O direito sucessório do cônjuge e do companheiro
Autor | Camilla Ayala Felisberto Silva, Matheus Felipe Moreira Zanetti, Stephanie Rodrigues Venâncio |
Páginas | 719-750 |
O direito sucessório do cônjuge... • 719
O DIREITO SUCESSÓRIO DO
CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO
UMA ANÁ LISE SOBRE A APLICABILIDADE
DO TRATAMENTO DIFERENCIADO
E O POSICIONAMENTO DO
SUPREMO TRIBUNA L FEDERAL
Camilla Aya la Felisberto Silva1
Matheus Felipe Moreira Za netti2
Stephanie Ro drigues Venâncio3
Resumo: O direito sucessório brasileiro no que diz respeito ao cônjuge
e ao companheiro passou por um longo processo evolutivo, com signi-
cativa inuência do direito português até chegar à fase atual, através
do Código Civil de 2002. A codicação civil atual estabeleceu regras
distintas ao direito hereditário das famílias constituídas por casamento
e união estável, destacando-se que todo o regramento desta última fora
inserido em um único dispositivo, o artigo 1.790, que fora objeto de dis-
cussão em sede de repercussão geral, em que se reconheceu a sua incons-
titucionalidade nos Recursos Extraordinários 646.721 e 878.694, por
entenderem os julgadores que o referido dispositivo tratava a matéria
sucessória do companheiro de forma discriminatória e limitada em rela-
ção aos direitos sucessórios do cônjuge. Parte-se do pressuposto de que
as famílias devem receber total proteção estatal, garantindo-se o respeito
a princípios como a igualdade, a dignidade da pessoa humana e a soli-
1 Mestra em Direito Privado. Pós-Graduada em Direito Civil. Pós-Graduanda em
Direito Civil e Processual Civil com ênfase em empreendedorismo. Advogada do
Núcleo de Prática Jurídica da PUC Minas.
2 Mestre em Direito Privado. Pós-Graduado em Direito dos Contratos, Direito de
Empresa, Direito Público. Pós-Graduando em Direito Internacional e Humanos e
Direito Processual e Civil. Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da PUC Minas.
3 Mestra em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior
Dom Helder Câmara. Pós-Graduada em Direito Civil Aplicado pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais.
720 • O Direito Civil nos Tribunais Superiores
dariedade familiar. Assim, utilizando-se do método dedutivo, por meio
de pesquisa e investigação por revisão bibliográca de fontes presentes
na doutrina, além da legislação e da jurisprudência, buscou-se analisar
os aspectos do tratamento diferenciado atribuído ao direito sucessório
do cônjuge e do companheiro no ordenamento jurídico brasileiro e
a possibilidade de equiparação como solução, atendendo aos ditames
constitucionais vigentes e aos anseios sociais modernos, acompanhando
as discussões que permearam os Tribunais Superiores na abordagem da
temática analisada.
Palavras-chave: Sucessões. Casamento. União Estável.
INTRODUÇÃO
Diante da ampla proteção atribuída às entidades familiares
em suas diversas formas através da Constituição da República de 1988
(CR/1988), questionamentos acerca da aplicação das leis infraconstitu-
cionais vêm causando certo desconforto na jurisprudência, na doutrina
e entre os legisladores. Exemplo disso é a discussão acerca das diferenças
sucessórias entre cônjuge e ao companheiro no Código Civil de 2002
(CC/2002).
A respeito do direito das sucessões, há que se reconhecer que
a família labuta e colabora pelo interesse comum com relação aos seus
bens, no intuito de aumentar o patrimônio não só individual, mas de
forma geral, a m de garantir o próprio futuro. A partir desse pressupos-
to, os legisladores amparam e desenvolvem o direito hereditário.
Logo se vê a ligação do direito sucessório com a família, sendo
a proteção familiar considerada atualmente, também, um dos funda-
mentos do direito sucessório. Em razão do princípio da solidariedade,
que fundamenta os deveres de assistência do pai aos lhos, bem como
do lho ao pai, diante do disposto no art. 229 da CR/1988, a transmis-
são hereditária visa proporcionar a propriedade do antecessor, segundo
o princípio da afeição real ou presumida.
O direito sucessório relativo ao cônjuge sobrevivente perpas-
sou por uma legislação inconstante e mutável até ser regulamentada pelo
CC/2002. No que diz respeito ao companheiro, a sua sucessão obteve
destaque nas disposições regulamentadas pelas leis n. 8.971 de 29 de
dezembro de 1994 e n. 9.278 de 10 de maio de 1996, até se chegar ao
O direito sucessório do cônjuge... • 721
CC/2002 que, por sua vez, trouxe praticamente toda a matéria perti-
nente à vocação hereditária do companheiro no artigo 1.790.
Partindo da premissa de proteção às famílias interligada ao
direito sucessório, utilizando-se do método dedutivo, por meio de pes-
quisa e investigação, objetivando uma percepção geral, através de uma
revisão bibliográca de fontes presentes na doutrina do direito além da
legislação e da jurisprudência, este estudo pretende analisar o tratamento
desigual que foi atribuído ao cônjuge e ao companheiro sobrevivente
no Código Civil de 2002, tendo como base a pauta de discussão que
chegou aos Tribunais Superiores até ser julgado pelo STF em sede de
repercussão geral nos Recursos Extraordinários 646.721 e 878.694. O
assunto se tornou emblemático e a principal discussão que se tornou
pauta nos tribunais pátrios fora a indagação a respeito da inconstitucio-
nalidade do artigo 1.790 do CC/2002.
Objetiva-se, portanto, aprofundar a análise sobre a possibi-
lidade de equiparação dos direitos sucessórios do cônjuge e do compa-
nheiro, a m de reduzirem ao máximo, a ponto até mesmo de ndarem,
as vastas discussões que permeiam o tema há tantos anos. A presente
pesquisa se justica ante a necessidade de que sejam tomadas providên-
cias capazes não somente de minimizar as falhas existentes no Código
Civil atual, mas de sanar os problemas que tanto permeiam o judiciário
quanto dividem opiniões de juristas e doutrinadores.
Dessa forma, o intuito é contribuir com a redução do acú-
mulo de demandas judiciais que trazem em seu bojo discussões com-
parativas sobre o direito sucessório do cônjuge e do companheiro, além
de procurar preservar a segurança jurídica e as garantias fundamentais
dispostas na própria Constituição da República, respeitando princípios
constitucionais, almejando que a legislação pátria seja progressiva e que
acompanhe a realidade fática vivida pela maioria dos brasileiros hodier-
namente.
1 CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL NO DIREITO
DAS FAMÍLIAS E DE SUCESSÕES
Em meio aos organismos sociais e jurídicos o conceito, a ex-
tensão e a compreensão de família tende a se modicar de acordo com
o tempo dentro da sociedade; são “signicações diversas condizentes
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