Direito sumular

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas219-233

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Nenhum outro tema produziu jurisprudência e sumulação tanto quanto a aposentadoria especial desde 1995. São súmulas dos tribunais superiores da Justiça Federal, dos TRFs e, principalmente, do Juizado Especial Federal.

No passado até mesmo o IAPAS se preocupou com o tema: “O simples fato da caracterização da condição insalubre em determinada atividade não pode assegurar ao trabalhador o benefício da aposentadoria especial, que se trata de vantagem deferida quando do trabalho se origina dos desgastes das condições orgânicas, sem possibilidade de recuperação.” (Formulação IAPAS n. 37.b)

Este entendimento, decorrente do Parecer da Consultoria Jurídica do MPAS
n. 369/70, emitido 19 anos depois da LOPS (que se deve guardar para jamais nele se inspirar), é uma demonstração da confusão promovida em matéria de interpretação previdenciária.

Com efeito, o art. 31 da LOPS dizia que essa prestação “será concedida ao segurado que tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços, que, para esse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo”.

Em face de um entendimento inteiramente superado pelo tempo, este registro deve-se à preocupação em distinguir a aposentadoria especial da aposentadoria por invalidez e para alertar, mais uma vez, que se trata de uma prestação que tenta cobrir o risco e não o sinistro da insalubridade.

A infelicidade do elaborador do texto não teve limites, falando em simples fato; a exposição do trabalhador aos agentes físicos, químicos e biológicos não é simples é corrosivo de sua saúde. Ocorrendo o desgaste das condições orgânicas do segurado, há que se pensar no auxílio-doença e não na aposentadoria especial. Diante da alegada impossibilidade de recuperação, chega-se à aposentadoria por invalidez.

A formulação era totalmente inadequada, mesmo à época (1970), porque, como antecipado, confundiu o risco com o sinistro.

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441. Vigência dos níveis de decibéis

A mudança dos níveis de tolerância em matéria de ruído gerou as suas próprias dúvidas, a ponto de a Turma Nacional de Uniformização obrigar-se a baixar a Súmula TNU n. 32: “O tempo de trabalho laborado com exposição a ruído é considerado especial, para fins de conversão em comum, nos seguintes níveis: superior a 80 decibéis, na vigência do Decreto n. 53.831/64 (1.1.6); superior a 90 decibéis, a partir de 5 de março de 1997, na vigência do Decreto n. 2.172/97; superior a 85 decibéis a partir da edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003.”

Historicamente, para os fins da aposentadoria especial, a legislação previdenciária estabeleceu os níveis de tolerância do agente nocivo físico ruído em três patamares: a) 80 dB(A); 90 dB(A) e 85 dB(A), este último coincidente com a NR-15.

As duas últimas mudanças têm significado jurídico porque a ação deletéria da fonte sonora é a mesma e o que mudou foi o enquadramento técnico. A redução para 85 dB(A) suscita dúvidas sobre a aplicação retroativa da norma em relação a quem requereu e teve negado o benefício sob a alegação de que não ultrapassava 90 dB(A).

Claramente, a súmula está especificando os períodos em que vigeu cada um dos três níveis de tolerância.

Segundo vários autores, a produção do ruído é o agente nocivo físico mais referido como causador de disacusias e responsável por mais de 80% dos agravos invocados pelo segurados para obter a aposentadoria por invalidez. Tem sido também a maior preocupação das empresas na prevenção, embora elas não logrem EPC e prefiram EPI para contornar os efeitos sonoros.

Definido como a vibração do ar que incomoda o trabalhador, afeta sua orelha (aparelho auditivo), os médicos do trabalho distinguem o ruído de impacto (um som desagradável de curta duração) do ruído contínuo (som permanente que causa transtornos nas pessoas). Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro vai além e registra o ruído eventual e o intermitente (Aposentadoria Especial. Curitiba: Juruá, 2004. p. 315).

Níveis de tolerância, quando fixados legalmente, são aqueles presentes no local de trabalho por definição sem eficácia para causar danos no organismo do trabalhador, próprios do ambiente ou reduzidos graças ao uso de EPC ou EPI. No mundo real laboral, um patamar que limita a ação deletéria do agente nocivo.

Para a NR-15, é a concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não causa dano à saúde do trabalhador, durante sua vida profissional. Em cada caso, eles estão estabelecidos principalmente nas Normas Regulamentadoras da legislação trabalhista que lidam com a higiene, a medicina e a segurança do trabalhador.

