Direito à imagem e dano moral: reparação por meio de indenização pecuniária

AutorRaquel Brodsky Rodrigues
CargoGraduanda do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná.
1. Introdução

“Essa sombra que vês é o reflexo da tua imagem. Não é nada em si mesma; foi contigo que ela apareceu, e persiste, e tua partida a dissiparia, se tivesses coragem de partir”.

Ovídio1

O presente trabalho pretende estudar aspectos gerais e algumas questões polêmicas envolvendo a reparação de danos morais relativos à imagem dos cidadãos. Optou-se por abordar, dentre as formas de defesa desse direito, o instituto da responsabilidade civil. Tal seara oferece a indenização pecuniária como meio de compensação pela violação do direito à imagem.

O direito à imagem diz respeito à prerrogativa que a própria pessoa possui sobre a projeção de sua personalidade, física ou moral, perante a sociedade. Sua vinculação à dignidade da pessoa humana é evidente, diante de sua importância na formação da personalidade dos sujeitos.

A escolha deste tema justifica-se pela grande polêmica que a expansão dos meios de comunicação visual trouxe consigo na contemporaneidade, facilmente perceptível em sua utilização pelos meios de comunicação – seja por veículos impressos, pela mídia televisiva ou por meio de endereços eletrônicos disponíveis na internet. A imagem é absorvida e transmitida com extrema rapidez e facilidade, constituindo-se em bem jurídico facilmente violável – podendo, portanto, gerar amplas e graves repercussões na sociedade.

Ademais, a aparência exterior do homem é o primeiro e mais relevante dado da identidade de qualquer indivíduo, ao dar forma concreta ao ser abstrato da personalidade, consoante a lição de Walter MORAIS2. Dessa forma, mostra-se até mesmo evidente a possibilidade de que a violação do direito à imagem leve à configuração de dano moral.

Optou-se por abordar, dentre as maneiras de resguardar o direito à imagem, o instituto da responsabilidade civil. Tal seara oferece a indenização pecuniária como meio de compensação pela violação do direito à imagem. Essa escolha pautou-se no fato de que a utilização da responsabilidade civil como meio de reparação costuma ser a saída mais viável e satisfatória, dentre os meios existentes. O direito de resposta, por exemplo, geralmente se mostra ineficaz, já que “o impacto causado pela divulgação do fato ofensivo na mídia dificilmente abandona a mente do público, mesmo após os necessários esclarecimentos do ofendido” 3, conforme afirma ARENHART.

A tutela inibitória, de acordo com o que parcela significativa da doutrina afirma, é o meio processual mais efetivo à proteção de direitos personalíssimos, como o direito à imagem.4 Entretanto, este expediente é visto com desconfiança por muitos juízes, que a consideram verdadeiro instrumento de censura à liberdade de expressão. Ademais, freqüentemente a vítima só recorre ao Poder Judiciário quando medidas preventivas não mais seriam eficazes, uma vez que a publicação já está a circular por um certo tempo – o que faz com que o direito tenha sido integralmente violado.

O grande desafio da responsabilidade civil, diante do abuso da liberdade de comunicação, situa-se na aplicação da justiça nos casos de indenização por danos morais, segundo ZULIANI 5, uma vez que não há consenso quanto aos parâmetros utilizados para converter a violação a aspectos existenciais em pecúnia, enquanto danos materiais podem ser facilmente aferíveis – por meio da verificação do montante perdido com rescisões contratuais, do valor que costumeiramente seria recebido em campanha publicitária etc.

Por isso, optou-se por abordar as conseqüências imateriais das violações ao direito à imagem, restringindo-se ainda à figura da pessoa natural6.

A análise do assunto que consiste no foco deste trabalho dar-se-á da seguinte maneira: primeiramente, será feita uma exposição da conceituação do direito à imagem, seguida da investigação de como pode ocorrer lesão a este bem e se há viabilidade de ressarcimento. O exame de casos concretos, por fim, reveste-se de grande importância, pois neles os pontos expostos ao longo do artigo serão situados na realidade fática. Buscou-se trazer à análise litígios em que se fizessem presentes os principais aspectos discutidos nesse ensaio. Alguns deles ainda têm grande relevância para o direito, ao estabelecer parâmetros na matéria.

2. Conceito do direito à imagem: delimitação e autonomia

A Constituição Federal de 1988 garante a proteção do direito à imagem nos incisos V, X e XXVIII de seu artigo 5º. Na abordagem feita nos dispositivos mencionados, oferece três concepções do direito: a imagem-retrato, que decorre da expressão física do indivíduo (inc. X), a imagem-atributo (inc. V), concernente ao conjunto de características pessoais apresentadas pelo sujeito perante a sociedade, e a proteção da imagem como direito do autor (inc. XXVIII) 7.

