O direito à tradição, as religiões de matrizes africanas e os direitos humanos.

AutorEduardo Carlos Bianca Bittar
Páginas311-332
O Direito à Tradição, as Religiões de Matrizes
Africanas e os Direitos Humanos
Eduardo Carlos Bianca Bittar1
Resumo: Trata-se de proceder a uma leitura histó-
rica dos problemas da perseguição religiosa, con-
versão e do memoricídio operado pelos processos
de aculturação dos escravos na formação do Bra-
sil, em face das garantias atuais do “Estatuto da
Igualdade Racial”.
Palavras-chave: Religiões de Matrizes Africa-
nas. Igualdade Racial. Direitos Humanos.
Abstract: This work intends to procede to
discuss the religious persecution as a kind
of killing of memory and liberty, under the
conditions of negro-slaves, in Brazil, and
the democratic devices of the “Law of Ratial
Equality”.
Keywords: Afro Religions. Ratial Equality.
Human Rights.
1. O Direito à Tradição, a Liberdade Religiosa e os Direitos Hu-
manos
O art. 5º. da Constituição Federal de 1988, em seu inciso VI, afir-
ma: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegu-
rado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei,
a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Ainda, no inciso VIII,
lê-se: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa
ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se
de obrigação legal a todos imposta, e recusar-se a cumprir prestação al-
ternativa, fixada em lei”. Aparentemente, esse reconhecimento normativo
e constitucional da liberdade religiosa representa um grande avanço que
consolida direitos fundamentais. Nesse sentido, é inequívoco que se deve
entrever no texto constitucional um marco histórico.
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O direito à tradição, as religiões de matrizes africanas e os direitos humanos
310 Seqüência, n. 61, p. 309-329, dez. 2010
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Racial,promulgado apesar das críticas de que se estaria violando o prin-
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D/HL DGRWD FRPRGLUHWUL]SROtWLFRMXUtGLFD FRQIRUPH GHFODUDVHXDUW 
“a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da
igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira”.
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saúde, educação, cultura, esporte, lazer, dedicando um capítulo inteiro, o
FDStWXORGD/HL³DRGLUHLWRjOLEHUGDGHGHFRQVFLrQFLDHGHFUHQoDHDR
livre exercício de cultos religiosos”.
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rância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus
seguidoresHVSHFLDOPHQWHFRPRREMHWLYR GH ,±FRLELU D XWLOL]DomRGRV
meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou
abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por
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restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico
e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vin-
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proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas, ao lado
da representação das demais religiões, em comissões, conselhos, órgãos
e outras instâncias de deliberação vinculadas ao poder público”. Assim,
identifica-se uma necessidade de suplantar uma discriminação que paira
contra as religiões de matrizes africanas.
Ademais, o 3º Programa Nacional de Direitos31'+QR(L[R
Orientador n. V, afirma na política de educação em direitos humanos a
necessidade de construir e valorizar a consciência histórica e a memória
da formação brasileira.
Isto torna claro o quanto o esforço autorizativo constitucional abre
caminhos para o avanço no combate contra a intolerância religiosa. Mas,
isto torna ainda mais clara a necessidade de auto-compreensão histórica
da formação brasileira. Não é possível conhecer os desafios democráticos

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