O direito, o mercado, o contrato, os riscos legais e a certeza jurídica

AutorAlmir Rogério Gonçalves
Páginas76-108

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Capitulo I - Introdução e Plano do Trabalho

O objetivo deste trabalho é compreender a abordagem jurídica dos riscos e as formas que o Direito possui para lidar com a abordagem financeira da atividade jurídica. Requisito essencial para o estudo do risco, o estudo da volatilidade pode se manifestar das mais diversas formas e influi diretamente no nível de previsibilidade de cada fato jundico.

O estudo, pleno conhecimento e manuseio de tal volatilidade permitem ao agente económico racional prever com grande chance de acerto o tamanho e a probabilidade dos riscos a que está exposto, fornecendo uma relativa segurança para operar, mesmo em mercados inseguros.

Com efeito, somente um estudo desta natureza pode permitir que o empresário, tendo em vista o ambiente jundico em que pretende atuar, calcule o tamanho dos riscos que corre e, por conseguinte, qual o nível de retorno necessário para tal decisão de investimento.

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Assim, buscaremos, em primeiro plano, delimitar a margem de volatilidade do universo jurídico, para posteriormente comentar sobre os riscos legais e, por fim, demonstrar como a combinação de volatilidade e atividade empresária prudencial pode gerar distorções sociais em sociedade com menor grau de organização.

Portanto, o plano de trabalho distribui-se da seguinte maneira:

(1) Inicialmente discutiremos o campo de abrangência das Ciências em geral, e mais propriamente a Ciência do Direito, e como uma Ciência Social, de caráter jurídico, pode contribuir para a multiplicidade de resultados fáticos, sobretudo via métodos de interpretação das normas.

(2) Em sequência procuraremos entender como a atividade económica vê e gerência o processo de produção normativa na sociedade moderna e quais os fatores predominantes para a escolha entre os diversos sistemas de regulamentação e regulação existentes.

(3) Tendo entendido a natureza da volatilidade jurídica, podemos passar ao estudo dos riscos jurídicos propriamente ditos, bem como as formas de mensurá-lo e gerenciá-lo.

(4) A seguir devemos estudar as principais consequências resultantes da aplicação do pensamento financeiro à realidade jurídica e, assim, identificar a problemática envolvida neste tipo de contraponto.

(5) Por fim, propomos a busca da segurança jurídica e da certeza do direito como forma não de reduzir os riscos e aumentar a segurança dos agentes económicos, mas como forma de integrar o cidadão ao sistema jurídico de forma mais igualitária, justa e democrática.

Capítulo II - A Ciência do Direito e a Teoria da Interpretação

Com a mudança do prisma empresarial verificado no último século, a especialização da produção deixou de ser a resposta mais eficiente e lucrativa para a organi-zação empresarial. Assim, diversos ramos do conhecimento têm procurado dar sua contribuição à disciplina da sobrevivência e do sucesso das empresas. São clássicas as contribuições da Administração, Economia, Finanças e Contabilidade a tal desenvolvimento. Mais recentemente pudemos verificar a contribuição da Matemática, Sociologia, Marketing, Psicologia etc.

Neste cenário, a Ciência do Direito vem de um histórico de subutilização. Tal subutilização pode ser explicada por alguns fatores: (i) pequeno reconhecimento da cientificidade do Direito; (ii) formação dogmática dos advogados, em detrimento de sua formação científica e filosófica; (iii) visão de Direito como predominantemente estatal; (iv) extrema valorização da burocracia dos procedimentos jurídicos; e (v) falta de integração entre o exercício da Advocacia e a atividade produtiva.

O termo "ciência" é comumente utilizado para designar um tipo específico de conhecimento, não obstante sua ligação com a metodologia de aquisição e aplicação deste conhecimento. Assim, a Ciência do Direto se distingue pelo seu método e pelo seu objeto.

A Ciência do Direito, sob o ponto de vista de seu objeto, estuda o determinante lógico, a norma, vis-à-vis sua realização concreta. Cabe, portanto, à Ciência do Direito estudar a realidade desejada e o mandamento que irá impor, acompanhar e determinar a consecução prática de tal comportamento.