Vale destacar que o direito à imagem não se restringe à forma plástica da pessoa: a tutela atual também abrange as hipóteses em que a imagem da pessoa é violada sem que haja sua reprodução gráfica: isso ocorre quando atributos comportamentais da pessoa são atingidos – ensejando nítida violação de seu direito à imagem, enquanto exteriorização de sua personalidade 8.

O Código Civil de 2002 tutela o direito à imagem em seu artigo 20. Este mesmo dispositivo, contudo, também faz alusão à reputação pessoal e ao direito à honra. A leitura literal deste dispositivo9 somente consideraria o uso da imagem abusivo quando violasse a honra ou quando se destinasse a fins comerciais. TEPEDINO, BARBOZA e MORAES alertam para o fato de que tal interpretação restringiria a autonomia do direito à imagem à sua exploração comercial 10.

Antigamente, havia certa dúvida quanto à independência deste direito em relação a outros que lhe são conexos. Isso foi resolvido pela Carta Magna: ao fazer menção expressa a cada um desses direitos, atribuiu-lhes autonomia. Contudo, vale alertar para o fato de que um mesmo ato pode causar lesão ao direito à imagem, à honra e à vida privada simultaneamente – ou mesmo a somente um deles.

Cláudio Bueno de GODOY considera exatamente a elasticidade do direito à imagem como principal responsável pela sua confusão com outros direitos – especialmente com o direito à honra. Mas também acredita que o direito à imagem e o direito à honra não se confundem, uma vez que aquele pode ser violado sem que a honra de uma pessoa seja atingida 11.

Luiz Alberto David de ARAÚJO utiliza-se do seguinte exemplo para defender a independência do direito à imagem: imagine-se um ateu radical que tenha sua imagem associada à idéia de dedicação a determinada religião. Não se perceberia aí qualquer violação à sua honra, precisamente, mas sim a sua identidade pessoal relativa, a qual diz respeito à imagem-atributo 12.

A despeito destes pontos de vista, a diferenciação entre o direito à imagem e o direito à honra traz, de fato, muitas dificuldades. O direito à honra teria consistido em verdadeiro berço para o direito à imagem, de forma que aquele possui grande importância histórica para a afirmação deste.

Atenta-se, primeiramente, para a existência de uma dupla feição do direito à honra: quando diz respeito ao renome, é considerada honra objetiva; já quando se refere ao sentimento pessoal em relação à consideração em seu meio, consiste na honra subjetiva. A confusão com o direito à imagem faz-se possível nestas duas dimensões – mas é a honra objetiva que costuma ser sobreposta à imagem. TEPEDINO, BARBOZA e MORAES asseveram, contudo, que a multiplicação das formas de divulgação da imagem humana e a alteração da feição do direito à intimidade tendem a acarretar a retração desta feição da honra – levando à crescente afirmação da autonomia do direito à imagem 13.

BARROSO faz uma pertinente observação a respeito desta diferenciação: reconhece que a violação do direito à imagem geralmente vem associada ao desrespeito a outros direitos de personalidade, mas atenta para o fato de que “a circunstância de já ser público o fato divulgado juntamente com a imagem afasta a alegação de ofensa à honra ou à intimidade, mas não interfere com o direito de imagem, que será violado a cada vez que ocorrerem novas divulgações da mesma reprodução”14.

Há ainda outra possível interpretação, que considera o dano à imagem como uma terceira classificação – ao lado do dano moral e do dano material. De acordo com o disposto no inc. V do art. 5º da CF, não seria correto falar em dano moral decorrente da violação deste direito – e sim em dano à imagem.

Segundo tal perspectiva, esta terceira categoria teria cunho material e imaterial, simultaneamente, de acordo com o tipo de violação.

No estudo de casos práticos, restará demonstrada, mais uma vez, a freqüente concomitância da violação a estes direitos conexos. A dificuldade do estabelecimento de fronteiras em relação a estes direitos, contudo, não obsta a adequada reparação dos danos sofridos: todas as manifestações da personalidade podem ser reconduzidas à cláusula geral de tutela da pessoa humana, de forma que a violação a quaisquer delas configura dano moral. E o dano moral nada mais é do que a lesão ao princípio da dignidade humana – conforme se explicará no tópico seguinte.

Retomando o enfoque ao direito à imagem, vale recorrer ao pensamento de Maria de Lourdes Seraphico Peixoto da SILVA, que defende interessante posicionamento. A autora acredita que há relação incindível entre a imagem, a projeção social da personalidade e o projeto de vida dos cidadãos. Tanto a imagem-retrato quanto a imagem-atributo fazem parte da identidade de cada sujeito – o que faz com que a sua violação possa, sim, acarretar em danos morais à pessoa. “Toda e qualquer lesão que atinja o ser do indivíduo terá características suficientes para considerar-se como dano moral”.15

É possível fazer alusão, por fim, ao entendimento firmado pelo Superior...

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