Direito interno e direito internacional. Teorias

AutorCarlos Roberto Husek
Ocupação do AutorDesembargador do TRT da 2ª Região Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro da Academia Paulista de Direito, Membro da Comunidade de Juristas da Língua Portuguesa
Páginas56-69

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1. Direito Internacional e Direito Interno

O Direito de cada país regula a vida interna do seu Estado, enquanto o Direito Internacional regula as relações internacionais dos atores já considerados linhas atrás: os Estados, os organismos internacionais, as empresas transnacionais e o Homem.

Ambos - Direito Internacional e Direito Interno - têm campos de atuação distintos, sendo, no entanto, difícil, às vezes, demarcar quando começa um e quando o outro termina. Algumas matérias, como a que discorre sobre a nacionalidade ou a que se preocupa com os direitos humanos, têm um campo quase comum.

A Carta da ONU, que pode ser considerada o documento n. 1 de Direito Internacional, em seu art. 2º, alínea 7, delimita a atuação desse Direito, não autorizando a intervenção em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição de cada Estado. Porém, a própria Carta, em seu Capítulo VII, prevê as exceções, como nos casos em que há ameaças à paz, ruptura dessa ou ato de agressão. Como se vê, a delimitação não é muito precisa, e, hoje em dia, dada a estreita convivência dos Estados, muitos atos de governo que antes só tinham valor interno, agora, adquirem repercussão internacional.

A relação, pois, existente entre os dois Direitos pauta-se numa linha ainda não muito clara de entendimento. E, quando o conflito entre normas das duas esferas ocorre, a solução é buscada no dualismo ou no monismo, teorias que explicam a prevalência do Direito Interno ou do Direito Internacional.

2. Dualismo

A primeira, o dualismo, admite uma divisão radical entre a ordem interna e a ordem internacional, pondo-as em patamares equivalentes,

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incomunicáveis. Na expressão de Gilda Russomano, são "dois rios que fluem de nascentes distintas e que, no seu curso, nunca chegam a se encontrar"40.

O Direito Interno é elaborado pela vontade soberana do Estado, e o Direito Internacional na acomodação dessas vontades; além do que, a ordem interna obedece a um sistema de subordinação, e a internacional, de coordenação. A norma internacional somente poderá ser aplicada à vida do Estado quando transformada em norma interna, por incorporação ao Direito nacional, isto porque as ordens jurídicas estatais têm autonomia absoluta. Em outras palavras, não há conflito entre as ordens: a interna prevalece em sua esfera de atuação.

Os seus caracteres podem ser apontados da seguinte forma:

  1. As fontes do Direito Internacional são diferentes das fontes do Direito Interno, porque as primeiras resultam da vontade coletiva dos Estados ou de organismos internacionais, por meio de tratados, e as segundas advêm de um só Estado na produção de normas de seu Direito Interno.

  2. A eficácia da norma internacional ocorre na área internacional, ainda que possa também viger na área interna por aceitação de cada Estado, enquanto a norma interna só tem eficácia no território do Estado.

  3. Uma norma internacional pode vir a influenciar o Direito Interno; raramente ocorrerá de forma contrária. Tal influência far-se-á mediante a "recepção de normas" com a incorporação da norma pretendida ao Direito Interno.

A recepção de normas enseja as consequências que abaixo se descreve, baseadas nas lições de Anzilotti:

  1. A norma internacional passa a ter valor formal na ordem interna. Reveste-se dos caracteres de norma jurídica interna.

  2. O destinatário da norma incorporada passa a ser o indivíduo, a organização administrativa do Estado e/ou as pessoas jurídicas que nele vivem.

  3. O conteúdo da norma é transformado (adaptado) ou não passa a ter eficácia nacional.

Triepel, na Alemanha, e Anzilotti, na Itália, são expressões do dualismo.

Há ainda aqueles que falam em dualismo radical, aquele que exige uma lei para incorporar o tratado no direito interno e, em dualismo moderado, quando não exige a feitura de uma lei, bastando que o tratado passe pelo Poder Legislativo, dele receba a aprovação, e depois seja referendado pelo Presidente da República.

