O Direito à Informação ? Consequências em Caso de Preterição dos Deveres de Informação

AutorMarisa Dinis
CargoDoutora em Direito (Universidade de Salamanca)
Páginas87-122

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1. Considerações iniciais

A vulnerabilidade inerente ao consumidor, naturalmente mais exposta em períodos de crise económico-financeira, aliada à incapacidade de o mercado atingir por si só o equilíbrio das diversas posições contratuais, conduziu à necessidade de intervenção legislativa centrada, sobretudo, em acautelar autonomamente os direitos dos consumidores.

Nestes domínios, como referimos direcionados à tutela do consumidor, a evolução jurídica, desenhada aquém e além-fronteiras, foi inaugurada com a consciencialização de que se tratava de uma necessidade universal que, por assim ser, a todos afetava e a todos dizia respeito1. Esta foi, no fundo, a realidade que enformou a política de proteção e informação do consumidor esboçada, desde logo, no programa preliminar da CEE (Comunidade Económica Europeia), e baseada em cinco direitos fundamentais: i) o direito à proteção da saúde e da segurança do consumidor; ii) o direito à proteção dos interesses económicos do consumidor; iii) o direito à reparação dos danos sofridos; iv) o direito à informação e à formação; v) o direito à representação ou a ser ouvido2.

A Constituição da República Portuguesa acolheu, por sua vez, estes direitos, na revisão constitucional de 1982, concedendo-lhes, assim, a natureza de direitos fundamentais. Outrora no artigo 110º da Constituição3, atualmente no artigo 60º, dita o legislador, no n. 1 deste último, que “os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos”4. São, pois, visíveis as influências externas acolhidas na lei fundamental do nosso ordenamento jurídico e já anteriormente notadas aquando da aprovação da Lei 29/81, de 22 de agosto – o primeiro diploma português orientado a proteger os consumidores.

É inegável que as mais de três décadas que sucederam à publicação do primeiro regime de defesa do consumidor e à elevação dos direitos do consumidor a direitos fundamentais tenham sido profícuas na publicação de novas regras neste âmbito, muitas delas inclusivamente por imposição do direito europeu. Todavia subsistem atualmente inúmeras dificuldades associadas à verdadeira implementação destes regimes de proteção, sobretudo porque se encontram plasmados em diplomas dispersos distintos5.

Da vastidão de diplomas direcionados a proteger o consumidor, encontramos um denominador comum: a regulação dos direitos fundamentais. De fato, pese embora de forma isolada e direcionada a cada uma das matérias, os distintos diplomas reafirmam expressamente quais são

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os direitos fundamentais que assistem aos consumidores, quais as respetivas formas de exercício e, bem assim, quais são as sanções aplicar em caso de violação ou preterição de tais direitos.

De entre estes direitos fundamentais, trataremos de analisar, no presente exercício, o direito à informação dos consumidores ou, por outra via, as formas de o concretizar e de o garantir, esmiuçando, assim, os deveres de comunicação e de informação que impendem sobre a contraparte e as consequências advenientes de um eventual incumprimento ou cumprimento defeituoso. Atentos estes considerandos e a complexidade do esquema jurídico apresentado pela lei portuguesa para a regulamentação do direito à informação, há que trabalhar esta matéria em dois momentos distintos: i) no primeiro momento, analisaremos a regulamentação genérica do direito à informação, prevista na Lei de Defesa do Consumidor e, por isso, aplicável a todas as relações de consumo;
ii) no segundo momento, analisaremos as normas especialmente aplicáveis a determinadas relações de consumo reguladas de forma autónoma e isolada. No fundo, partiremos do geral para o particular sendo que este aduzirá àquelas normas específicas de aplicação concreta ao contrato em causa. Desta forma, pretendemos, com o presente estudo, abordar em termos genéricos o direito à informação em referência e, de forma descritiva, os vários regimes especiais do direito à informação regulados nos diplomas com maior relevo prático no domínio do direito do consumo.

II Parte geral

A transparência dos mercados é, como é sabido, uma necessidade que acolhe vários objetivos. Por um lado, permitirá ao consumidor testemunhar as reais qualidades de cada um dos produtos e serviços oferecidos e, bem assim, a segurança que apresentam percebendo, desde logo, se tem real interesse e vontade em contratar. Por outro lado, permitir-lhes-á eleger o produto que melhor satisfará os seus interesses ao fornecer, de forma credível e completa, as ferramentas necessárias para comparar as diferentes ofertas. Finalmente, servirá como impulsionador no jogo da concorrência.

