O direito à redução dos riscos no meio ambiente do trabalho: um compromisso constitucional

AutorFelipe Gondim Brandão
Páginas111-126

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Felipe Gondim Brandão1

Introdução

O Direito do Trabalho vive tempos sombrios. Seus pilares estão ameaçados e a legislação pensada e construída para proteger o trabalho frente ao capital corre sérios riscos de ver ruir as bases de sustentação do sistema normativo de proteção ao trabalhador.

O Direito do Trabalho enfrenta uma aguda crise. A famigerada Reforma Trabalhista, atualmente em trâmite no Senado Federal (PLC n. 38/2017), intenta modificar diversas disposições no âmbito da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), instituindo normas que invertem a lógica do atual panorama normativo, a exemplo da prevalência do negociado sobre o legislado, em que se fran-queará às entidades sindicais, por meio da autonomia coletiva, a possibilidade de negociar e criar regras próprias, tratando, por exemplo, do parcelamento de férias, do pacto quanto ao cumprimento da jornada de trabalho, observado o limite de 220h, intervalo intrajornada (observado o limite de 30min), regulamento empresarial, dentre outros, o que, sem querer adotar qualquer ilação premonitória, poderá significar a desarticulação e o esvaziamento de direitos sociais dos trabalhadores.

Em tempos turbulentos, é preciso voltar o foco de análise e reflexão à história, às bases em que as normas de proteção foram criadas e com que finalidade foram construídas, sem descurar das particularidades da atualidade e sua complexidade. É preciso dar luz à Constituição Federal, ao projeto de Estado instituído em 1988, ao paradigma do Estado Democrático de Direito.

O presente artigo pretende analisar um dos elementos basilares do Direito do Trabalho: a proteção à saúde do trabalhador, tema que está intrinsecamente ligado às discussões acerca da duração do trabalho, os períodos de descanso do trabalhador e seus efeitos em integridade física e psíquica.

Pretende-se não se deixar esquecer que a Carta Magna de 1988 definiu um referencial a ser alcançado, a saber o direito à redução aos riscos no ambiente de trabalho, capitulado no seu art. 7º, inciso XXII.

Partiu da Carta Magna o comando para que os Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e, sobretudo, todos os empresários, trabalhadores e sindicatos caminhassem no sentido da preservação de um ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado, a ser conquistado a partir de uma política de prevenção, baseada em normas de segurança, higiene e medicina laborais e da atuação cotidiana na busca da redução dos riscos, ou mesmo a erradicação dos elementos biológicos, químicos, físicos, ergonômicos e, até mesmo, psíquicos que sejam nocivos à saúde do trabalhador.

Analisar-se-á o citado dispositivo constitucional, a partir da construção do conceito de meio ambiente do trabalho, do cotejo dos debates ocorridos ao longo da Assembleia Nacional Constituinte, especialmente na Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores Públicos, na Comissão de Sistematização e no plenário de votação, para que, assim, possam ser delimitados e identificados os elementos que formam a

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base da referida norma. Na sequência, será definida a natureza jurídica do direito, sua qualidade de direito social e difuso e, portanto, do seu caráter bivalente. Firmada a compreensão da qualificação jurídica, será iniciado o processo hermenêutico, a partir da aplicação de métodos de ordem gramatical, lógico-sistemático e teleológico.

Demais disso, busca-se deflagrar o debate para contemporizá-lo, sem que se deixe ofuscar o referencial teórico definido na ordem constitucional de 1988 e sem deixar afirmar o alcance normativo do disposto no art. 7º, XXII, CF/1988.

O direito à redução aos riscos no ambiente de trabalho (art , xxii, da constituição federal/1988): aspectos gerais

A luta dos trabalhadores tem se mostrado, ao longo da história, a força motriz e propulsora da evolução do Direito do Trabalho, que desde sua gênese se desenvolve com o fim de ampliar o espectro da proteção a eles conferida.

Desde a Revolução Industrial, da consolidação do modelo capitalista de produção, da formação e definição das finalidades dos sindicatos e, também, dos ideais contidos nas Constituições Sociais do séc. XX, essa proteção tem sido diversificada em virtude do resultado da natureza de cada uma das conquistas alcançadas.

A proteção ao meio ambiente de trabalho, consubstanciada no direito à redução aos riscos do trabalho, se insere nesse contexto de ampliação do espectro de proteção da integridade física, psíquica e social do trabalho e “a cada dia vai deixando os estreitos segmentos sociais nos quais tal preocupação era cultivada, espraindo-se por largas parcelas da opinião pública”, como assinala João José Sady2.

