Direito Civil e Direito do Trabalho: Caminhos que se Cruzam

AutorMárcio Túlio Viana
Páginas77-80

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Diz uma velha frase, talvez de Afonso Arinos: "Liberdade, igualdade, fraternidade - palavras que se surpreendem de estarem juntas..."

Surpresa igual, provavelmente, sentiram as palavras "Direito Civil" e "Direito do Trabalho", quando em fins do século XIX se viram juntas pela primeira vez, opondo-se e compondo-se entre si.

De fato, tanto o Direito Civil como o Direito do Trabalho, cada qual a seu modo, deram ao capitalismo sua base jurídica e também ideológica; e, no entanto, desde o começo, cada um se mostrava quase o avesso do outro.

Como dizia outra frase famosa, a igualdade, para o Direito Civil, era "o ponto de partida"; já para o Direito do Trabalho, era "a meta de chegada". Ou pelo menos assim parecia ser.

Na verdade, o Direito do Trabalho nunca desejou a igualdade plena, pois ela implicaria romper com um sistema do qual ele é filho - um filho rebelde, mas não desnaturado. O que o Direito do Trabalho sempre perseguiu, por isso, foi a igualdade possível.

Quanto ao Direito Civil, não tinha uma "meta de chegada", a não ser que a identifiquemos com a tão falada "paz social"; mas mesmo essa "paz" viria não tanto pelas constrições da lei quanto pelas liberdades que a própria lei permitia, numa espécie de versão jurídica da "mão invisível" de Adam Smith...

Assim, normas imperativas de um lado, dispositivas de outro. Enquanto o Direito do Trabalho incorporava desigualdades jurídicas para compensar o desequilíbrio econômico1, o Direito Civil basicamente respaldava a ordem existente.

É certo que no centro de um e de outro estava (e está) a figura do contrato. Mas o contrato de trabalho traz as cores da subordinação, o que abala a própria convicção de que seja mesmo o que diz ser2 e o seu principal sujeito - o empregado - não deixa de ter, no fundo, algo de objeto, o que também traz arrepios à tradição civilista.

A grosso modo, se retomarmos o lema da Revolução Francesa, talvez possamos dizer que o Direito Civil, especial-mente em sua versão clássica, enfatizava a liberdade e a igualdade formal - deixando para o Direito do Trabalho a fraternidade e um pouco de igualdade real. Mas essa divisão meio a meio também podia ser, por sua vez, fracionada. E assim teríamos, de uma parte, o Direito Individual do Trabalho, construindo em alguma medida a igualdade real; e de outra o Direito Coletivo do Trabalho, construído pela fraternidade - ou solidariedade - entre os trabalhadores.

Por outro lado, as palavras que falam da origem do Direito do Trabalho também surpreendem as que descrevem o nascimento do Direito Comum. É que, como sabemos, quem construiu, basicamente, as normas trabalhistas, não foram os que detinham as rédeas do poder, mas aqueles que o poder oprimia.

Tiros, mortes, bombas, pancadas e ameaças estão presentes ao longo da história do Direito do Trabalho, em proporção imensamente maior que na evolução do Direito Civil. E não é de se estranhar. Afinal, enquanto o Direito Civil pode ser usado da mesma forma por qualquer cidadão, o Direito do Trabalho serve de anteparo ao choque profundo e sem fim entre o capital e o trabalho, vale dizer, entre os que têm e os que não têm os meios de produção.

O papel da classe operária na construção das normas protetivas está bem presente na greve, verdadeira metáfora da revolução e do conformismo3. Carnelutti a chamou certa vez de "direito contra direito". Ainda assim, o Estado teve de aceitá-la, fosse para domá-la, como a um potro bravio, fosse por ter sido, em alguma medida, também domado por ela. Mas a greve, mais que um direito, é "processo de criação de direitos"4. E também aqui o Direito do Trabalho mostra sua face rebelde -

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subversiva, mesmo - quebrando o monopólio estatal de ditar leis, através do acordo e da convenção coletiva.

E por ter sido construído assim, através da pressão dos miseráveis, nada mais natural que o Direito do Trabalho fosse chamado, no início, de "Direito Operário". Essas palavras, que em si mesmas também traziam um paradoxo, não descreviam apenas o sujeito a ser protegido - quase sempre um trabalhador de fábrica - mas a própria norma que o protegia, e que tal como ele se mostrava simples, de pés no chão, rente à vida.

Mesmo entre nós não foi muito diferente. Ao criar a CLT, Vargas não apenas respondia a pressões emergentes da classe operária, mas tratava de evitá-las no futuro. De resto - e o que é mais importante - as normas que o país importava, um tanto ou quanto artificialmente, traziam traços de sangue dos trabalhadores europeus. Assim, seja por uma razão ou por outra, o nosso Direito foi também Operário.

Como não poderia deixar de ser, o Processo do Trabalho refletiu a mesma origem do Direito Material, com sua tônica na conciliação, na celeridade e na simplicidade, ideais que hoje o Processo Civil incorpora com grande aparato e sem citar a fonte. Até mesmo a Justiça do Trabalho, por mais pomposa que possa parecer ao cidadão comum, sempre foi muito mais ágil, criativa e modesta que a Justiça Civil.

Na verdade, os próprios advogados civilistas costumam ser diferentes dos trabalhistas - especialmente os que defendem empregados. Os primeiros, habituados ao formalismo maior da Justiça Comum, tendem a se apresentar também mais formais. Entre os últimos, por várias razões, parecem ser mais numerosos os jovens e as mulheres, assim como - no outro...

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