desencadeadas, especialmente, pelo nazismo, sendo um verdadeiro Direito pós-guerra, tendo como principais consequências a revisão do conceito de soberania nacional e absoluta dos Estados e a conscientização de que o ser humano necessita de uma gama de direitos que sejam tutelados na esfera internacional. De acordo com a autora2, a Declaração Universal

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dos Direitos Humanos introduz a noção contemporânea dos Direitos Humanos, a qual é marcada pelos aspectos da universalidade e indivisibilidade destes.

Para André de Carvalho Ramos3, a principal função dos Direitos Humanos é tutelar não apenas o direito à vida, mas sobretudo o direito a uma vida digna, na qual o indivíduo possua condições de participar de forma ativa na comunidade que integra. Portanto, pode-se aferir que os Direitos Humanos são aqueles mais básicos, sem os quais o sujeito resta impossibilitado de existir livre e plenamente.

De acordo com Paulo Bonavides4, baseando-se na teoria das gerações dos Direitos Humanos difundida por Karel Vasak, não há sobreposição dentre estes, de modo que a sua divisão possui viés meramente estrutural e cronológico. Os Direitos Humanos são, assim, conquistas culturais, cultivadas a longo prazo, não se encerrando quando do surgimento de uma nova categoria, posto que fazem parte de um processo cumulativo. Desse modo, "a vinculação essencial dos direitos fundamentais à liberdade e à dignidade humana, enquanto valores históricos e filosói cos, nos conduzirá sem óbices ao signii cado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana"5.

Grande parte da doutrina segue a divisão geracional adotada por Karel Vasak, o qual organiza os Direitos Humanos em três categorias distintas, de acordo com o momento histórico e as características que tais direitos ostentam. Bonavides6, por sua vez, indica o surgimento de mais dois segmentos, desencadeados pelo fenômeno da globalização política e pelos avanços na biotecnologia e genética (quarta dimensão), bem como destacando o direito à paz em categoria própria (quinta dimensão).

O constitucionalista defende ainda a adoção do termo "dimensão" e não geração para tratar sobre as categorias de Direitos Humanos, visto que o termo geração subentende ideia de superação e não de concomitância. Neste mesmo sentido, Piovesan7 ai rma que:

[...] adota-se o entendimento de que uma geração de direitos não substitui a outra, mas com ela interage. Isto é, afasta-se a ideia da sucessão ‘geracional’ de direitos, na medida em que se acolhe a ideia da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, todos essencialmente complementares e em constante dinâmica de interação.

Ainda no que tange à divisão dos Direitos Humanos em gerações ou dimensões, ilustre é a lição de Norberto Bobbio8, a qual ai rma que o desenvolvimento destes se faz a partir de sua multiplicação ou proliferação por causa do alargamento dos bens considerados como merecedores de tutela, a extensão da titularidade de alguns direitos a seres diversos do homem e da ressignii cação do indivíduo, este não mais considerado ente genérico e abstrato.

Bobbio9 classii ca as dimensões dos Direitos Humanos a partir da relação destes com o poder estatal, analisando a necessidade de restringi-lo ou exigir deste uma prestação positiva, de modo que:

Às primeiras, correspondem os direitos de liberdade, ou um não agir do Estado; aos segundos, os direitos sociais, ou uma ação positiva do Estado. Embora as exigências de direitos possam estar dispostas cronologicamente em diversas fases ou gerações, suas espécies são sempre - com relação aos poderes constituídos, apenas duas: ou impedir os malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios. Nos direitos de terceira e de quarta geração, podem existir direitos tanto de uma quanto de outra espécie.

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A partir do processo de desenvolvimento e multiplicação dos Direitos Humanos, proporcionado a partir de uma releitura do indivíduo e das relações em que este se insere, novas querelas quanto à efetividade de tais direitos surgem. Assim, mais importante do que categorizá-los é protegê-los de fato e, para tanto, deve-se atentar para a amplitude de seus objetos. Desta feita, tendo em vista o presente estudo tratar acerca da tutela do meio ambiente do trabalho, impende ressaltar sua conexão com os direitos sociais, fundamentais para o exercício da cidadania, bem como sua pertença aos direitos de fraternidade, dentre os quais se encontra o direito a um meio ambiente sadio, no qual o local de trabalho de insere. Neste norte, sintetiza Bobbio10:

Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído.

Em suma, percebe-se na atualidade a urgência para que se assegure não apenas para a geração presente, mas também para as futuras um meio ambiente sadio, o qual possibilite o desenvolvimento de todas as suas faculdades, sendo o meio ambiente colocado como carro-chefe de uma nova categoria de prestações, tanto de ordem negativa quanto positiva, a serem exigidas do Estado, visto que representa, em face de sua abrangência, toda uma ordem de valores inerentes a uma vida digna, plural, pautada na atuação conjunta entre indivíduo, sociedade e Estado em prol da preservação de um bem coletivo, de titularidade e responsabilidade de todos.

2 1. O direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado enquanto direito internacionalmente reconhecido

Até por volta do século XX, pouco se falava em proteção ambiental no cenário político internacional, sendo este considerado apenas como um problema interno dos Estados; isto porque a visão era de que os recursos existentes seriam sui cientes para a sobrevivência dos indivíduos, sem a preocupação com um futuro a longo prazo, apoiando-se em princípios frágeis, como o do poluidor-pagador, o qual justificava a poluição desde que houvesse retorno financeiro, sem mensurar os danos provocados por esta.

Destaca Rafael Santos de Oliveira11 que:

O surgimento de uma regulamentação em favor do meio ambiente não possui uma data certa a qual possa ser considerada como um marco oi cial de criação do Direito Ambiental Internacional. O que se percebe claramente é que o debate mundial acerca da internacionalização da proteção ao meio...

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