Direito intertemporal

AutorJúlio César Bebber
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho. Doutor em Direito do Trabalho
Páginas49-53

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4.1. Noções gerais

Os problemas que surgem relativamente à eficácia temporal das leis (direito intertemporal ou direito transitório) são solucionados com a utilização da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei n. 4.657/1942),46 que regula as aplicações espacial e temporal de todas as normas brasileiras.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) é "um conjunto de normas sobre normas, constituindo um direito sobre direito (ein Recht der Rechtsordenung, Recht ueber Recht, surdroit, jus supra jura), um superdireito, um direito coordenador do direito. Não rege as relações de vida, mas sim as normas, uma vez que indica como interpretá-las ou aplicá-las, determinando-lhes a vigência e eficácia, suas dimensões espácio-temporais, assinalando suas projeções nas situações conflitivas de ordenamentos jurídicos nacionais e alienígenas, evidenciando os respectivos elementos de conexão".47 Trata-se de norma cogente aplicável a todas as leis.

4.2. Direito intertemporal e normas processuais

As leis processuais, assim como as demais:

  1. começam a vigorar em todo o país 45 dias depois de publicadas, salvo disposição em contrário (LINDB, 1º);

  2. uma vez em vigor, terão efeito imediato e geral,48 respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada49 (CF, 5º, XXXVI; LINDB, 6º).50 A

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    lei nova "não pode atingir situações processuais já constituídas ou extintas sob o império da lei antiga, isto é, não pode ferir os respectivos direitos processuais adquiridos. O princípio constitucional de amparo a esses direitos possui, aqui, também, plena e integral vigência".51 Duas observações são importantes:

    - não há proibição à edição de leis retroativas. O que se proíbe é a incidência da lei nova diante do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada;

    - a não retroatividade "não condiciona o exercício do poder constituinte originário. A Constituição é o ato inaugural do Estado, primeira expressão do direito na ordem cronológica, pelo que não deve reverência à ordem jurídica anterior, que não lhe pode impor regras ou limites. Doutrina e jurisprudência convergem no sentido de que ‘não há direito adquirido contra a Constituição’".52

  3. as normas jurídicas deixam de vigorar com a sua revogação, que poderá decorrer de expressa menção contida na lei nova; da vigência de norma incompatível, que ocorre pela edição de lei da mesma ou superior hierarquia portadora de disposição diversa, ou pela não recepção pela CF posterior;53 da regência integral da matéria pela lei nova (LINDB, 2º, § 1º).

    Como o processo é constituído por uma série de atos integrantes de uma cadeia unitária, idealizados para prática sucessiva no tempo (procedimento), torna-se delicada a solução do conflito temporal de leis processuais.

    Não há dúvida de que os processos iniciados na vigência da lei nova por esta serão regulados. Também é induvidoso o fato de que sobre processos findos não há incidência da lei, por força do respeito à coisa julgada, ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido. A questão que se mostra delicada, obviamente, diz respeito ao conflito que passa a existir quando há processo em curso ao início da vigência da lei processual.

    Três são os sistemas idealizados pela doutrina para a solução do problema. São eles:

  4. sistema da unidade processual. Esse sistema parte do conceito de que o processo, apesar de se desdobrar em uma série de atos, é um corpo uno, uma unidade. Assim, sendo um complexo de atos inseparáveis, o processo somente pode ser regulado por uma única lei: a antiga ou a moderna. Impõe-se, então, a aplicação da lei antiga como meio de não infringir o princípio da irretroatividade das leis;

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  5. sistema das fases processuais. De acordo com esse sistema, o processo, embora uno, está dividido em fases autônomas (fase postulatória, fase instrutória, fase decisória e fase recursal) que compreendem um conjunto de atos inseparáveis, constituindo, cada qual, uma unidade processual. Como há autonomia de cada uma das fases, podem elas ser disciplinadas por leis diferentes. Desse modo, estando em curso o processo, a lei nova disciplinará apenas as fases ainda não iniciadas, o que implica dizer que a fase não encerrada reger-se-á pela lei antiga;

  6. sistema do isolamento dos atos processuais. Sem ignorar a unidade processual, o sistema do isolamento dos atos processuais ressalta o fato de que o processo é um conjunto de atos que podem ser considerados isoladamente para efeito de aplicação da lei nova. Sendo assim, a lei nova apenas não atingirá os atos processuais já praticados, regendo, por conseguinte, os atos processuais a praticar.

    Esse último sistema, que conta com a adesão da maioria dos juristas de escol, foi expressamente consagrado no art. 2º do CPP que, por ser regra de superdireito, é aplicável ao direito processual trabalhista e civil.54

4.3. Direito intertemporal e recurso

A regra geral, segundo tranquilo entendimento doutrinário, é a de que...

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