Direito à Igualdade. Proibição de Discriminação

AutorArion Sayão Romita
Ocupação do AutorAcademia Nacional do Direito do Trabalho
Páginas350-376

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O terceiro princípio fundante (ou estruturante) das liberdades fundamentais (sendo o primeiro o da dignidade da pessoa humana e o segundo, o da liberdade) é a igualdade.

10.1. Direito à igualdade
10.1.1. Generalidades

Em outra visão, o princípio de igualdade, tido por base da democracia1,

pode ser considerado mais importante do que o da liberdade, porque a igual-dade é o próprio homem. O certo, porém, é que os princípios de igualdade e de liberdade - emanações da dignidade da pessoa humana - são indissociáveis um do outro e, frequentemente, em suas aplicações práticas, difícil se torna identificar um ou outro. O ser livre não goza da plenitude de sua liberdade se for tratado desigualmente; por seu turno, a igualdade se vê malferida quando seu destinatário sofre agravo em alguma das manifestações do direito de liberdade.

As expressões jurídicas da noção de igualdade, ao longo da história, cristalizaram-se em fórmulas de caráter universal, o que ocorreu em diversos sistemas jurídicos, inclusive no brasileiro. Tais fórmulas, na realidade, retratam diferentes acepções do direito fundamental de igualdade e, assim, cabe estabelecer distinções entre elas: não se confundem igualdade perante a lei, igualdade em direitos (ou igualdade na lei), igualdade de direito e igualdade jurídica.

10.1.2. Igualdade perante a lei

A igualdade perante a lei se concretiza no princípio de isonomia. A etimologia da palavra isonomia revela seu significado. Forma-se do gr. isos: igual + nomos: lei2, ou seja, lei igual para todos, indicando a posição jurídica

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daqueles que são governados pelas mesmas leis3. O princípio de isonomia se expressa em geral por duas fórmulas bastante difundidas: igualdade perante a lei e a lei é igual para todos. Traduz a obrigação moral de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos de conformidade com o que elas estabelecem, mesmo que daí resulte alguma discriminação, o que significa que a regra de igualdade garante o respeito à norma de justiça concreta: a cada qual segundo o que a lei lhe atribui. A igualdade perante a lei é apenas uma forma específica, historicamente determinada, de igualdade de direito ou dos direitos, resultando na garantia de igualdade de acesso de todos à justiça, igualdade de oportunidade de acesso aos cargos públicos, garantia de igualdade em matéria de impostos, igualdade entre as partes no processo, proibição de instaurar ou de desfrutar privilégios etc.

10.1.3. Igualdade em direitos (igualdade na lei)

A igualdade em direitos se expressa pela vedação de discriminações injustificadas e se traduz pelo princípio de não discriminação. Significa, portanto, algo além de mera igualdade perante a lei, porque exclui a possibili-dade de qualquer distinção não justificada. O princípio de não discriminação ou de igualdade nos direitos (ou igualdade na lei) envolve não somente o direito de ser considerado igual perante a lei mas também a possibilidade de usufruir, sem qualquer discriminação, os direitos fundamentais. Exige que, na aplicação de uma norma geral, não haja discriminações baseadas em critérios de distinção cuja utilização seja vedada pela constituição ou pelas leis, tais como o sexo, a raça, a origem nacional, a cor, a língua, a religião, as opiniões políticas, a atuação sindical. Traduz a concretização de um imperativo de justiça, porque nada mais injusto se pode imaginar do que dispensar tratamento desigual a seres iguais por motivos arbitrariamente selecionados. A característica mais evidente de uma lei justa reside no fato de que ela é aplicada igualmente a todos os que se encontram em pé de igualdade.

10.1.4. Igualdade de direito

A expressão igualdade de direito se opõe a igualdade de fato e corresponde à contraposição entre igualdade formal e igualdade substancial.

10.1.5. Igualdade jurídica

A igualdade jurídica tem âmbito mais estreito e reveste o atributo particular que faz de todo membro da coletividade um sujeito de direito, ou seja, um ser dotado de capacidade jurídica.

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Aqui, interessam-nos particularmente os dois primeiros aspectos acima indicados: igualdade perante a lei (isonomia) e igualdade em direitos (não discriminação).

10.1.6. O princípio de isonomia

O princípio de isonomia está consagrado pelo art. 5º, caput, da Constituição, segundo o qual "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". A norma se aplica "aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País". As disposições da CLT sobre nacionalização do trabalho, que estabeleciam a observância de uma proporcionalidade de empregados brasileiros na empresa (art. 352 e 354), estariam, portanto, revogadas por incompatibilidade, porquanto a Constituição de 1988 omite a regra prevista pela Carta anterior, sobre a fixação das porcentagens de empregados brasileiros em todas as empresas4.

