Direito Intertemporal

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas85-99

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Direito intertemporal é área na qual são consideradas as normas e os efeitos jurídicos relativos ao curso do tempo. Seu tope principal é a retroatividade e suas raras hipóteses de efetivação.

As regras subordinadoras são praticamente universais, isto é, preceitos de superdireito aplicáveis a todos os ramos, pouco variando em cada especialidade, caso, p. ex., da vigência da lei, definida na Lei de Introdução ao Código Civil.

Sob esse aspecto, o Direito Previdenciário não difere muito dos demais. Todavia, como o Penal e o Tributário, suas razões exigem disciplina particular em situações típicas e, por isso, são estabelecidos procedimentos próprios.

Dá-se exemplo introdutório com o princípio da trimestralidade do custeio (derivado do princípio tributário da anualidade). Trata-se de singularidade, justificada pela necessidade de obtenção célere dos recursos imprescindíveis ao atendimento das prestações (em face de sua natureza alimentar). Da mesma forma e com acentuada ênfase, o da precedência do custeio.

Por outro lado, a técnica protetiva prioriza o tempo de serviço como um elemento de definição dos benefícios, aplicada essa concepção com diversas finalidades, sempre se referindo ao passado. Quando se altera o conceito de tempo de filiação, naturalmente se está modificando coisa pretérita, mas ainda sem se poder falar em retroeficácia.

151. vigência e eficácia - No âmbito federal, as normas previdenciárias adquirem vigência ao serem publicadas no Diário Oficial da União. Atos internos menores não divulgados ou não afixados no saguão da sede social da autarquia não sujeitam os administrados.

As de realce devem ser amplamente divulgadas e, preferivelmente, entrar em vigor no primeiro dia do mês. Em alguns casos, não prescindindo de vacatio legis para tornar possível a sua efetiva realização.

O surgimento da eficácia é mais delicado, pois variam as diferentes situações. Podem: 1) ser diferidas para certo prazo; 2) depender de condição resolutiva; 3) retroagir beneficamente; 4) servir-se, diferentemente, do passado; 5) subordinarse a decreto regulamentador; 6) precedência do custeio; e 7) princípio da trimestralidade.

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a) diferimento do prazo: Com alguma frequência a eficácia é dilatada para certo termo, fixado pela própria norma.

Às vezes, a prorrogação é gradualizada (caso do art. 142 da Lei n. 8.213/1991, em relação à implantação de novo período de carência; ele passou, em 1991, de 60 para 180 contribuições no ano 2011).

A Lei n. 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), no seu art. 37, estabeleceu duas vacatio legis: a) 12 meses para os deficientes; e b) 18 meses para os idosos;

b) dependência de condição resolutiva: Por vezes, imanente a disposição, só produz efeitos práticos e jurídicos quando suceder fato por ela eleito como deflagrador da dita consequência;

c) retroação benéfica: Excepcionalmente, a norma retroage, arrostando o princípio da validade da lei ao tempo dos fatos. Tal conclusão não pode defluir de raciocínios indiretos, carecendo o comando dispor expressa e claramente sobre o tema.

Fornecem-se exemplos. Na Lei n. 6.683/1979 (Lei da Anistia), o período de exílio (normalmente no exterior, onde nem sempre foi possível manter situação regular), quando de sua ocorrência, não tinha nenhuma importância, mas a partir da citada lei passou a ser contado como tempo de serviço. As duas leis relativas aos ex-combatentes, posteriores ao período 1939/1945, definiram e redefiniram a participação dos pracinhas da FEB.

d) regulação do passado: Com características distintas, às vezes, o legislador afeta o passado, para produzir efeitos no futuro. A concepção hodierna é modificada, substituída, de certa forma alterando-se o significado do tempo pretérito.

Duas hipóteses ilustram-na. Até 24.7.1991, a aposentadoria por tempo de serviço proporcional era calculada com 80% do salário de benefício, mais 3% por ano de serviço além de 30 anos. Com a Lei n. 8.213/1991, o percentual básico desceu a 70%, acrescendo-se o índice anual de 6% (aumentando e diminuindo, conforme o caso). Isto é, períodos de serviço válidos para o acréscimo de 3% vieram a produzir adições de 6% e 30 anos capazes de gerar 80% consubstanciaram 70%. Respeitada expectativa de direito (e não foi), o procedimento da lei seria correto.

Na outra situação, até 24.7.1991, mulheres com 25 até 29 anos de serviço não tinham direito à aposentadoria proporcional. No dia seguinte, e utilizando-se do mesmo tempo passado, a lei garantiu-lhes esse direito.