Amauri Mascaro Nascimento adverte que:

o complexo técnico resultante das invenções e da utilização dos instrumentos, máquinas, energias e materiais, modifica-se e intensifica-se através das civilizações. A relação entre homem e o fator técnico exige uma legislação a tutelar da saúde, da integridade física e da vida do trabalhador3.

É sob esse prima que se inicia a consolidação da “ideia de pensar o cenário da atividade produtiva como parte integrante desta ideia complexa de defender a qualidade de vida do ser humano”, como aponta Sady4.

Consciente dessa realidade e ciente da necessidade da proteção ampla do trabalhador, sobretudo após elencar como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988), o legislador constituinte consagrou um amplo rol de direitos sociais, com especial relevo para os fins deste trabalho, “o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, insculpido no inciso XXII, do art. 7º, da Carta Magna.

Com efeito, a inserção dos direitos sociais na Lei Maior, no Capítulo II, do Título II, – Direitos e Garantias Fundamentais –, demonstra a preocupação externada pelo constituinte em tutelar esses direitos, em equacionar as disparidades entre os trabalhadores e os detentores dos meios de produção, o que confirma a “busca por uma sociedade menos desigual, ao mesmo tempo dignificadora do trabalhador e viável à atividade empresarial como expressão de mercado e livre iniciativa”, como assinala Manoel Jorge e Silva Neto5.

Nessa busca pela vida com qualidade para o trabalhador, a tutela pela erradicação, ou mesmo minimização, daqueles elementos capazes de causar acidentes ou doenças laborais aparece na ponta, ou próximo a ela, da escala das normas mais importantes para o trabalhador, haja vista os alarmantes índices de acidentes de trabalho ocorridos no Brasil6.

Extreme de dúvidas que o direito à redução dos riscos de trabalho constitui a síntese de um debate franco em torno da proteção ao meio ambiente de trabalho,

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que tem por finalidade primeira assegurar ao trabalhador o direito à adoção, no âmbito da empresa, de uma política de ação preventiva no combate ao infortúnio do trabalho e preservação de sua saúde, e constitui diretriz para ser observada pela lei e demais fontes formais de Direito do Trabalho.

Dada a sua importância, o tema ganhou ampla notoriedade e passou a ter, inclusive, no âmbito do direito interno, a mesma relevância daquela já emprestada pela Organização Internacional do Trabalho na Convenção n. 155. No entanto, não significou a inauguração do tratamento da matéria no ordenamento jurídico pátrio, haja vista o disposto no Capítulo V, do Título II, da CLT, introduzido pela Lei n. 6.514/1977, bem como o art. 165, IX, da Emenda Constitucional de 19697.

É bem verdade que, não obstante a regulação anterior, há consenso entre os doutrinadores quanto à inovação contida na Constituição de 1988, percebida, principalmente, no aumento do raio da esfera de proteção e na mudança do paradigma, que a passa a ter na prevenção dos riscos a diretriz a ser observada no direito à redução dos acidentes e doenças ocupacionais.

Ao tratar do preceitos constitucionais relativos à segurança e medicina do trabalho, Arnaldo Süssekind esclarece que os riscos de que trata o inciso XXII, do art. 7º, da CF, “dizem respeito aos infortúnios do trabalho, isto é aos acidentes e doenças ocupacionais”, de modo que “eles podem ser, não apenas reduzidos como pretende a Lei Maior, mas eliminados ou neutralizados, sobretudo pela engenharia de segurança do trabalho”8.

Salienta, ainda, que:

a medicina do trabalho vela tanto pela saúde do trabalhador na empresa, como pela higiene do ambiente onde ela presta serviços, constituindo, assim, o complemento indispensável do sistema de prevenção dos infortúnios do trabalho9.

É, portanto, nesse contexto que se encontra a proteção à saúde e vida do trabalhador, na perspectiva de tutela do ambiente de trabalho sadio e equilibrado.

A formação do direito: os debates na assembleia nacional constituinte

A Constituição Federal de 1988 constitui marco inovador na proteção jurídica ao trabalhador, na medida em que ampliou o rol de direitos, bem como inaugurou nova perspectiva de interpretação dos diplomas normativos, especialmente com a consagração do princípio da dignidade humana.

Com efeito, para se chegar nos avanços promulgados com a Carta Maior, o legislador constituinte, por meio da Assembleia Nacional Constituinte, instalada no período de 1º de fevereiro de 1987 a 5 de outubro de 1988, quando foi promulgado o Texto Constitucional, percorreu um longo caminho, do qual participaram os diversos setores da sociedade, em francos debates sobre as mais diversas matérias.

Os trabalhos do processo constituinte se desenvolveram em...

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