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Dada a sua importância, rigorosamente quem deveria fixar os limites de tolerância deveria ser a lei. O MPS dispõe de recursos técnicos para elaborar Projeto de Lei indicando qual deve ser cada um deles e definir a situação nas hipóteses em que a ciência não tem definição.

Na redação da súmula, é apreensível que ela fale da presença do agente nocivo no ambiente de trabalho; nesse momento, ela está despreocupada sobre a utilização efetiva da tecnologia de proteção. Quer dizer, quando se raciocinar sobre o direito à aposentadoria especial é preciso pensar em níveis mensurados após a utilização de EPI e EPC, o que não é comum nos documentos assinados pelos profissionais habilitados (que não deixam claro se os decibéis indicados foram obtidos antes ou depois do uso da tecnologia de proteção).

Se um ambiente apresenta 89 dB(A) e um protetor auricular realmente o reduz para 79 dB(A), o segurado está prestando serviços abaixo do nível de tolerância e não faz jus a que o tempo seja considerado especial. De passagem, convindo lembrar a Súmula TST n. 80: “A eliminação da insalubridade pelo fornecimento de aparelhos protetores aprovados pelo órgão competente do Poder Executivo, exclui a percepção do adicional respectivo.”

Teoricamente, é possível afirmar que se alguém sofreu pressão sonora inferior aos 85 dB(A) durante 25 anos não está caracterizado o direito à aposentadoria especial. Se um médico do trabalho declarar imperativa, não hesitante e conclusivamente que mesmo expondo-se a nível inferior a esse patamar legal, certo segurado teve a saúde e a integridade física ameaçadas, ele tem direito ao tempo especial.

Ao contrário, nas mesmas condições, se alguém trabalhou num ambiente que oferece mais de 85 dB(A) e, entretanto, não teve em momento algum arriscada a sua saúde ou a sua integridade física, o tempo deveria ser considerado comum.

Nos termos do art. 93 do PCSS, quem ingressou totalmente surdo numa empresa, ainda que se exponha aos riscos sonoros de um ambiente laboral inóspito, não terá o tempo considerado especial.

Ignora-se a motivação da menção à conversão no enunciado; possivelmente, porque quando da sua elaboração estivesse em pauta a discussão sobre o prazo máximo (28.5.98). Mas, rigorosamente, eles devem valer para todos os fins da aposentadoria especial.

Até que sobreviesse a Lei n. 9.732/98, julgando estar amparada na autonomia do Direito Previdenciário, a legislação da aposentadoria especial fixava o seu próprio limite de tolerância que até então não coincidia com o da legislação trabalhista. A partir do Decreto n. 4.882/03, impôs-se essa vinculação.

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Na última manifestação da Previdência Social, a IN INSS n. 20/07 trata dos períodos de vigência: a) até 5.3.97 — 80 dB(A); b) de 5.3.97 até 18.11.03 — 90 dB(A); c) a partir de 19.11.03 — 85 dB(A).

A Súmula AGU n. 29, de 9.6.08, diz praticamente a mesma coisa: “Atendidas as demais condições legais, considera-se especial, o âmbito do RGPS, a atividade exercida com exposição a ruído superior a 80 decibéis até 5.3.97, sujeito a 90 decibéis dessa data até 18.11.03, e superior a 85 decibéis a partir de então.”

442. Idade mínima

A idade mínima, como não poderia deixar de ser, também experimentou evolução normativa. Diz a Súmula do TFR da 1ª Região n. 33: “Aposentadoria especial decorrente do exercício de atividade perigosa, insalubre ou penosa não exige idade mínima do segurado.”

Em 26.8.60, quando a aposentadoria especial foi introduzida no ordenamento previdenciário, o art. 31 da LOPS dizia: “A aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando com um mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições, tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional em serviços, que, para esse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos por decreto do Poder Executivo.” O Decreto n. 48.959-A/60 (RGPS), em seu art. 65, dizia praticamente a mesma coisa.

Logo, havia um limite mínimo de idade, possivelmente baseado no fato de que se alguém começasse a trabalhar com 18 anos, em cada caso, poderia se jubilar com 33, 38 ou 43 anos de idade! Esquecendo-se de quem assim pensasse que os 15, 20 ou 25 anos de atividade especial corresponderiam aos 35 anos de trabalho da aposentadoria por tempo de serviço (Limite de Idade para as Aposentadorias, in RPS n. 105/467).

Nota-se que, até 5.3.97, o benefício se referia expressamente às atividades perigosas...

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