Retroagir, no caso, seria permitir para essas mesmas seguradas, com mais de 25 e menos de 30 anos, afastadas do trabalho, obterem o benefício se ele tivesse sido negado;

e) dependência de decreto regulamentador: Frequentemente, a lei afirma entrar em vigor quando da regulamentação ou em certo momento (normalmente 60 ou 90 dias). No seu silêncio ou não sobrevindo ato regulamentador, seguem-se as regras tradicionais, entrando em vigor dentro de 45 dias.

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f) precedência do custeio: Precedência do custeio é disposição científica lógica, técnica e jurídica. Por isso, classificada como diretriz básica da seguridade social.

Lógica porque sem amealhar macrocósmica e antecipadamente os recursos, é impossível atender às necessidades. Atuarialmente inexistem problemas para um sistema, desde sua implantação, pagar os benefícios de risco imprevisível, utilizando-se de empréstimos restituíveis oportunamente. Na prática, contudo, isto não é recomendável, sob pena de desestruturar a sua organicidade. Nesse caso, por força dessa contingência, a conclusão lógica transmutou-se numa regra técnica.

Como dito, sua origem é produto da razão. Evoluiu para uma técnica, a imprescindibilidade prévia do financiamento. Diante da possibilidade de a União socorrer os cofres da autarquia em suas insuficiências, essa providência excepcional foi distorcida e sucederam várias tentativas de confundir os dois orçamentos, desnaturando a previdência social. Circunstancialmente, durante a fase de capitalização dos meios, o Poder Legislativo não resistiu à tentação de criar direitos sem os ônus correspondentes.

A esse respeito, diz o art. 195, § 5º, da Constituição Federal: "Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total".

Para o Plano de Benefícios, a prestação é a da previdência social.

Tal redação, não muito feliz, censurável por se utilizar, no art. 165, parágrafo único, da Lei Maior de 1967, da expressão "prestação" no sentido mais inadequado do vocábulo, ascendeu à condição de preceito constitucional, por força da Emenda Constitucional n. 11/1965. Presente, agora, como postulado aplicável não só à previdência, como à assistência e também à saúde, isto é, para todos os direitos da seguridade.

Norma autofágica na LOPS, insculpida na Carta Política, é certamente recomendação destinada ao legislador ordinário (e ao intérprete e aplicador da Carta Magna): este não pode instituir prestação nova, melhorar as existentes ou estendê-las sem, em determinado instante, não aclarado pelo dispositivo, criar as fontes de custeio necessárias. Trata-se de técnica securitária, de fundo atuarial, tão necessária quanto não explicitada.

Em consequência, atendendo aos atuários, evidenciou-se a necessidade de coibir o legislador ordinário de criar novos benefícios, afetando a estrutura do ordenamento matemático-financeiro.

Durante o encaminhamento legislativo da citada Emenda Constitucional, discutiu-se sobre a forma negativa da oração. Tanto na indireta quanto na direta, a disposição apresentava fragilidades terminológicas e científicas, alterando a intenção do emendador constituinte, ou seja, impedir a criação desordenada de direitos ou ampliação dos existentes.

Não é difícil avaliar sua impraticabilidade. Sem recorrer ao Poder Executivo, detentor dos dados estatísticos, o Congresso Nacional não dispõe de condições

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técnicas para, apreciando a proposição, posicionar previamente a necessária correspondência atuarial e financeira. Por isso, e atendendo a interesses políticos menores, ela não só foi violada inúmeras vezes, no passado, como vem sendo presentemente.

É importante salientar, a despeito da incapacidade de aparelhar o Poder Legislativo para avaliação dos déficits financeiros, que sempre será possível a implantação de fonte de custeio sem a corolária previsão de benefícios ao mesmo tempo, pois é próprio da seguridade social a obtenção antecipada dos recursos para, somente após, serem estimados os benefícios;

g) princípio da trimestralidade: Inovando em relação a todas as Constituições anteriores, evidenciando a distinção entre contribuição social e tributo, distanciando-se do Código Tributário Nacional (no qual é vigente o princípio da anualidade), o art. 195, § 6º, da Lei Maior de 1988 dita: "As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b".

O preceito sob enfoque reclama da doutrina, entre outros, os seguintes esclarecimentos: a) a partir de quando se contam os 90 dias? b) a qual lei a Norma Suprema se está referindo? c) qual a razão de ser de 90 dias, e não outro, o prazo? d) inclui diminuição ou apenas se refere à majoração de contribuições? e) se a lei depende de regulamentação, o prazo pode ser mensurado pelo decreto regulamentador?

Um princípio da trimestralidade, como dito, a par de estar demonstrando evidente especificidade da imposição securitária, tem praticamente o mesmo sentido do princípio exacional e tributário da anualidade. Lapso de tempo para os sujeitos passivos da obrigação fiscal se prepararem organizacional e pecuniariamente para enfrentar a nova exigência. Se assim for, aceitando-se, ad argumentandum, a validade da Medida Provisória para instituir ou modificar obrigação fiscal, os 90 dias devem ser aferidos da data do início...

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