Dito isto, resulta claro que, tal como em qualquer outra relação jurídica amparada pelo direito de escolha e pela autonomia privada, as relações jurídicas estabelecidas com consumidores devem ser pautadas pelo fornecimento de toda a informação essencial e necessária à celebração do negócio sob pena de facilitar a celebração de contratos não desejados pelo consumidor. Este dever assume especial relevo no momento que antecede a concretização do negócio,

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pois a fase pré-contratual é, como se sabe, decisiva, mantendo-se, no entanto, até ao momento da execução do contrato.

Do mesmo passo, é sabido que os graus de conhecimento/informação do consumidor e do profissional sobre o produto/serviço em causa são, na maior parte das vezes, substancialmente diferentes porquanto o primeiro não tem normalmente conhecimentos específicos sobre o produto/serviço que pretende adquirir, sabendo, por vezes, pouco mais do que os fins a que se destina. Esta dissemelhança no acervo informativo de cada um dos contratantes é agudizada com as atuais práticas comerciais padronizadas, apressadas e agressivas, sustentadas, não raras vezes, em campanhas publicitárias altamente capciosas. Estas circunstâncias colocam o consumidor numa posição de, como refere Paulo Mota Pinto, “fraqueza negocial típica da pessoa que actua fora da sua actividade profissional”6.

Uma das formas de atenuar estas evidências é, sem dúvida, através da garantia de que o consumidor recebe, nos momentos decisivos, informações completas, adequadas e verdadeiras sobre os produtos/serviços que pretende adquirir, nomeadamente, entre outros, sobre as respetivas características, preço, formas de pagamento e identidades do fabricante/fornecedor e distribuidor.

Assim, em termos genéricos, analisado sob a égide do direito do consumidor7, podemos referir que o direito à informação se traduz no direito de o consumidor exigir da contraparte uma prestação positiva, de facere, que se concretiza quando esta presta àquele as informações e os esclarecimentos adequados e necessários à formação da vontade negocial subjacente à celebração do negócio em causa8.

Informações que deverão ser verdadeiras impendendo, portanto, sobre quem as presta a obrigação de não veicular informações, falsas, inexatas, ambíguas ou imprecisas que possam enganar ou induzir em erro o consumidor. Como destaca Pegado Liz, neste contexto, “tem maior acuidade a questão da natureza e da qualidade da informação a que os consumidores devem ter acesso e que assume relevo a noção de informação ‘adequada’”, precisando que “na definição dos direitos dos consumidores que à UE compete, é a noção de parte mais fraca ou vulnerável que deve predominar e não a de consumidor esclarecido, atento, advertido e decidindo-se por razões puramente económicas”9.

Queda claro, da predita noção, que o direito à informação configura, como dita Pinto Monteiro, “um instrumento imprescindível de tutela do consumidor”10.

Garantir devidamente a satisfação do direito à informação implica conhecer, desde logo, sobre quem impede o dever, contrapartida do direito, de informar e a favor de quem deve ser cumprido. Implicará, igualmente, entender, em cada caso, o conteúdo da informação a ser prestada e o prazo e a forma exigidos para o efeito.

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Estudar o direito à informação do consumidor envolve, como foi anteriormente mencionado, analisar em primeiro lugar os dizeres da Lei de Defesa do Consumidor portuguesa. Neste âmbito, cumpre referir que este diploma assegura o direito à informação em dois níveis distintos: por um lado, um direito à informação em geral, plasmado no artigo 7º, e, por outro lado, um direito à informação em particular, prescrito no artigo 8º.

Da leitura do primeiro dos preceitos enunciados resulta que é sobre o Estado, em sentido amplo, que recai, em primeiro lugar, este dever positivo geral de informação ao consumidor. Para tanto, deverá apoiar as ações de informação promovidas pelas associações de consumidores, pela Direção-Geral do Consumidor e pelos CIAC – Centros de Informação Autárquica ao Consumidor e deverá igualmente criar bases de dados e arquivos digitais em matéria de direito do consumidor. Prevê ainda a utilização do serviço público de rádio e de televisão em prol da promoção dos interesses e direitos do consumidor. Tratase, na verdade, de informação em geral e, por isso, consubstancia apenas um interesse geral protegido que, porque não configura um direito subjetivo, não é suficiente para, por si só, proteger totalmente o consumidor nestes domínios. Não menosprezando...

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