Se uma norma específica determina que uma empresa deve pagar determinado imposto, não cabe apenas ao cientista do Direito verificar a existência da norma, mas também analisar quais consequências ocorrerão do seu não-pagamento e as formas de consecução prática deste pagamento ou de sua sanção.

Não obstante o papel do advogado muitas vezes estar relacionado à defesa de seu interesse em evitar que seu cliente não pague determinado imposto, este não é o

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papel do cientista. Cabe ao cientista, antes, verificar as hipóteses e os motivos de sucesso desse advogado, bem como a adequação de seu sucesso ao ambiente normativo. Da mesma forma, não cabe ao físico mudar a lei da gravidade, e sim observá-la, e a partir dela desenvolver seu conhecimento sobre o assunto.

Sob o ponto de vista da metodologia da Ciência do Direito, podemos destacar a norma, a interpretação e adecisão. A Ciência do Direito, na sua metodologia normativa, estuda a organização e as formas da norma, enquanto conectivo lógico diretivo ou descritivo. Sob o aspecto interpretativo, cabe à Ciência do Direito interpretar esses mandamentos lógicos e as situações fálicas a eles referidas. Já, a característica decisória do Direito está relacionada à consecução fálica da norma interpretada.

Saindo do pensamento monista dogmático do Direito e partindo para sua concepção científica, podemos perceber que não são poucas as contribuições que o jurista pode prestar à atividade empresarial. No entanto, o ensino jurídico pragmático comumente difundido procura antes formar bons operadores do Direito que cientistas propriamente ditos. Daí a visão da prescin-dibilidade do jurista, sob o ponto de vista estratégico, que vige no pensamento empresarial. No entanto, como veremos adiante, a organização social, estatal ou empresarial, busca constantemenlc a figura de tal jurista.

Por fim, vale lembrar que a Ciência do Direito é uma Ciência Social - e, portanto, só faz sentido quando se estuda o relacionamento em dois ou mais indivíduos. Os mandamentos que geram consecuções íaticas de natureza pessoal são mais apropriadamente estudados pela Filosofia e têm antes um aspecto moral que jurídico.

Tendo discursado um pouco sobre a natureza da Ciência do Direito, deveremos falar, ainda, sobre a influência que a interpretação tem sobre o ambiente científico e prático jurídico. Para tanto, devemos discursar um pouco sobre o realismo nas teo-rias científicas, e posteriormente e propriamente a teoria da interpretação.

1. O realismo teórico

Recentemente, dentro do debate metodológico, ganhou força a corrente de estudiosos que procuraram de alguma forma estudar a questão do realismo das teorias económicas e suas consequências. Dentre esses estudiosos, iremos analisar, neste trabalho, o posicionamento de Maki (1994)2 sobre o assunto. Posteriormente, iremos discutir um pouco mais profundamente a ideia de realidade, para, finalmente, analisar a contribuição de alguns estudos metodológicos sob o ponto de vista do realismo.

2. O realístico e o realista

Segundo Maki, a adoção de teorias mais ou menos realistas não faz com que um teórico seja realista ou irrealista, pois ambos os pesquisadores deverão utilizar, em sua teoria, assunções nao-realistas.

Com efeito, mesmo na Física as teorias como a da aceleração gravitacional são formuladas com base em parâmetros não-rcalísticos, visto que sua formulação depende de assunções para que possam ser universalmente aplicáveis. Com isso, a força da gravidade, por exemplo, depende de outros fatores, como a resistência do ar, a influência gravitacional de outros corpos ete, para que possa ser observada na realidade. No entanto, não podemos recorrer a todos estes fatores para formular cientificamente tal teoria. A efetivação de um conhecimento, ainda que vinculado a um fato real determinado, mas que não possa ser generalizado, torna inútil a teoria.

Em razão do exposto, a teoria da aceleração gravitacionaí, exemplificati vãmente, foi formulada com base em assunções

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não-realísticas, como qualquer outra teoria científica...

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