Direito social à saúde do trabalhador e tutelas de urgência

AutorVitor Salino de Moura Eça
Páginas306-312

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Vitor Salino de Moura Eça1

Introdução

A nossa Constituição Federal ao dispor dos direitos e garantias fundamentais assegura-nos, no art. 6º, que são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados, o que eleva o direito à saúde à mais alta categoria jurídica possível.

A Carta Magna vai além, salientando no art. 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Impõe-se pontuar que saúde não é apenas a ausência de doença, em sintonia com o conceito que vem sendo utilizado pela Organização Mundial da Saúde – OMS, agência espacializada da ONU para o setor, criada em 07 de abril de 1948, com sede em Genebra, na Suíça, para quem a saúde significa o completo estado de bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade.

Neste estudo nos interessa o homem mais especificamente enquanto trabalhador, em especial porque nesta condição merece tutela diferenciada do Estado, na medida em que afirma o caput do art. 7º de nossa Lei Maior, que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

Temos, assim, que a Constituição Federal garante a saúde a todos, mas que ao homem trabalhador a proteção é elastecida, consagrando o meio ambiente sustentável do trabalho, e integrando o empregador como agente promotor de saúde junto ao organismo de produção, em linha com o papel social da empresa.

Ocorre que o espaço de trabalho é controlado pelo empregador, situação que inibe o empregado a exigir as mais modernas e eficientes técnicas de prevenção, de saúde e segurança no ambiente de trabalho. E note-se que neste sítio se desencadeiam muitas doenças ocupacionais, algumas temporárias e outras com sequelas permanentes, e ainda serve de dramático palco de acidentes de trabalho, agravando o quadro da saúde no Brasil.

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As doenças ocupacionais se desenvolvem de modo lento e gradual, mas considerando-se que o contrato de emprego é de trato sucessivo e marcado pela impossibilidade ou dificuldade com o encaminhamento de exigências, ainda que justas, por parte dos empregados, no tocante às normas de saúde e segurança, até porque importam, inevitavelmente, em custos, as demandas são subdimensionadas.

A prevenção, lamentavelmente, não é algo tradicional entre nós. Isso contribui para a outra mazela do mundo do trabalho, que é o acidente, em cujos dados o país figura entre os recordistas. E diante disso, somam-se as demandas nas quais se buscam reparações de males já perpetrados.

O momento concita-nos à lucidez. Os empregados precisam notar a importância de formação e treinamento, a fim de não ficarem doentes e lesionados. Os empregadores precisam notar que é mais econômico prevenir do que pagar indenizações. Os agentes políticos também precisam cumprir com mais denodo as políticas públicas de promoção da saúde do trabalho, para o que estão igualmente convidados os sindicatos.

Nada obstante, até que a consciência da prevenção esteja plenamente formada, e considerando-se que entre nós as coisas só valem e funcionam mediante a inflexão judiciária, é hora de nós conhecermos melhor as tutelas de urgência para que a prevenção possa ocorrer de modo mais efetivo.

Importa-nos estimular a comunidade jurídica a antecipar-se ao dano efetivo, sobretudo no campo da saúde e segurança. Destarte, reafirmando a competência da Justiça do Trabalho, vamos ao exame das tutelas provisórias, fundadas no art. 294 e seguintes, do CPC, de cômoda aplicação entre nós, entendendo que elas se fundamentam em urgência ou evidência, e podem ser concedidas como tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, e ainda ser concedida em caráter antecedente ou incidental.

Normas de saúde, segurança e prevenção trabalhista

Como estamos a tratar de proteção do direito fundamental social da saúde, para introduzir o tema fizemos a exibição das mais significativas normas constitucionais relativas ao objeto de investigação. Depois delas temos as Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, que são várias em nosso tema de estudo, uma delas anterior à própria CLT e da ONU, que é a Convenção n. 42, concernente à indenização de moléstias profissionais, de 1934, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 1.361, de janeiro de 1937. Sobreveio a Convenção n. 115, que trata da proteção contra as radiações ionizantes, a Convenção n. 120, que dispõe sobre a higiene em escritórios, a Convenção n. 127, sobre o peso máximo de cargas que podem ser transportadas por um só trabalhador, e assim por diante.

Temos ainda muitas leis que tutelam a saúde e segurança do trabalhador, valendo como exemplos notáveis as Leis ns. 6.514/1977, que trata de insalubridade e periculosidade, a Lei n. 7.410/1985, de engenharia de segurança no trabalho, e a Lei n. 9.029/1995, que se ocupa dos atestados de gravidez e esterilização, sem prejuízo de inúmeras outras normas na mesma temática.

Naturalmente que a CLT também aqui cumpre o seu papel histórico. Ela que com indesejável frequência é injustamente acusada de anacronismo, desde a sua redação original, mais uma vez em posição de vanguarda, sempre contou com regras atinentes à “higiene e segurança do trabalho”, a partir de seu art. 154, consolidando a normatividade antecedente, que se consigna para registro histórico, o Decreto n. 3.652, de 20 de maio de 1940, o Decreto-lei n. 3.700, de 9 de outubro de 1941, e o Decreto n. 10.569, de 5 de outubro de 1942, ocupando-se ainda com a fiscalização, a fim de que as normas fossem efetivamente respeitadas.

Inauguram-se com a CLT as disposições que se ocupam com saúde desde antes da abertura do estabelecimento destinado a abrigar trabalhadores, exigindo inspeção prévia, com sujeição a embargo e interdição, criando órgãos de segurança e medidas preventivas, que vão desde a edificação, passando por iluminação, conforto térmico e afins, em posturas que até hoje parecem atuais e são bem eficientes. As principais ocupações de então sempre contaram com regramentos específicos, assim como os grupos que merecem atenção diferenciada, como mulheres e menores, com jornadas e peculiaridades sujeitas à estrita...

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