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Existem acerbas críticas feitas à teoria dualista, contrariando uma a uma as justificativas desenvolvidas pelos dualistas, quer quanto aos sujeitos internacionais, diferenças de uma para outra ordem, a possibilidade dos tribunais internos do país aplicarem normas não escritas. Observe-se, pois, o que diz Celso de Albuquerque Mello, no seu "Curso de Direito Internacional Público", 11. ed. p. 104/105: "o homem é também sujeito internacional, uma vez que tem direitos e deveres outorgados diretamente pela ordem internacional; Kelsen observa que coordenar é subordinar a uma terceira ordem; assim sendo, a diferença entre as duas ordens não é de natureza, mas de estrutura, isto é, uma simples ‘diferença de grau’; o DI consuetudinário é normalmente aplicado pelos tribunais internos sem que haja qualquer transformação ou incorporação."

3. Monismos

A expressão no plural justifica-se porque várias são as teorias monistas, todas com fundamento básico similar.

O monismo sustenta que o Direito Internacional e o Direito Interno são dois ramos de um único sistema, defendendo uns o primado do primeiro, e outros, a primazia do segundo.

Os monistas partem do princípio de que todos os Direitos emanam de uma só fonte, daí ser a consciência jurídica uma só41.

Embora exista o monismo com primazia no Direito interno, radical, isto é, aquele que entende ser o único sistema válido e existente o do Direito interno, negando o Direito Internacional, é certo que para nós somente conta o monismo como primazia no Direito Internacional. Arrima-se esta teoria monista no fato de que as relações entre os Estados, ou entre estes e outros sujeitos das gentes somente se sustentam juridicamente por pertencerem a um sistema uno, que tem por base a identidade dos membros da sociedade internacional e na identidade das regras e princípios do Direito que serve de substrato a essa mesma sociedade. Há, pois, uma harmonia entre o sistema interno de cada país, e mesmo do Direito de cada organização internacional e de cada bloco regional com um Direito que se crê maior.

Muito a gosto dos internacionalistas, em geral, e não ficamos fora dessa corrente, a teoria monista ampara a ideia generosa, moderna, de compartilhamento, de cooperação, de relativização do poder, de interdependência. Para tal doutrina a assinatura e ratificação de um tratado significa um compromisso internacional, que não pode simplesmente ser esquecido, como algo menor, ou como algo simplesmente político, sem consequências jurídicas, e não importa se alguma

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espécie de punição existe pelo descumprimento da norma, porque o Direito Internacional baseia-se na cooperação, na boa vontade, na solidariedade, cuja frustração desenvolve mecanismos punitivos amplos, não estritamente jurídicos, ou somente jurídicos, como os do Direito interno, mas, talvez, com força maior, porque põe o inadimplente, o descumpridor da norma, em confronto com as expectativas de seus coadjuvantes internacionais.

Em tese, ninguém obriga o Estado, nenhuma norma internacional teria força para curvá-lo, se entendermos a sua soberania como inabalável e efetivamente única, fazendo o que bem entende na sua atuação interna e externa, porém sabemos que não é assim. Internamente é o Estado soberano, mas não pode tudo, num mundo globalizado, em que os seres humanos, as pessoas jurídicas, as organizações internacionais, se interpenetram, se comunicam, se relacionam. O Estado atual já não é o mesmo Estado antigo, inexpugnável e forte, que a uma agressão respondia com outra agressão, a uma contrariedade com uma vingança, a um ranger de dentes com outro ranger de dentes, salvo se mais fraco, quando se recolhia e esperava o melhor momento. O Estado atual tem, queira ou não queira, de cooperar, de se compromissar, de atuar, de participar nos eventos maiores, nas organizações jurídicas criadas, nos tribunais penais, administrativos, comerciais, políticos, sob pena de ficar à margem da vida internacional e como tal revelar-se mais frágil, fazer sofrer o seu povo e sucumbir o seu próprio Direito.

Assim, os compromissos exteriores passariam a ter aplicação automática nos territórios dos Estados e, portanto, hierarquicamente, deve prevalecer a ordem jurídica internacional, por sua força mobilizadora e por sua legitimidade jurídica maior, ao dar validade a atos praticados pelo próprio Estado, que não pode irresponsavelmente dizer, escrever, assinar algo e agir de forma diversa.

Resta um grande campo de atuação do Estado, que pode não se compromissar em determinadas matérias, quer seja pelo conteúdo desta, que ofenderia seu Direito interno, no que este é fundamental, quer seja pelo momento político...

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