O direito à privacidade hoje: perspectiva histórica e o cenário brasileiro

AutorMikhail Vieira de Lorenzi Cancelier
CargoUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
Páginas213-239
O Direito à Privacidade hoje: perspectiva histórica
e o cenário brasileiro1
The current situation of the Right to Privacy: historical perspective and the
Brazilian scenario
Mikhail Vieira de Lorenzi Cancelier
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis – SC, Brasil
Resumo: Este artigo tem como objetivo apre-
sentar um quadro geral da evolução do direito à
privacidade, incorporado ao nosso ordenamento
jurídico pela Constituição de 1988 e, posterior-
mente, pelo Código Civil de 2002, tendo como ca-
racterística marcante a maleabilidade, sendo extre-
mamente sensível às alterações comportamentais
da sociedade. Reconhecendo a privacidade como
objeto jurídico volátil, o artigo procura demons-
trar que o contexto no qual os sujeitos do direito
à privacidade estão inseridos é essencial para sua
eficácia. De forma dedutiva, o trabalho parte dos
primeiros passos do direito à privacidade como fi-
gura autônoma, chegando à sua atual interpretação
pelo Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: Privacidade. Direito da Perso-
nalidade. História do Direito.
Abstract: This paper aims to present an
overview of the evolution of the right to
privacy, incorporated in our legal system by
the 1988 Constitution and later the Civil Code
of 2002. This malleable right is extremely
sensitive to social changes. Recognizing
privacy as a volatile legal object, the article
shows that the context in which privacy rights
are inserted is essential to its effectiveness. The
work respects the deductive method, starting
with the analysis of the first steps of the right to
privacy as an autonomous figure, ending with
its current interpretation by the Supreme Court.
Keywords: Privacy. Personality Rights. Legal
History.
1 O presente artigo foi adaptado da Tese defendida para a obtenção do título de Doutor
pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina
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manutenção do direito de estar só”. É resultado da pesquisa desenvolvida no ámbito do
grupo de pesquisa Observatório de Direitos da Personalidade e Inovação – ODPI.
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214 Seqüência (Florianópolis), n. 76, p. 213-240, ago. 2017
O Direito à Privacidade hoje: perspectiva histórica e o cenário brasileiro
1 Introdução
Este artigo tem como objetivo apresentar brevemente o desenvol-
vimento do direito à privacidade e o modo como ele vem sendo aplicado
e compreendido pelo ordenamento jurídico nacional. Para tanto, fazendo
uso do método dedutivo, foi elaborada pesquisa histórica, buscando com-
preender a formação conceitual da privacidade e do direito à privacidade,
além de expor como esse direito é exercido diante das ferramentas tecno-
lógicas disponíveis na atualidade. Para ilustrar o atual estágio da tutela da
privacidade no âmbito nacional, elegeu-se o voto proferido pela Ministra
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visto que por mais que o caso faça referência expressa às questões en-
volvendo biografias não autorizadas, seu resultado atinge diretamente o
direito à privacidade como um todo, desvalorizando-o, de maneira geral,
frente à liberdade de expressão.
Na antiguidade clássica2± SHUtRGR GHILQLGR SRU +DEHUPDV 
SFRPRSRQWRGHRULJHPGDVFDWHJRULDVGHpúblico e privado, pos-
teriormente transmitidas à cultura romana – havia a esfera da pólis e a
esfera do oikos, sendo aquela comum aos cidadãos livres e esta particu-
larizada aos indivíduos. No entanto, a vida pública não estava necessa-
riamente vinculada a um local; existia no diálogo (léxis), sendo que a
inserção dos cidadãos nesse ambiente baseava-se na sua posição no oikos.
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esferas pública e privada era a demarcação das esferas da família e da
política, sendo a forma de organização de ambas oposta. O cidadão ao
adentrar na esfera pública recebia uma segunda vida (bio politikos) e lá
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fora constituído em torno da praça do mercado, a agora; mas, para que a ação política
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destinado a suportar a reunião dos cidadãos, num espaço que sobrevivesse à duração de
suas vidas. A solução foi a criação da polis, esfera pública de permanência transgeracional,
capaz de preservar a memória da ação coletiva. […]. O espaço físico onde os homens se
reúnem é, potencialmente, o espaço público. Mas somente a organização da sociedade
HPWRUQRGDDomRHRGLVFXUVRHPFRQMXQWR>«@pTXHSRGHPGH¿QLORFRPRXPGRPtQLR
político […].”

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