O princípio de isonomia tem sido invocado pela doutrina para assegurar aos empregados da empresa subcontratada remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora ou cliente5. Com base nesse princípio, decisões dos tribunais do trabalho têm acolhido pretensão de pagamento de diferenças salariais quando utilizados serviços de empregado admitido por empresa interposta, como se vê pela seguinte ementa de um julgado proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais:

Princípio da isonomia. O princípio da isonomia garantido no diploma constitucional é amplo e assegura ao indivíduo o direito de se insurgir contra a má utilização que possa ser feita da ordem jurídica, prevenindo o indivíduo contra o arbítrio e a discriminação (cf. Celso Ribeiro Bastos, 2º vol., Saraiva, 1989). O princípio isonômico tem duas dimensões. A primeira delas protetiva, vedando que a lei e os particulares imponham ônus e restrições a alguém com base em elemento diferenciador infundado - nesse caso, a norma ou a conduta viciosa será atacada pelo lesado com o propósito de anulá-la, preservando o direito subjetivo lesado. Sua outra dimensão é de caráter reparatório, como no caso dos autos, em que a reclamante afirma não lhe terem sido concedidos os mesmos benefícios ou vantagens assegurados a outros cidadãos que, essencialmente, estão em idêntica situação à sua. Aqui, conclui Celso Bastos (in op. cit. p. 15), "o procedimento mais correto é o de atender a súplica, caso procedente, daquele que foi lesado pela omissão (...)". Constatando-se que a empregada, apesar de admitida por empresa interposta, trabalhava em idênticas condições às dos empregados diretamente contra-

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tados, no mesmo local, exercendo as mesmas atividades e sujeitando-se aos mesmos horários, não pode sofrer discriminação, pois o fenômeno da terceirização é imprestável à redução dos salários dos trabalhadores6.

Mera explicitação do princípio de isonomia se contém no inciso I do art. 5º, em cujo teor "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição", o que já se acha afirmado acima, porquanto o vocábulo "todos" abrange os homens e as mulheres. A preocupação com o tratamento igual dispensado a homens e mulheres é antiga na legislação trabalhista brasileira, como se vê pelo disposto no art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho, no que diz respeito à estipulação salarial: "A todo trabalho de igual valor corresponde igual salário, sem distinção de sexo". Também a Convenção Internacional n. 100, aprovada pela OIT em 1951, proclama o "princípio de igualdade de remuneração para a mão de obra masculina e a feminina por trabalho de igual valor". Esta Convenção integra o ordenamento positivo brasileiro, já que ratificada em 25 de abril de 1957 e promulgada pelo Decreto n. 41.721, de 25 de junho do mesmo ano.

A dificuldade de aplicação do princípio em tela reside na avaliação do trabalho de "igual valor", pois os critérios de modo geral adotados tendem a favorecer a posição dos homens, como assinala Alice Monteiro de Barros. Em sua visão, "a igualdade de remuneração deverá fundar-se em um conjunto de operações realizadas e não nos resultados obtidos", sendo certo que não se deve levar em conta a suposição de que as consequências da aplicação das leis que dispensam proteção ao trabalho da mulher aumentam os custos da produção7.

10.2. Não discriminação

Relativamente à igualdade em direitos (não discriminação), cabe inicialmente conceituar discriminação. Entende-se por discriminação, em princípio, o ato de tratar diferentemente os iguais. Na prática, porém, diante de situ-ações concretas, surgem por vezes dificuldades quanto à identificação dos iguais. Diz-se com frequência que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. A afirmação caracteriza-se por evidente vagueza, porque cumpre investigar quem são os iguais e quem os desiguais. Os seres humanos são, como é evidente, desiguais entre si. Não há dois seres iguais. Do ponto de vista jurídico, o que importa é fixar os critérios aptos a propiciar tratamento igual ou desigual a seres situados em posições jurídicas iguais ou desiguais.

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O tratamento discriminatório tanto pode prestar-se a inserir alguém em dado grupo social ou situação jurídica como a excluí-lo do grupo ou privá-lo de direitos. Com o direito de não ser discriminado, o indivíduo se credencia à inserção no grupo social e, via de consequência, ao gozo dos direitos inerentes ao modo de organização desse grupo8. Ao sofrer os efeitos do ato discriminatório negativo...

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